terça-feira, 31 de janeiro de 2012

E eu, que ainda nem cheguei na Hiléia...















“Até o outro lado do rio. E não tem essa frescura de mesma pessoa, mesmo rio, duas vezes. Tem que nadar até lá, na água fria". No que apontou para uma diagonal longa e contrária à correnteza. “Porque se não for assim, você vai parar na Ilha dos Açores, moleque”. Basicamente, chegar até o outro lado do condado sem percorrer longos trechos à pé; o nadador de John Cheever sem interrupção; sem Cheever, sem narrativa, só braçadas.

Sem querer fazer uma outra comparação, e sem conseguir evitar, os rios gregos devem ser fios d´água para que alguém como Heráclito possa ter se transformado em clichet. Agora que vejo o Guamá de perto, cheio de placas para turistas, exclamando por amor ao bom Jesus para que não nadem, essa história de um mesmo homem não poder entrar no mesmo rio duas vezes, aqui, tem outro sentido. Aqui, é porque não haverá uma segunda vez. Basta olhar o tamanho daquele redemunho.

Afinal, é impossível se recuperar da visão da chuva a 5 quilômetros, chovendo na outra margem. Este não é, ainda, o grande rio. Vê-se a outra margem.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Hjman

Há coisas das quais não é possível, mesmo com esforço tamanho, se desfazer. A vergonha, para mim, é o momento da repetição do equívoco, do qual quem se lembra, sempre, são meus intestinos e quaisquer que sejam os órgãos que controlam os frios na espinha. Da infância, nem tanto, a menos se tiver a arrogância cavalar de considerar primeira fase dos tropeços como encerrada. Nada seria mais tolo e, sugestivamente menos infantil.

Quando o portão da casa de meus pais ainda se pintava em verde, e havia uma barra diagonal para trancá-lo com alguma estabilidade contra o vento, vivi uma nesga com minha mãe. Daquelas que revoltam um garoto de sete anos. O assunto da querela se remetia, certamente a assunto dos mais graves ao redor do qual nunca mais circundei. Demasiado polêmico para o tempo, devo tê-lo jogado ao porão do trauma. Dali, do debate acalorado, segui para o meu quarto e arrumei uma trouxa na ponta da vara para simplesmente seguir meu caminho, para fora de casa. Desejava, antes de mais nada partir. Nunca consegui me impor ao íngreme portão verde, chapado e sem frestas, ainda que a barra diagonal estivesse lá. Nem um triângulo de apoio me permitiu sobrepujar aquele obstáculo boçal.

Sempre que minha mãe ou algum de meus irmãos mais velhos, fazem qualquer esforço para fazer pouco caso com alguma história de minha infância, esta é decerto das mais repetidas. De como ela reflete meu ímpeto, de como mostra como sou dado a coisas bobas, e de como arrumei minha bagagem na ponta de uma vara, tal qual o Pica-Pau, ou Woody Woodpecker, o fizera nos episódios em que errava pelo Mississipi. No meu caso, naquele momento, nunca me perdoei por não ter conseguido ultrapassar o portão. Tinha na cabeça que teria que voltar para casa mais cedo ou mais tarde, de que eu não daria conta, de que passaria fome – porque não consegui roubar chocolates, ou coisa que o valha. Não teria problema em fazer o que fosse necessário para dormir quentinho e confortável. Mesmo pedir desculpas fazia parte do repertório das ações futuras. Mas nada se comparou ao momento em que voltava sem jamais ter ido, impedido por um portão fechado. Hoje, gosto de lembrar, não somente ultrapasso o portão em dois ou três movimentos de pernas como eu tenho a chave do portão, e não há qualquer desculpa para não partir, ainda que eu tenha que voltar, ainda que eu queira voltar. Até porque, até onde consigo entender em tudo o que me aconteceu por aí, esta tem sido a minha melhor maneira de ficar.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Para falar em público

Sentado à margem do rio, perguntou-se sobre a possibilidade de o mesmo ser, como à moda dos geômetras, um poliedro. Porque, no traço, o octaedro deixa-se contar com as maquinações dos números em se encerrar por definição num oito que, apesar dos jogos ideogramáticos, em nada se assemelha com o infinito. Está lá, inteiro e auto-contido nas retas que lhe traçam o perfil. Não é um mapa, mas sua identidade.

Na beira, uma grama verde e curta, moldada pelo artifício de um qualquer que lhe dá a tosa. Não grande coisa, deixava-se correr pela imposição da inclinação do terreno até seu vir a ser: mar, represa, outro rio, quem sabe. Disposto no exercício da ignorância percebeu que não importando o grau de abstração e o esforço intelectivo, era preciso reconhecer: apesar das margens, um rio sempre sugere ter mais do que os parcos dois lados divulgados pela propaganda do governo; o governo seu e o dos outros. Não fosse assim, pontes e afogamentos, patos e peixes seriam, via de regra, proibidos.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Assim, assim; fazer, fazer.

Feito uma sanfona, feito para respirar, é também uma caixa de ressonância. Se a alma se movimenta, se é o caso de gritar, o movimento que a caixa movimenta pode, seguindo o apelo adequado, provocar os demais e mover os pulmões alheios. E daí, os movimentos seguem a torto e a direito, ressoando o mesmo movimento que, como seria possível deduzir, desemboca em movimentos outros. Há quem chame isso de fazer-fazer o que é uma redundância clara, útil e preciosa. Fazer alguém fazer desdobrando-se em outras coisas – e eu aqui, sonado, procurando alternativas entre discutir o ridículo e o trágico; não sei se aristofano ou se esquilo. Poderia fazer os dois, já diria o mendigo de Bashevis Singer, sem cometer contradição alguma.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Ano posto, ano deposto

Nada de novo. O ano, novo, é só um plano,
um engano que a fantasia rasga ao traçar somente mais uma ortogonal.
E se importunar alguém, se trouxer incômodo dizer que é só um plano,
e que planos nunca vêm só,
direi que é exatamente isso,
como queríamos demonstrar.