[NATHAN,
Michel. Le ciel des fouriéristes:
habitants des étoiles et réincarnations de l’âme. Presses Universitaires de
Lyon. Lyon. 1981.
NOTA: O caso dos Vespertillos. Seres lunares vistos
segundo relato publicado por um chefe de expedição inglesa ao Cabo da Boa
Esperança e que causou alvoroço, além de diversas acusações como as que censuraram
os astrônomos do observatório de Paris por não os terem descoberto antes. A
crise de credibilidade com relação aos primeiros observadores se desdobra na
crise de credibilidade dos primeiros relatos da parte dos mesmos observadores
que, num segundo momento, contestam a existência dos Vespertillos, cuja figura
é tratada como mistificação. Ainda
que a existência de vida na Luz tenha sido descartada a partir de novas
investigações, o conde Fœlix em seu livro Astronomie
des dames [1858] discute a dificuldade de fazer compreender que a novidade
era falsa. Havia por fim quem persistisse em fazer menção aos Vespertillos como
se de fato habitassem a lua (Nathan, op.cit.:73-74).
O
caso dos Vespertillos, e os termos a partir dos quais o conde Fœlix tece suas
considerações são importantes a esta altura porque desenham com alguma clareza
o dilema entre o fato que é de fato, e os fatos que são reconhecidos como
crença e mistificação, um e outro vizinhos semânticos muito próximos. A
experiência mística, se posso reconstituir de memória diz respeito a uma
relação direta com o sagrado em que o caráter de símbolo (Turner; Langer; Black),
ou de orientação (Eliade) se impõe a um sujeito, ou a um coletivo cuja
irradiação se faz impossível de comunicação mediatizada, isto é, é possível
comunicar que algo tenha ocorrido sem que os termos de comunicação permitam
repetir ou estabelecer a repetição do evento que é, de qualquer forma,
autônomo. A mistificação de um fato, entendida segundo este tipo de acusação
diz respeito à dificuldade de um determinado agente em enunciar um evento de
forma que, ou seja possível reproduzir o evento segundo suas variantes
experimentais, ou que seja possível de outra forma visitar o evento in natura. De outra forma, diz respeito
aos existenciais não passíveis de transmissão por via de um mediador. Não à
toa, não são somente as instituições científicas que controlam sobremaneira a
experiência mística, dado ser esta uma das especialidades da igreja católica
que é, para todos os efeitos, também fortemente dependente dela.
Uma
vez compreendido que o caso dos Vespertillos evoca este limite da linguagem
como tal, ela evoca também uma determinada economia de objetos, isto é, um
conjunto de afirmações, técnicas e eventos que são passivos de apreciação
segundo aquilo que se apresenta como uma economia do problema. A crença, isto é,
o crédito opera na chave do improvável, ou daquilo que, não sendo reificado, não participa da economia geral
tendo sua participação apenas sugerida, não sendo constituinte da ordem das
trocas entre entes de existência atestada. Perguntar se alguém acredita ou não
acredita, ou lamentar a insistência em crer é, por fim reiterar as interdições
deste tipo. Assim, reduzida à crença o que a noção de história evangélica
oferece como movimento contrário às acusações ateias de certos agentes científicos, ressaltando certos evolucionistas em voga desde Thomas Huxley, é reduzi-los – como o faz parte significativa da filosofia da ciência, vale
notar – ao estatuto da crença que não somente os desautorizara outrora, mas
como o segue fazendo. Esse tipo de reação recebe, via de regra, o nome de “abraço
do afogado”.
O caso é que Vespertillos são seres alados e
que, de uma forma geral correspondem aos mamíferos voadores que em geral
conhecemos como morcegos. É assim, ao menos segundo uma determinada taxinomia,
porque há também a contra-referência angélica da qual não somente não podemos
nos livrar, como oferece uma chave de leitura importante, que remonta à ciência
dos anjos e o tipo de comunicação direta sugerida por Swedenborg, apelidado por
alguns como “turista do além”. A descrição dos seres lunares como dotados de
asas e, ao mesmo tempo, como similares parciais à espécie humana oferecem
margem para investigações mais detidas, ainda que propriamente eivadas de uma
certa ironia pelo ajuste plástico-taxinômico que a descoberta científica
oferece. O caso lunar segue sendo, contudo, algo mais volumoso que o problema
da identificação dos Vespertillos, o que oferece por sua vez uma forma de
distinguir os fourieristas de fato de outra sorte de amadores. Ao menos é que nos promete Michel Nathan no início do
capítulo três, o mesmo capítulo que oferece o seguinte levantamento relativo
aos anos 1830 franceses:
“Il
parut en France, tant à Paris qu’e province, trois sortes d’opuscules :
des brochures d’une quinzaine de pages évoquaient rapidement les paysages
lunaires, leur faune et leur flore, puis leurs étranges habitants tandis que
d’autres brochures donnaient en 150 pages environs des détails techniques sur
les conditions de l’observation qui venaient s’ajouter aux détails
pittoresques. D’autres brochures enfin se perdaient en variations sur les
coutumes Sélénites.
Tous
ces ouvrages se présentent comme des traductions et commencent par décrire plus
ou moins longuement le fameux télescope. Puis viennent les sites pittoresques,
les cavernes, les précipices, les améthystes énormes, les amphithéâtres de
rubis, les cascades d’argent, les montagnes couronnées d’or. Parmi une
végétation luxuriante vivent des animaux fabuleux : moutons, bisons qui
portent au-dessus des yeux une visière de chair pour se protéger du soleil,
licornes aux allures de chèvres facétieuses, castors de génie. Les créatures
les plus intéressantes sont évidemment les Sélénites. Les premières brochures
ne parlent que des Vespertillos, hommes chauve-souris, qui s’ébattent
tranquillement. Mais les brochures un peu plus tardives instaurent une
véritable civilisation lunaire fondée sur l’esclavage et une religion cruelle.
Sont ainsi décrits dans les éditions de 1836 la physiologie des Sélénites
maîtres de Vespertillos, leurs habitations, leur art de la guerre, leurs
cérémonies nuptiales et l’hommage qu’ils rendent à leur Dieu. » (Nathan, op.cit. :74-75)
O
nome de John Herschel como o principal divulgador destas descobertas, tendo sido
ele mesmo um dos observadores dos fenômenos lunares, serve de guia para este
tipo de investigação. O mesmo d’Herschel é repelido por figuras como Jean
Reynaud em um artigo de 1836 do Magasin
pittoresque. É de Reynaud a acusação de mistificação, em primeiro lugar.
Arago fizera o mesmo em uma intervenção da Académie des Sciences cuja apreciação geral se encontra no Journal de Débats no número de 19 de
novembro. Consideram, Reynaud e Aragon, um absurdo a descrição oferecida por Herschel, a de que a escravização de uma raça por outra, dos Vespertillos por Sélénitas, simula um espelho ruim daquilo que porventura poderia se encontrar na terra. A figuração da tirania em solo lunar reflete, por outro lado, uma variação
peculiar de orientalismo – naquele em que, na perda de referenciais espaciais
produzidos pela vertigem do espaço infinito, o oriente aponta para cima – ou A Lua vem da Ásia.]
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