terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Prelúdio para o tempo na Hiléia

Não escreverei um libelo sequer,
se quiser, não queira
que libelo é gritaria que beira o descabelo,
o mero barulho sem gorjeio, uma reunião de foliões
em tempo extendido do mesmo carnaval.
Mas, ainda assim,
no cair dos dentes,
ainda chega quarta-feira de cinzas e
alguém tem que ceder,
alguém tem que descer. Então, que suba.

Se escrever, se for pra dizer,
que seja em silêncio.




(em respeito aos convivas de Altamira, que sabem do que estou falando)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

E eu, que parto para a Hiléia hoje...

Hoje acordei em meu próprio medo. Acordei em seu meio e estou, como não poderia deixar de ser, um pouco afogado. Parto hoje para Belém com vistas em seguir viagem para Altamira. Somente amanhã, já acordado e devidamente hospedado na Cidade Velha que começo a bolar a próxima etapa da viagem. Confesso que tenho vontade de fazer a viagem de ida de barco, mas ainda desconheço como são feitos os serviços deste tipo de transporte, e não tenho idéia de como funcionaria a escala em Vitória do Xingu, anteposto para seguir viagem até Altamira. A outra alternativa, segundo consta, será tomar um ônibus ainda em Belém, seguindo por 900 km de viagem cujas estradas estão, em mais de 70 % em estado de terra crua. Agora chove. Amanhã, deve chover. Depois, o mesmo. E assim segue a vida por lá, em caldos e caldos de rio. Braços fortes, margens distantes, bancos móveis e curvas delicadamente planejadas para que a distância entre 200 metros sejam mediados por 3 quilômetros de caminho sinuoso. Não faz parte dos meus planos vencer um rio que seja, o que me faz esperar que um deles possa cooperar comigo.

Há dias que durmo mal e passo os dias buscando antecipar o que poderá ser esta viagem. Confesso que não tenho as melhores lembranças de Belém, e tampouco carrego com muito carinho os relatos de tantos amigos que como eu, envolveram-se em outras tantas histórias do Pará. Foram dias de seguir perguntando o que diabos farei em uma terra que o diabo mesmo talvez não faça lá muito sentido, especialmente nas ocasiões de maior tentação.

Viajo para tão longe, pagando do próprio bolso que andava furado até a bem pouco tempo. Vou visitar um amigo que trabalha em uma panela de pressão e que, ainda assim foi duramente assediado por colegas dos tempos universitários que cederam à idéia de que um governo qualquer que fala em nome do povo está acima do bem e do mal. A covardia dos poucos amigos que pavoneiam em ares condicionados dos dutos de Brasília nunca tomou o cuidado de testemunhar e formular, com a devida cautela, um mínimo de reflexão quanto às conseqüências de algo tão peculiar e perigoso quanto a Aceleração do Crescimento. Estamos em um ambiente em que, e isto é visível, o futuro desejado está logo aí, bastando executá-lo. Doce ambigüidade da palavra, poder executivo, poder executor.

Viajo para tão longe para escrever aos poucos, num ritmo tão lento quanto é o prazo que a compreensão demanda para algo assim: a mudança de tudo para tanta gente, como é de acontecer nos braços de rios-alvo de barragens construídas à base de concreto e monólito.