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domingo, 28 de fevereiro de 2010
DESPEDIDAS HERMÉTICAS I
Contemporaneidade? É isso mesmo?
Estou me despedindo de minha vida carioca aos poucos, me afastando de uma jornada longa que fez o favor de me enfiar em alguns buracos dos quais nem sempre aprazíveis. Alguns me levaram quase ao esgoto enquanto outros fazem parte dos fluxos anteriores embora prefiramos, ou eu prefiro lembrá-los segundo minha idéia de odor de rosas – e quanto coisa se faz com um ser desanimado a partir de um odor de rosas! E é peculiar que o esgoto e o odor de rosas se ponham aqui juntos de forma a comungar de uma reação estranha que tomou conta de toda uma situação vivida em uma de minhas despedidas herméticas.
Há quem saiba que tenho uma mão direita na antropologia. Há quem diga que aí vive um dos hemisférios de meu cérebro assim como minha falta de vida religiosa. Os donos do sebo Berinjela sabem que pelo menos aí é onde esgoto minha vida financeira que, rezamos um dia frutificará e ressurgirá das cinzas, embora não como uma fênix mas como um zumbi patético como aqueles que ora povoam os romances de Jane Austen – Sense and sensibility with zombies que tanto quero ler. Desta vida de mortes que é minha atividade de antropólogo já vivi momentos mais animados, povoados mesmo de uma sorte grande de pessoas e movimentos. Cheguei mesmo a conversar diariamente com mais de 6 pessoas cujo nome sabia. Ontem as revi.
Durante mais ou menos 2 anos me fiz e me empossaram como pesquisador residente numa companhia de teatro – que é mais um grupo de amigos fazendo o que fazem melhor apesar da carência de recursos (a maior parte deles financeiros). Figurei por dois espetáculos na lista de oficineiros que compactuam com a apresentação, atividade sempre temerária, pois é comum que os atores fazerem o que querem para se pôr em cena. A figura do meteur em scène se dissolveu em alguns egos a mais, embora isso seja mais específico para este ou aquele caso que uma noção geral ou uma questão de classe.
Ao retornar às apresentações do segundo trabalho em que surjo na lista de colaboradores seguindo a rubrica “assessoria teórica”, atividade que nunca entendi a validade até ser tarde demais – ou o cedo da titanomaquia – fui surpreendido por um trecho do programa que reproduzo aqui:
“Como a contemporaneidade vê este corpo que é constituinte material de sua possibilidade de existência? As imensas possibilidades de transformar este corpo, que surgem com as novas tecnologias, com o uso de próteses, intervenções cirúrgicas, procedimentos estéticos, etc.”
Eu perguntei imediatamente: como é que a contemporaneidade vê alguma coisa? Como assim? A contemporaneidade é um corpo? Tem um corpo? Sai para fazer as compras, corre nos sábados à tarde e planeja uma intervenção no rosto, fazer um lifting? E etc.? Bom, considerando que meu programa-editor de textos não sublinhou lifting como termo incorreto em português, talvez seja mais ou menos isso mesmo. E por duas razões – e mais uma terceira, concebida a posteriori. A primeira, porque se imagina que haja um contador de tempo comum a um grupo (maior ou menor) de pessoas que divida outras coisas além de uma unidade referencial de tempo, o que lhes permite constituir como sujeito da frase a partir da primeira pessoa do plural, ou mesmo por via de um substantivo que, ao figurar como sujeito da frase é sujeito ativo. A segunda, porque há uma corrente de pensamento já desdobrada que sugere que a coletividade é um corpo também, cuja temerária hipótese sempre fez com que os intelectuais mais reclusos esboçassem seu medo irremediável da massa cheia de homens lobo dos homens, homens homem do homem, facas bicho da bicha, mina coisa do lobo, etc. Há a farinha, há o leite, há ovos, há o fermento, mas há a massa. E isso assusta, porque se a coisa esquentar, há o bolo. A massa cresce e enrijece. Pode haver revolução, mas pode simplesmente acabar em gente mijando na rua atrás do Cordão do Bola Preta, como antevira de Andrade, a.k.a. Oswald.
Fui rever o espetáculo Manifesto Ciborgue, performance em que minha atividade como assessor teórico não excede haver fornecido o libelo homônimo de Donna Haraway, além de haver roubado o livro de W.J. Solha de Leonardo Corajo para fins de pesquisa. E isto me faz muito merecedor das heranças da antropologia. Fiquei com isso na cabeça, essa história da “contemporaneidade ver”. Não gosto da frase que penso ser despreparada, mas fiquei encucado: se a contemporaneidade vê, ao ver, vê ao mesmo tempo? Num mesmo tempo? É aí que a temporalidade como modo de diferença de estâncias que definem a especificidade de um evento assumem o terceiro eixo que fazem com que o esforço em montar uma performance sobre como a contemporaneidade VÊ um corpo foi particularmente bem-sucedida.
Modo de usar (peço perdão pelo clichê) – você chega no espaço Sergio Porto, no Humaitá, Rio de Janeiro. Se não sabe onde fica, se não conhece o Rio como eu, não importa. Se está lendo as regras de comando é porque sabe como funciona. Compra-se o ingresso, ou anuncie-se ao chegar caso seu nome esteja na lista. Se seu caso for o segundo, fique feliz. Por algum razão querem que você veja a montagem e estão facilitando sua vida e é melhor começar a bolar o que vai dizer ao final da peça. Mesmo que seja “cara, estou correndo, preciso ir embora. Parabéns!” e saia. Ao entrar na sala você vai se deparar com um palco todo encarnado em branco, em assepsia hospitalar. Ou quase. À esquerda uma caveira posta num manequim de tronco, sem pernas, vestido com um paletó negro. Seguindo para a direita há uma mesa grande coberta com um tecido branco – uma boa montagem esconde as coisas boas, e ruins, por debaixo dos panos. Em cima da mesa há uma lâmpada fluorescente tubular. Daí seguindo, uma bancadinha com um relógio digital com números em vermelho, uma máquina de escrever – minha; talvez minha melhor contribuição para o teatro nacional – verde-oliva descascado sob uma bancadinha branca, vizinha de outra bancadinha com um telefone de dial em disco também vermelho. Sente-se e supere os momentos de silêncio e veja como a contemporaneidade vê.
Falar de contemporaneidade é uma coisa muito delicada, coisa que cheira a filosofia da história. Em outras palavras, mistura muito bem o odor de rosas e o esgoto o que sempre culmina ou em orgasmo ou em atividade emética (o oposto da hermética). Significa que há um regime, uma ordem em que eventos compartilham do mesmo tempo, o que em si-mesmo significa muito pouco, ou permite dizer muito pouco. Não é um recurso óbvio e para pensar sobre isso basta reduzir a escala, pois ao narrar a história das nações tudo se encaixa melhor. Como o nazismo, por exemplo, que emprega a pureza da raça como veículo de reunião e culminância da história germânica, mas fez uso de travestis saltadoras para ganhar medalhas nos jogos olímpicos de 36. Sem sucesso. Tá, o exemplo não faz muito sentido, mas me deixa mostrar que não é assim que a banda toca e que a contemporaneidade toda não está à mão. Todavia começa-se bem. Todos estavam lá. Todos? Não. Havia uma pequena aldeia de gauleses que resistia fortemente ao Império Romano cercada pelas fortificações de Petibonum, Laudanum, etc. Ocorria haver dentro da sala um grupo de pessoas, pessoas as quais estavam todas lá, sem combinação nem respeito a um ritmo de repetição. Boa parte não se conhecia, não praticava as mesmas profissões (eu sei; sou pesquisador; eu posso escrever isso) e estiveram por ali ao mesmo tempo e, não obstante, dispostos a seguir o ritmo das cenas, rir, esperar e, mais do que tudo, procurar fazer silêncio. Para ser contemporâneo houve quem tivesse esquecido de desligar um aparelho celular permitindo um penetra desinteressado, um acinte. O celular foi prontamente desligado e, por conseguinte, a pessoa fora desligada de outras a partir da interrupção da conexão via microondas. E daqui, partimos para a sorte de contemporaneidade que o programa faz menção – e se não for essa eu não sei o que é. E por duas frentes.
A primeira imagina haver um contador de tempo comum a um grupo (maior ou menor) de pessoas que divida outras coisas além de uma unidade referencial de tempo, o que lhes permite constituir como sujeito da frase a partir da primeira pessoa do plural, ou mesmo por via de um substantivo que, ao figurar como sujeito da frase é sujeito ativo. A segunda participa de uma corrente de pensamento já desdobrada que sugere que a coletividade é um corpo também, cuja temerária hipótese sempre fez com que os intelectuais mais reclusos esboçassem seu medo irremediável da massa cheia de homens lobo dos homens, homem homem do homem, faca bicho da bicha, mina coisa do lobo, etc. Há a farinha, há o leite, há ovos, há o fermento, mas há a massa. E isso assusta, porque se a coisa esquentar, há o bolo. A massa cresce e enrijece. Pode haver revolução, mas pode simplesmente acabar em gente mijando na rua atrás do Cordão do Bola Preta.
Tá, não é lá grande coisa. Não tem cara que grande movimento da história e tampouco de uma ego trip do espírito humano. Azar.
Assim sendo, um abraço para Leo, Lucas, Joelson, Candice, Luciano, Angela e Carmen. Merda pr´ocês. Sempre.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Filosofia numa cacetada só (ou duas, vai), vol. 05
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Mural de tosqueria
- Quero dizer... na filosofia, você é solipsista ou alterofilista?
Postado por
Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um)
às
17:09
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