Nem uma gota cai
só,
nenhuma,
pois divide-se em outras tantas
gotas,
por menor que seja é sempre
gota
a ser solta enquanto cai no mililitro que conta
gota
a
gota
nos menores traços,
nos menores gestos,
e mesmo ao chão, antes de deitar-se
nua
a gota se multiplica - quando se divide -
e então
imagine a multidão da chuva.
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terça-feira, 25 de novembro de 2014
sexta-feira, 21 de novembro de 2014
Prolixo
Mover-me na direção de alguém;
mover-me sem
me mover
não é,
em condição alguma,
nem uma coisa
nem
outra.
mover-me sem
me mover
não é,
em condição alguma,
nem uma coisa
nem
outra.
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Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um)
às
18:35
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segunda-feira, 18 de agosto de 2014
O meio de transporte: sobre a doutrina do similar e outros segredos.
-->
7-
-->
FRAZER,
James George. The golden bough: the magic
art (2/13 vol.). Macmillan. 1990 [1913].
HOCART,
Anthony Maurice. Kings and councillors:
an essay in the comparative anatomy of human society. University of Chicago Press.
Chicago.1970.
HUME, David. Investigação
acerca do entendimento humano. Unesp. São Paulo. (1999[1748]).
7-
-->
O que vemos em Frazer é que a arte da magia repousa em dois ramos. Um a
respeito da prática da magia e outro, sua teoria. Um e outro são pseudo-formas;
pseudo-arte e pseudo-ciência, respectivamente. Afinal, por se tratar de uma
investigação evolucionista, o selvagem é pseudo-civilizado isto é, contém o
civilizado em germe da mesma forma que o civilizado contém o selvagem como ameaça
cuja fronteira está no limite da epiderme. Esta configuração toma forma, como
bem se sabe, nas variações modernas do ceticismo em grande parte incarnada por
David Hume, quem podemos sugerir ser em grande parte um ancestral direto de
James Frazer, inclusive na arte de reconhecer que certas coisas acontecem.
Trata-se da décima sessão de An Enquiry
concerning Human Undesrtanding, que versa sobre os milagres que, antes de
mais nada, são coisas que acontecem. Pas d’événement, pas de miracle parce que
d’abord, le miracle est une chose à voir.
Hume põe em questão o argumento da
presença real do corpo de Cristo no sacramento Cristão, o mesmo corpo que
outrora serviu de analogia para a justificação do Estado na cristandade. O
problema inicial, o mesmo que traça uma espécie de fundação do empirismo
moderno, diz respeito aos relatos fidedignos relativos aos eventos relatados e
a instituição da confiança nos testemunhos. Porque nem sempre se trata de má-fé
do religioso ou do homem do povo, mas de uma profunda desarticulação com relação
aos critérios de descrição e da constância dedicada à observação metódica que
discrimina não somente a longa permanência no sítio que localiza a percepção
como destaca os termos que guiam a observação in loco. Afinal, os apóstolos não são, sob nenhum ponto de vista,
naturalistas.
“Assim,
a evidência que temos para a veracidade da religião cristã é menor que a
evidência para a veracidade de nossos sentidos, porque já não era maior que
esta nem mesmo nos primeiros autores de nossa religião, devendo certamente
diminuir ao passar deles para seus discípulos, e ninguém pode depositar nos
relatos destes tanta confiança no objeto imediato de seus sentidos. Ora, uma
evidência mais frágil jamais pode desfazer uma mais forte, e assim, por mais
que a doutrina da presença real estivesse claramente revelada na escritura, dar
a ela nosso assentimento seria diretamente contrário às regras do raciocínio
correto. Ela contradiz os sentidos, apesar de que nem a escritura, nem a
tradição nas quais se supõe que esteja sustentada trazem consigo tanta
evidência quanto os sentidos, quando consideradas meramente como evidências
exteriores, sem que nossos corações dela tomem conhecimento pela operação
imediata do Espírito Santo.” (Hume, 1999:143-144)
Temos então um exemplo do combate à
superstição a partir de um ponto de partida muito particular, que é o que toma
a religião segundo questões postas pela teoria do conhecimento. Ao contrário do
que propõe a história do direito e, em parte, o tema da secularização como
história política da religião, aqui a religião não aparece como forma forte que
degenera nas formas modernas, mas ao contrário a forma em potencia se
atualizando em planos perfécteis – a perfectibilidade é, aqui, imanente. A
proliferação de milagres em meio à história profana é um problema a ser
resolvido. Cabe a ressalva de que, como todo cético, Hume não considera a
experiência um meio infalível para promover a orientação no mundo. Isto não
impede, contudo, que ele possa elencar uma hierarquia de formas de acesso ao
conhecimento do mundo que é, para todos os efeitos, experimental antes de tudo
que é, antes de mais nada, potencialmente falha. Contudo, ele toma partido
antes da observação do que da observância das leis, o que altera profundamente
o que se pode compreender como estrutura da mediação e, com isso, a forma de se
relacionar com um acontecimento.
“Nem
todos os efeitos seguem-se com igual certeza de suas supostas causas.
Verifica-se que alguns acontecimentos estiveram constantemente conjugados em
todas as épocas e lugares; outros, porém, mostram-se mais variáveis e frustram
algumas vezes nossas expectativas, de tal modo que, em nossos raciocínios
relativos a questões de fato, coexistem todos os graus imagináveis de
confiança, desde a máxima certeza à mais diminuta evidência moral.” (Hume,
1999:145)
Com evidência moral entenda-se,
obviamente, àquilo que a vida religiosa foi reduzida. Com grau de evidência,
por sua vez, compreende-se o regime de probabilidade em que se exercita o
conflito das evidências de forma a estabelecer proporções da repetição da
incidência que relaciona causa e efeito produzindo assim camadas estatísticas
que pesam em favor de uma ou outra versão. Estatística é, convém lembrar, uma
ciência de Estado assim como uma percepção do estado de relações que permite
que o investigador não seja refém da autoridade de um testemunho somente e que
possa se aplicar na coletânea de relatos. E é o regime de probabilidades que
orienta, assim, a investigação daquilo que acontece vindo estabelecer no regime
das causalidades, a forma posta em evidência como a de maior regularidade
guardando assim a dimensão preciosa das regularidades ocultadas da experiência,
seja por pertencerem a ordens infinitesimalmente grandes, infinitesimalmente
pequenas ou radicalmente distintas da experiência adquirida, como no caso do
príncipe indiano que submetido ao calor dos trópicos não acredita na
possibilidade da água congelada, o que é fundamentalmente racional.
Nisso, o milagre. O acontecimento não
somente como exceção da regularidade, o que é meramente o inesperado, mas
também como a suspensão das leis da natureza. Afinal, quais são as chances de
um milagre acontecer de novo? Quais são as probabilidades? A absoluta exceção
do milagre é de tal ordem que se torna impossível instituir a partir dele
qualquer autoridade com vistas no relato porque como acontecimento ele não faz
nada mais do que irradiar como novidade e obrigar ao relato que destaque que,
por fim, ele aconteceu e nada além disso. O efeito fundamental sobre aquele que
o testemunha é o efeito das maravilhas, das mirabilia,
seja porque aconteceram, o que é uma dimensão sempre suspeita dado que depende
do relato, seja porque alguém relata vindo a sofrer suficientes distorções a
ponto de fazer com que todos os testemunhos sejam por fim dignos de descrédito
mostrando que o fantástico e o maravilhoso é antes de mais nada, um erro de
escalonamento quando não o mero exercício de tornar a narrativa algo mais
interessante e se promover com isso. Assim, o relato que poderia pretender
transmitir algo de verdadeiro cede em graus diversos àquilo que é meramente
verossímil, ainda que seja muito pouco provável. Preferindo contar uma boa
história no lugar de algo que se mostre regular, normal e repetitivo, a
narrativa sobre os milagres oferecem uma sorte de ficção que exagera contornos,
excessivamente afetiva e nada preocupada no exame do caso. Todos os olhos na
qualidade do testemunho, naquilo que efetivamente há para ver. É muito difícil
distinguir, assim, a antiguidade fabulosa
de James Frazer dos povos bárbaros particularmente suscetíveis em compartilhar
histórias milagrosas. E talvez não seja necessário.
Que os dois primeiros volumes de O ramo de ouro sejam uma teoria da magia
e que a mesma responde melhor a certas questões de caráter prático do que
teórico, isto é claro. No entanto, o papel que a magia desempenha como um
regime de semelhanças associadas merece tanta atenção porque é um complexo de
associações entre termos assemelhados que parece nos levar a algum lugar em
especial: o sacerdócio de Nemi. Entendendo que se trata da sucessão pelo
assassinato cujas regras de sucessão Frazer se propõe a reconstituir, nada
melhor que estabelecer o paralelo, para todos os efeitos adequado, da história
da religião com o exercício pericial da cena de um crime e chamar o exercício
de “método comparativo”.
O caso que, com poder consideravelmente
menor, as regras de sucessão do sacerdócio Nemi não encontram paralelo na
antiguidade clássica e conseguir explica-las efetivamente demanda uma ginástica
fenomenal não somente porque não se correspondem com qualquer outro costume
antigo como pertencem ao campo de investigação própria da antropologia social
moderna. Trata-se de um costume bárbaro cuja racionalidade está obviamente em
questão. É preciso confiar, contudo, na continuidade da mente humana que serve
como fiador do mecanismo evolutivo que preserva as hipóteses de Frazer cuja
história natural permite que de alguma forma seja possível percorrer a história
ao contrário, voltando ao ponto senão de origem, àquele que permite borrar a
distinção entre selvageria e antiguidade, ambos fonte, imanência e, de alguma
forma, sobrevivência.
“Accordingly, if we can show that
a barbarous custom, like that of the priesthood of Nemi, has existed elsewhere,
we can detect the motives which led to its institution; if we can prove that
these motives have operated widely, perhaps universally, in human society,
producing in varied circumstances a variety of institutions specifically
different but generically alike; if we can show, lastly, that these very
motives, with some of their derivative institutions, were actually at work in
classical antiquity; then we may fairly infer that at a remoter age the same
motives gave birth to the priesthood of Nemi. Such an inference, in default of
direct evidence as to how the priesthood did actually arise, can never amount
demonstration. But will be more or less probable according to the degree of
completeness with which it fulfils the conditions I have indicated. The object
of this book is, by meeting these conditions, to offer a fairly probable
explanation of the priesthood of Nemi.” (Frazer, 1990:10)
O que Frazer sugere fazer é exatamente
trabalhar com o que Anthony Maurice Hocart sugeriu ser o domínio das provas
circunstanciais em seu Kings and
Councillors. É na leitura de Hocart, inclusive, que duas coisas saltam aos
olhos. A primeira, sobre o grau de penetração do paradigma indiciário nesta
forma de administração da prova de forma que a investigação arqueológica que
nos conduz à antiguidade e à selvageria, ao mesmo tempo, se utiliza do aparato
próprio da antropologia forense em que são os rastros de alguém que interessam,
e que nos conduz ao agente e suas intenções – como o será na figuração ao redor
do assassinato do sacerdote de Nime. A segunda diz respeito à necessidade e, ao
mesmo tempo, a precariedade do uso artificial de analogias para o exercício
comparativo em antropologia que se conduz pela variety of institutions specifically diferente but generically alike.
Hocart abre seu livro dissertando sobre as
regras do jogo de seu programa de
pesquisa pautado por uma analogia explícita com a investigação pericial
criminal. E é exatamente a cena de um crime que lhe serve de figura em que se
dispõe do corpo, mas não de testemunhas. O que ele sugere é que as evidências
diretas são superestimadas caso não sejam testemunhas do ato e, ainda assim,
lembremos, réu confesso não elimina a necessidade de investigação pericial. Não
é outra a vitória da biologia ao recusaras evidências diretas e recorrer ao
enorme expediente da evidências circunstanciais que faz da evolução das
espécies a forma de coletar e acolher a enorme diversidade de fatos sem
recorrer à premissa da empiria.
“There is one branch of human
history which has no direct evidence to build on, and no hope of any. That is
comparative philology. No one expects that we shall ever recover documents
containing specimens of that lost speech from which Latin, Greek, Sanskrit, English,
and such languages, are descended. Writing was not adopted by its users till
long after it had split up into languages very distinct from one another. Our
earliest Greek inscriptions hardly go back to 1000 B.C., at the very least a
millennium after this splitting up. This absence of all direct evidence has
proved a blessing in disguise. It has forced linguists to drop the wasteful an
ineffective frontal attack, to which archaeologists are addicted, for a more
decisive and economical flanking movement. They have been driven to the
comparative method.” (Hocart, 1970:15)
O método comparativo persegue divergências
constitutivas da história de seu objeto exatamente porque os rastros que o
mesmo deixa fazem com que ele divirja da primeira impressão coletada. O caminho
que leva até o original – e o tema se torna profundamente atrelado à questão da
mímesis – visa eliminar as diferenças com vistas naquilo que em um primeiro
momento é a regularidade das semelhanças que permitem deduzir, a partir disso,
a forma original que desencadeou todas as variações morfológicas. É a comparação
entre formas que oferecem uma semiótica particular, aguda e, mais uma vez, à
revelia do contexto. É a intensidade da analogia que faz com que o grau de
reincidência de uma forma na outra é que indica haver algo para além da
superfície, como no caso-teste em que Agni é comparado com Hermes (Hocart,
1970:17-19) no qual são tantas as similaridades entre os mitos narrados que
deve haver algo para além da mera aparência – e é aí que se trata de um
exercício de anatomia comparada, e que as narrativas pertencem a um mesmo
gênero porque sua fábula cumpre quase a mesma narrativa. Mais uma vez, generically alike que tem, por fim, uma
dimensão estrutural. O acontecimento é investigado com vistas em sua estrutura
entendida como suas condições de possibilidade, não naquilo ou quem ele
representa. Todos os abusos da história conjectural partem daí. Seus méritos,
idem. Um deles é de não ter aberto mão dos acontecimentos em favor de seus
representantes.
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Religião para Lelés da Cuca: genealogia da moral
BATAILLE, Georges.
L’expérience intérieure. Gallimard.
Paris. (2012 [1947])
______________________.
Théorie de la religion. Gallimard.
Paris. (2011[1973])
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica.
Companhia das
Letras. São Paulo. 2001.
I-
Todos temos amigos, ou ao menos é o que
parece ser. De qualquer forma é algo que só podemos intuir. Não há muito o que
fazer senão, nesta altura, desconfiar que sim. Porque se trata de
correspondência fugaz, desconfiada dos sinais que emitimos e por isso, desacertada,
dos sinais que recebe em troca. Que haja desconfiança quanto a quem é ou não é amigo, mas o que dos inimigos
se sabe é que quem é, o é por justa razão, porque obstrui o caminho,
especialmente no ato da caminhada. Trancar a rua, é o que parece, sendo o
suficiente como código, e que basta odiar e, mais do que isso, eliminar o
obstáculo que define o exercício da inimizade, desde o obstáculo até o
extermínio de uma das partes. Nisto boa parte dos folhetins que dispomos define ser o ato de
inimizade e o caminho de uma trama
magistral aquela que elimina da superfície terrestre o corpo político chamado
de "empecilho". Inimigos que, por fim, carregam consigo todos os sinais de
fraqueza e da incompreensão da escala da relação que faz desentender no mesmo
golpe as dimensões da violência, aquilo que é bom e aquilo que é mal.
Nietzsche é responsável por uma passagem
delicada em que investiga o legado judeu para a emergência de uma certa noção de inimizade na conformação de uma moral moderna, a mesma
que desenha a forma de determinar o bom, o mal, o belo e o feio sem que seja
reconstituída a genealogia que dá conexão entre estes termos todos. O bom e o
mal, o belo e o feio, o bem e o ruim/mau não são a mesma coisa, diriam alguns;
ora, responde o filólogo da genealogia, a palavra dirá aquilo que eu quiser que
ela diga caso eu seja nobre, forte e valoroso - afinal este jogo da potência que permite que algo como o batizado ocorra. Dá nome quem pode, não quem quer. E que por agir na instituição de um
domínio e que por isso eu seja signo de nobreza, beleza e bondade, que se deixe
o contrário como mero exercício do negativo, sendo vil aquele que não age com
nobreza. E é no sacerdócio que esta operação tomará uma outra dimensão, aquela
em que não é preciso conciliar o ato de nobreza com a nobreza que se porta
fundando uma ordem, uma organização sem corpo, uma autoridade de chancela. Uma
moral sem risco da bondade impessoal e da maldade corporificada. O sacerdócio dos
escravos, a herança judaica para quem a guerra é um mau negócio vindo a forjar
a vingança por via da tresvaloração, o que logo em seguida o mesmo Nietzsche
chama de vingança espiritual
(2001:26) em que se deu a beatificação da impotência.
Que se leia do legado de Nietzsche como
anti-semitismo seria simplesmente resultado de pressa o que,
contudo, não impede tal interpretação. Afinal, diriam alguns, é preciso se proteger do inimigo. Seguramente que o esmalte da figura judaica sai
arranhada da acusação, mas não é o judeu enquanto tal quem afronta a potência
humana de ser, mas a personagem que
exercita a sua desfiguração do inimigo a quem não se deve senão desprezo
e que, por ordem da inversão judaica levada ao ápice pelo cristianismo teria
levado à reles maldade, redução ao mínimo múltiplo comum de uma existência
comprimida a uma só dimensão. O que está em questão é o inimigo, aquele contra
quem há de se indispor e que, reduzido ao aspecto mais vil e ignóbil, à mera
maldade reduz a contenda ao mesmo ponto, ao mesmo termo em que só é possível ser
um inimigo como alguém a ser exterminado. O que daí desdobra é um elogio a
Mirabeau quem não conseguia cultivar quaisquer sentimentos por seus inimigos a
quem não desculpava porque se esquecia. Esquecia-se especialmente da ofensa.
“Um
homem tal sacode de si, com um
movimento, muitos vermes que em outros se enterrariam; apenas neste caso é
possível, se for possível em absoluto, o autêntico “amor aos inimigos”. Quanta
reverência aos inimigos não tem um homem nobre! – e tal reverência é já uma
ponte para o amor... Ele reclama para si seu inimigo como uma distinção, ele
não suporta inimigo que não aquele no
qual nada existe a desprezar e muito a
venerar! Em contrapartida, imaginemos “o inimigo” tal como o concebe o homem do
ressentimento – e precisamente nisso está seu feito, sua criação: ele concebeu
“o inimigo mau”, “o mau”, e isto como conceito básico, a partir do qual também
elabora, como imagem equivalente, um “bom”- ele mesmo!...”(Nietzsche,
2001:31)
Que a genealogia seja um equívoco[1],
que tenha apontado para o agente errado, eis algo a ser discutido. Mas não é necessariamente o agente que
está em questão mas a precipitação da agência e de um certo dispositivo formal
no qual a projeção da impotência como forma de poder tenha transformado a
relação de inimizade na purgação do mal que ronda, cerca e invariavelmente mata
e que, assim, deve ser reduzido ao mínimo que logo é. Que não seja o judeu como
pessoa mas como efeito, o poder exercido por via do sacerdócio contra a nobreza, como efeito em que o
inimigo é uma ameaça completa fazendo da contenda o exercício das formas vis forçando
a uma atitude contrária à vida e ao exercício da potência: a de si e a de
outrem. Reduzir a vida ao mínimo comum fazendo do inimigo alguém a ser
exterminável porque do ponto de vista do valor ele já não faz diferença alguma,
ou quando o faz figura nas sendas do dispensável, quando não do degenerado. A
dificuldade de enunciar este ponto de vista, contudo, só não é maior do que o
esforço em aceita-lo. Por diversas razões.
Uma forma de fazê-lo é mudar as
personagens e alterar a escala da relação. Outra é introduzir questões
relativas à distinção entre ação e agência com vistas nos conteúdos e
dispositivos que determinam pessoas, coisas e movimentos. Nada disso se faz
diretamente pela genealogia da moral,
mas não deixa de ser possível fazê-lo no cotejo com outras fontes. Bataille,
por exemplo que ao seguir no anti-dogmatismo, que é na verdade anti-papismo
radical, recusa a noção de autoridade e do conceito de projeto para reduzir toda autoridade
possível ao pré-discursivo, ao não proferido ou melhor, ao silêncio loquaz.
Recusa até mesmo a noção de mística
para não oferecer oportunidade para a reintrodução de uma ordem eclesiástica
qualquer no universo da potência, reproduzindo assim a redução ao extinguível.
A experiência interior, reduto da
única autoridade que autoriza, plano da imanência, fluxo que corta e cola, a
certeza que se desfaz quando algo é dito. Mas quando a assertiva parece formar
corpo e conduzir para uma direção gloriosa, a que redime a humanidade fazendo
com que venha de encontro com ela mesma, aparece a Guerra – questão que jamais
incomodaria a nobreza serralheira de Friedrich Nietzsche porque até então o que havia era a guerra, no minúsculo. Nela encontramos o
horror maior, mais definitivo e marcante que o horror da experiência interior,
outra forma de arrebatamento.
“L’horreur de la guerre est plus
grande que celle de l’expérience intérieure. La désolation d’un champ de
bataille, en principe, a quelque chose de plus lourd que la « nuit
obscure ». Mais dans la bataille on aborde l’horreur avec un mouvement qui
la surmonte : l’action, le projet lié à l’action permettent de dépaser l’horreur. Ce dépassement donne
à l’action, au projet, une grandeur captivante, mais l’horreur en elle-même est
niée. » (2012 :58)
[1] “O primeiro impulso para divulgar algumas das
minhas hipóteses sobre a procedência da moral me foi dado por um livrinho
claro, limpo e sagaz – e maroto – no qual uma espécie contrária e perversa de
hipótese genealógica, sua espécie
propriamente inglesa, pela primeira vez me apareceu nitidamente, e que
por isso me atraiu – com aquela força de atração que possui tudo o que é oposto
e antípoda. O título do livrinho era A
origem das impressões morais; seu autor, o Dr. Paul Rée; o ano de seu
aparecimento, 1877. Talvez eu jamais tenha lido algo a que dissesse “não” de
tal modo, sentença por sentença, conclusão por conclusão, como a esse livro,
não para refutá-las – que tenho eu a ver com refutações! – mas sim, como convém
num espírito positivo, para substituir o improvável pelo mais provável, e
ocasionalmente um erro por outro.”(2001:10)
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Who am I, Jackie Chan? III - o cômico em comum e o liberal engraçadinho
-->
3-
“However, to those who have been taught to regard essentialism as the
gravest of intellectual sins it is necessary to explain that certain things are
essential to that project – as
indeed there are to “India” as a nation-state. To say this is not equivalent to
say that the project (or “India”) can
never be changed; it is to say that each historical phenomenon is determined by
the way it is constituted, that some of its constitutive elements are essential
to its historical identity and some are not. It is like saying that the
constitutive rules of a game can never be subverted or changed; it is merely to
point what determines its essential historical identity, to imply that certain
changes (though not others) will mean that the game is no longer the same game.”(Asad, 1993:18).
West and the rest. É esta a clivagem
para a qual Asad mais se dedica na contenda com Geertz. É o ponto e que
concentra sua agressão exatamente por ser esta a fronteira criada pelo
exercício da modernidade vindo a exprimir termos particulares desta relação, em
particular como se constituem os modernos o resto do mundo como o exercício de
seu negativo; os limites da extensão da contemporaneidade e o atraso evolutivo
atualizado nas formas mais variadas; o privilégio do tempo futuro da gramática
expressiva da noção de progresso. Ainda que completamente envolvida com a cisão
os temas da pesquisa antropológica moderna a obriga a se aproximar
demasiadamente da relação e seus protagonistas, esta gente que não produz e que
não tem nada a acrescentar ao projeto da modernidade. Carrega consigo o fardo
da inutilidade política, filosófica, teórica porque, enfim, toma a estranha
decisão algo epistemológica de andar com as pessoas erradas e, de alguma forma,
participar do seu jogo.
Seria este o
exercício proposto por Geertz, o de estudar
na aldeia?
Lembrando
uma querela que persiste para além dos anos 1980, os temos de Writing Culture e a predicação da
cultura via George Marcus e James Clifford vale retomar um lembrete. Antes de
mais nada, o antropólogo é um autor. A antropologia, por determinação da
condição humana ou mesmo por inspiração na Ciência
Nova, é um artifício e a cultura um complexo ficcional. Produzir as thick descriptions defendidas por Clifford Geertz é, desde o
começo a definição de uma agenda de pesquisa que Asad problematiza. A
antropologia como um código semiótico que, à forma dos demais, constituem a
base da orientação humana como uma coisa feita. É ficção. A teoria da ação
parte de um sujeito emancipado que, em Geertz não vai além de uma pragmática
engaiolada ou, segundo a sua remissão à obra de Max Weber, suspensa numa teia
de significados que é, por fim, a cultura. Ora, se a agência implica na
extensão do ato e sua posse, o que pode um sujeito que só faz ficção?
Seguramente, não muito mais do que antropologia, o que é algo como uma redução
ao cômico:
“Anthropologists
have not always been aware as they might be of this fact: that although culture
exists in the trading post, the will fort, or the sheep run, anthropology
exists in the book, the article, the lecture, the museum display, or, sometimes
nowadays, in the film. To become aware of it is to realize that the line
between mode of representation and substantive content is an undrawable in
cultural analysis as it is in painting; and the fact in turn seems to threaten
the objective status of anthropological knowledge by suggesting that its source
is not social reality but scholarly artifice.” (Geertz, 1973:16)
A redução ao
cômico é um aspecto menos idiota do que parece, ou é perfeitamente idiota num
certo sentido, digo, no sentido certo. Abre alas para a agência de um fator
decisivo do esforço etnográfico de um certo culturalismo que recusa a narcose
estética oferecida pelo ópio dos grandes modelos teóricos do tipo “the world according to me”. Franz Boas,
em 1887 publica um elogio à geografia em favor de sua atividade eminentemente
descritiva. Recuperar aqui este elogio por via de um desvio
analítico-pragmático à Gilbert Ryle faz com que, de certa forma Geertz se
alinhe com uma determinada questão ética imposta ao etnógrafo. Refunda a
relação com ela operando no regime em que a mesma determinação das cores que da
ótica passa pelos olhos de quem vê constitui o espaço de definição em que a
antropologia e a condução da reflexão é feita junto aos amigos inúteis em um
ambiente artificial, dado que ficcional. O caso é que cultura meramente
ficcional provoca um pequeno distúrbio acerca da noção de alteridade,
especialmente quando os amigos inúteis afirmam na primeira pessoa do plural que
“não somos agentes da história, nem mesmo da nossa e o que fazemos não é ficção”
recusando, por exemplo, a simetria por vezes perversa, por vezes redentora
entre antropologia e conhecimento local.
domingo, 23 de junho de 2013
MOVIMENTO DO MOVIMENTO: sobre algo que não sei e que, por isso invento a respeito.
![]() |
Auto-retrato |
De calças curtas. Talvez não haja outra forma de descrever a
cena. Pego em pleno movimento numa fotografia comprometedora. Estava fazendo
outra coisa em minha tranquilidade classe média regado a suco de pêra e, literalmente,
estava no meu canto. Um apartamento de 22 metros quadrados no bairro de
Montparnasse, em Paris, 53 Rue du Moulin Vert. O apartamento consumia mais da
metade daquilo que eu tinha para gastar. O resto se transformou em comida,
algumas viagens, 60 kg de livros e uma pequena poupança construída às custas de
um número significativo de privações. Mateus, meu filho, está em vias de nascer
e minha tese de doutorado, esta filha bastarda, está em plena gestação. Estava
olhando para o outro canto. Foi então que veio o clique fotográfico. Travei os
pés enquanto torcia o tronco. Saí na foto na forma de Jânio Quadros. Não estava
só. Era uma foto coletiva em que estávamos todos em uma posição devidamente
patética. Sem esforço algum seremos reconhecidos como os patetas da vida
política. Não vimos o golpe chegar, levamos o murro e passaremos a vida inteira
dando justificativas estapafúrdias a respeito de como apanhamos de um bêbado
inútil, daquele vagabundo na forma de rolo-compressor.
Assim, uma
vez que sou junto aos meus mais queridos uma trupe decepcionante não pretendo
fazer nenhum esforço a mais do que vinha fazendo. Não quero, não devo e não
pretendo fingir ser algo diferente. Dito de outra forma, devo seguir o rumo
atropeçado no qual vinha com o intuito de seguir fazendo exatamente o mesmo.
Nos tempos do teatro meu professor e diretor José Tonnezzi chamava nossa
atenção para assumirmos o erro. Siga a cena e não tente encobri-lo. A empáfia
de presumir que a plateia não viu o seu equívoco é a pior forma de ser ator.
Comecei errado. Resta seguir na cena a partir disto e trair minhas expectativas
sobre quem eu deveria ser. É no ridículo que se encontra a unidade
antropológica, melhor não escamotear.
Quando
estava tomando o golpe, vendo o assalto das ruas ainda em Paris, redigia um dos
vários fichamentos que aos poucos alimentavam relatórios, blogs e notas que
poderiam ser incorporados à tese que ora redijo. Uma vez que eu estava olhando
para o lado errado, resta seguir o movimento e assumir o erro. Eu não estava
atento. Retomo o fichamento de onde havia parado. Lia Mille Plateaux. Tentava compreender melhor, ou ao menos intuir o
que Deleuze e Guattari apelidam de Corpo sem Órgãos (CsO). No esforço de
demonstrar o conceito de visageité/rostidade, a noção de CsO era
obrigatória, não importando o quão irritante ela parece ser. Ao menos a mim ela
irrita.
* * *
Começar do
fim. Dizer que já acabou, que não há nada a fazer e, por isto dizer que tudo
está por fazer e não importando o que for feito, havemos de ser indiferentes à
trama. Dito de outra forma, eliminar a causa ou suspendê-la sem com isso
interromper as relações de anterioridade. A causa está isolada de um certo tipo
de desdobramento não vindo a ser promotora de mais nada aparecendo na forma da
silhueta que se forma no apagar das luzes, o breve movimento antes do breu. O
fim, desde o começo é só aquilo que se apresenta, é o mero evento com relação
ao qual os demais eventos devem se ocupar, ocupando o espaço ao redor numa
relação mais de cuidado e sustentação que de causalidade. Há quem chame isso de
sincronicidade. Há quem chame isto de uma moda francesa inútil. Aceito ambas as
versões dado que nenhuma delas fere o meu orgulho. Dele não me sobrou grande coisa e do que resta, deixo para usar com meu filho.
A
coincidência artificial e forçada do fim com o começo tem como finalidade
sugerir a potência da conversão, provisória, do telos em meio, em milieu
ou mesmo moyen d’analyse. Isto serve
mesmo para o conceito, seja ele qual for, a ser apreciado em favor de seu
movimento interno, e interno recompondo a forma redundante do movimento do
movimento próprios ao poema de e.e. cummings que reza HE DANSED HIS DID, uma
variação da forma de dançar a questão, que é como a atividade oracular zande é
definida por Edward Evans-Pritchard. Reconheço que nada disso diz muita coisa e
que mesmo parece travar a clareza que o pensamento exige para que possa
demonstrar um raciocínio. A expressão “movimento do movimento” não é exatamente
o meu melhor momento. Mas se a uso, faço como alguém que expõe suas vergonhas.
E mesmo para um exercício ruim é preciso encontrar um meio para fazê-lo
revolvendo os grãos com arado preparando o terreno, ou mesmo constituindo
território – e que só será assim, território, se o movimento do movimento vier
a se tornar movimento de algo reinstituindo a causa como elemento da trama; do
trigo à massa, de Cícero à Elias Cannetti, o milieu plateau.
“Bateson
appelle plateaux des régions
d’identité continue qui sont constitués de telle manière qu’elles ne se
laissent pas interrompre par une terminaison extérieure, par plus qu’elles ne
se laissent aller vers un point culminant : ainsi certains processus
sexuels, ou agressifs, dans la culture balinaise. Un plateau est un morceau
d’immanence. Chaque CsO est fait de plateaux. Chaque CsO est lui-même un
plateau, qui communique avec les autres plateaux sur le plan de consistance. C’est
une composante de passage. »(Deleuze & Guattari, 1980 :196; edição Minuit)
O CsO parece
ser, de outra forma o corpo posto numa diagonal qualquer que lhe atravesse
desrespeitando os circuitos organizados, ainda que pelas dobras que
desrespeitem as distâncias ordinárias e mesmo seus meios de circulação. Assim,
a ausência de órgãos implica um acidente da ordem, quero acreditar. Um acidente
na organização que é, de outra forma a violação da integridade da discrição dos
elementos e a composição de uma linha de fuga que desfaz a operação organizada
que acaba por se perder em meio ao movimento bastardo – o movimento do
movimento. E as fronteiras, os casos limite e membranas de definição são
igualmente desfiguradas ao ponto de assumirem um novo rosto, ou mesmo um novo
segredo, a depender dos poderes de organização presentes nos órgãos
atravessados. E então percebe-se, ou melhor, percebo que o que resta a fazer é
pôr e tirar as coisas de lugar. E é assim que quero ler os teoremas de
desterritorialização que seguem do
capítulo sobre o CsO. Começar do meio, a partir daquilo que resta, uma forma de
começar pelo fim ou deixar falarem as ruínas.
* * *
![]() |
Tabuleiro de Go |
“Seria preciso tomar um exemplo limitado,
comparar a máquina de guerra ao aparelho do Estado segundo a teoria dos jogos.
Sejam o Xadrez e o Go, do ponto de vista das peças, das relações entre as peças
e o espaço concernido. O xadrez é um jogo de Estado, ou de corte; o imperador
da China o praticava. As peças do xadrez são codificadas, têm uma natureza
interior e propriedades intrínsecas, de onde decorrem seus movimentos, suas
posições, seus afrontamentos. Elas são qualificadas, o cavaleiro é sempre um
cavaleiro, o infante um infante, o fuzileiro um fuzileiro. Cada um é como um
sujeito do enunciado, dotado de um poder relativo; e esses poderes relativos
combinam-se num sujeito de enunciação, o próprio jogador de xadrez ou a forma
de interioridade do jogo. Os peões do go, ao contrário, são grãos, pastilhas,
simples unidades aritméticas, cuja única função é anônima, coletiva ou de
terceira pessoa: “Ele” avança, pode ser um homem, uma mulher, uma pulga ou um
elefante. Os peões do go são elementos de um agenciamento maquínico não
subjetivado, sem propriedades intrínsecas, porém apenas de situação. Por isso
são relações são muito diferentes nos dois casos. No seu meio de interioridade,
as peças de xadrez entretêm relações biunívocas entre si e com as do
adversário: suas funções são estruturais. Um peão de go, ao contrário, tem apenas
o meio de exterioridade, ou relações extrínsecas com nebulosas, constelações,
segundo as quais desempenha funções de inserção ou de situação como margear,
cercar, arrebentar. Sozinho, um peão de go pode aniquilar sincronicamente toda
uma constelação, enquanto uma peça de xadrez não pode (ou só pode fazê-lo
diacronicamente). O xadrez é efetivamente uma guerra, porém uma guerra
institucionalizada, regrada, codificada, com um fronte, uma retaguarda,
batalhas. O próprio do go, ao contrário, é uma guerra sem linha de combate, sem
afrontamento e retaguarda, no limite sem batalha: pura estratégia, enquanto o
xadrez é uma semiologia. Enfim, não é em absoluto o mesmo espaço: no caso do
xadrez, trata-se de distribuir-se em um espaço fechado, portanto, de ir de um
ponto a outro, ocupar o máximo de casa com um mínimo de peças. No go, trata-se
de distribuir-se num espaço aberto, ocupar o espaço, preservar a possibilidade
de surgir em qualquer ponto: o movimento já não vai de um ponto a outro, mas
torna-se perpétuo, sem alvo nem destino, sem partida nem chegada. Espaço “liso”
do go contra espaço “estriado” do xadrez. Nomos
do go contra o Estado do xadrez, nomos
contra polis. É que o xadrez
codifica e descodifica o espaço, enquanto o go procede de modo inteiramente diferente,
territorializa-o e desterritorializa (fazer do fora um território no espaço,
consolidar esse território mediante a construção de um segundo território
adjacente, desterritorializar o inimigo através da ruptura interna de seu
território, desterritorializar-se a si mesmo renunciando, indo a outra
parte...). Uma outra justiça, um outro movimento, ou outro espaço-tempo.”
(Deleuze & Guattari, 1997:14 do vol. 05 da edição brasileira, editora 34; trad. Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa)
* * *
Conversar
com os líderes do movimento, disse Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro.
Receber a manifestação na Av. Presidente Vargas com a cavalaria como
procedimento padrão, disse José Maria Beltrame, secretário responsável pela
pasta da Segurança Pública no estado do Rio de Janeiro durante o governo de
Sérgio Cabral. Parecia uma micareta, com um bando de gente que não sabia o que
estava fazendo na rua, me disseram alguns dos mais próximos e queridos, como
minha irmã que esteve no ato de Campinas dois dias atrás. Gente de todos os
tipos saindo por todos os lados interrompendo o trânsito. E é daí que convém
começar. Do meio. De locomoção. Foi o que fez o Movimento Passe Livre. Talvez
eu tenha sorte semelhante.
A cobertura
das cenas de confronto em Niterói-RJ na última quarta-feira é significativa.
Ainda que houvesse um verdadeiro massacre movido a bombas de gás lacrimogênio,
cavalos, viaturas e balas de borracha, a cobertura jornalística da Rede Globo
de Televisão se ocupava fundamentalmente com o trânsito. Um movimento de parar
o trânsito, as ancas da desinibida do Grajaú que, todavia se move. A cada forma
de ocupação do espaço, como a que tomou a rodovia Castelo Branco desde
Carapicuíba e que impediu a circulação de automóveis até o aeroporto de
Cumbica, a repetição de um diagnóstico. Interrupção do trânsito, engarrafamentos,
paralisação. O movimento era responsável pela paralisação. Cabe deixar então o
movimento falar. No caso, o Movimento Passe Livre, que ao responder a um
coronel da Polícia Militar sobre a justiça de ocupar uma via pública importante
como a Av. Paulista, ouviu como resposta o óbvio. Se em uma cidade como São
Paulo a interrupção de uma só via é suficiente para travar o trânsito, algo
está errado. Muito errado. O coronel jamais respondeu a esta questão. E não
respondeu a nenhuma outra, como tampouco qualquer jornalista que se recusa a
ver o imediatamente óbvio das imagens em que milhares de pessoas ocupam as
ruas, avenidas e rodovias interditando a passagem dos carros. Não há
paralisação. Há movimento, ainda que não o previsto pelo sistema logístico. As
pessoas em manifestação caminham pelas vias provando que não há interrupção do
tráfego, mas a ocupação de uma outra lógica de deslocamento. Cortando na
diagonal a organização, emergem de todos os lados como uma forma de redução
efêmera ao óbvio que o comentário já não pode mais dar conta. Procura a
hierarquia no movimento do movimento, ordem naquilo que atravessa a rua em
grande parte inconsequente. Procura unidade a partir das palavras de ordem,
lideranças e pesquisas de opinião que só fazem proliferar a confusão em que
se cai ao ouvir a massa uma pessoa por vez. Contudo, as imagens não mentem. É o
mero exercício quantitativo da cidadania banal caminhando e fazendo barulho.
Sugestivamente é chocante que tenha ocorrido. Em razão do choque, Tropa de
Choque.
* * *
O movimento
não começou sexy e envolvente. Ele começou fascista. Ao menos foi definido
assim por dois dos comentaristas mais apressados que dispomos em nosso
território. Marco Antonio Villa, com quem tive aulas extensas sobre novelas
mexicanas quando a ementa descrevia um curso sobre história europeia moderna e
contemporânea, e Arnaldo Jabor cravaram os motivos da organização. Baderna,
destruição e danos ao bem-público que, de fato, é muito-pouco-público.
Seguramente fruto de uma articulação perversa que nas palavras ressentidas do
próprio Jabor se transformaram numa semente de um novo futuro. O movimento
tinha uma unidade definida pelo movimento que, logo mais, não tinha mais pois
era um agrupamento muito maior. E a totalidade do movimento escapou da coordenação
porque movia-se na diagonal do sistema logístico. Todos os que avançaram contra
o movimento fizeram por bem recuar. Todos, menos a Polícia Militar, quem por
fim conferiu ao movimento sua unidade definitiva e, por outro lado indica que o
movimento não é coisa de agora, o que implica em acusar amigos, colegas e
outros escribas de terem cometido um erro de edição.
Conversava
com minha mãe a respeito dos último acontecimentos, da tomada das ruas, dos
quebra-quebras. Minha mãe disse temer que houvesse uma escalada da violência,
que tinha medo que o Brasil perdesse o rumo e que muita gente viesse a se
machucar ou coisa pior. Minha mãe me disse,
desde lá da Cidade do México, que teme que a coisa descambe pela violência
desmesurada. Daí eu perguntei para ela quando é que a coisa foi diferente,
quando é que fomos governados de outra forma, quando é que fomos coisa
diferente. O silêncio do outro lado da linha foi didático para nós dois. De
outra forma, não é agora que as pessoas circulam com
muita dificuldade. É sempre. A paralisação da Ponte Rio Niterói só deixa isto
mais evidente. A história que estamos a contar não cabe no enquadramento dado,
o roteiro não é suficiente para dar conta de suas próprias personagens. Quando
o movimento é lido como o Movimento – no caso, MPL -, toma-se a parte pelo todo
produzindo uma sinédoque que não encontra eixo, que não participa da trama e
que não acaba em samba que, aliás, entende muito mais de ocupar as ruas do que
qualquer dos palpiteiros emergentes na crise, eu incluído. O caso é que foi ao
fazê-lo que a Polícia Militar nos obrigou à unidade. Em uma só semana
exercitamos a nossa condição de cidadania em sua plenitude sem que a referida
instituição saísse de sua atuação normal. Havia cavalaria para a defender a
prefeitura do Rio de Janeiro da mesma forma que há em qualquer estádio de
futebol em dia de clássico. Em tempos de exceção não fizemos outra coisa senão
exercitar nossa cidadania de forma ordinária, o que inclui o fato de termos a reles circulação de pedestres cerceada e violentada da forma mais flagrante e, importante, normal. Esta talvez seja uma forma de começar o assunto desde o meio.
terça-feira, 28 de maio de 2013
Ruínas feito água.
... e então o caso ebuliu
porque esquentar é coisa de fogo brando.
Posto o dossiê no fogo,
reduzido à cinzas, ou meramente evaporado
tal a lei da termodinâmica
que não sei enunciar e que,
no entanto,
a abelha voa.
Jazer fugaz no vidro embaçado
e alguém escreve algo que
mal redigido, logo some
pela força da lei até
restar em desagregação úmida
e
então,
chove.
segunda-feira, 25 de março de 2013
Dou fé que logo sei.
E
então veio com a frase
“não
creio, mas temo”;
a
forma do, posta a crase,
à
forma do mais ameno
orgulho.
O silêncio à base
do
recuo mais obsceno
foi
dito pelo não-dito, azedo
o
gesto, o último aceno.
Digo,
Chegar
atrasado, sentar-se à janela, a janela,
em pleno
adeus com sabor de volto já.
e não
volta.
Postado por
Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um)
às
10:06
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quinta-feira, 7 de março de 2013
Então, depois.
Dormir e acordar com o sol
Para então, já calejado pelo trabalho,
Torto, arranhado pelo calor,
Arquejado pela lida longa,
Convertendo trabalho em dia,
Canção em apelo, dor em
Ornamento, esforço em carinho,
Diário e penitente, o sol, ele mesmo,
Freqüente e implacável logo mais
desce longe, até seguir para outra jornada
Na qual desaparece e dá lugar à lua
Sem jamais deixar de transmitir
A luz, que é sua, e que a lua só é
Toda nua quando alguém intervém.
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