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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Notas do subsolo: o pensamento selvagem.


               Imagino que o clichet me serve muito bem, o mesmo que reforça uma certa identidade entre as pesquisas em antropologia com o tipo de pensamento e população residentes em espaços selvagens. Jogados em meio ao verde opressor de uma paisagem úmida e quente de uma floresta tropical, ou com as narinas soterradas de poeira jogadas pela última ventania da savana africana, antropólogos devem saber que a razão não é o bastante. Devem saber que há mais do que sonha a vã-filosofia, e que ainda que não se saiba, há vida selvagem, há povos selvagens, há a selva. No caso, e permito-me abusar da má imagem, a selva serve como pictograma do risco e do informe, assim como da plena potência que torna presentes toda sorte de impotência do pesquisador que não sabe caçar, que não sabe o que fazer e o que não fazer numa roça, e que sequer sabe aonde pode fazer seus despejos fisiológicos sem correr riscos mais severos, dentro ou fora da natureza selvagem. Este momento em que a nudez e a mudez não é indígena, mas da impotência da ação premeditada pode ser traduzida, ainda que em má tradução, para a perda de referenciais e, de outra forma, o excesso de sinais que a situação selvagem oferece.
            Quando nos afastamos do clichet, mas não muito, é possível perceber que o selvagem tem outras extensões, e que estas extensões pertencem à selva que não é, necessariamente, silvícola. É importante ressaltar que, todo este tempo, a natureza do selvagem será relativa a um momento, a saber, o momento em que se está perdido. Peter Gow, antropólogo britânico que fez campo entre os Piro (população do Peru amazônico) escreveu um artigo para uma coletânea sobre antropologia e paisagem. Escreveu o quanto pode ser inútil estar bem preparado para transitar floresta adentro. O quanto um sistema cartográfico que alia notas de um ponto de vista aero-espacial, que é o mapa, com um sistema de orientação de pontos de referência completamente dependentes de coordenadas disponíveis num sistema visual de tipo landscape se transforma em peso morto quando se chega a uma floresta amazônica cuja densidade verde não lhe deixa enxergar sequer 10 metros adiante e, pior, a confusão de tons, sombra e movimento não permite que se faça a distinção de figura e fundo violando dimensões imprescindíveis para a orientação planejada. Mapa, bússola, sistema de coordenadas, os piro com poucas roupas e o antropólogo nu.
            Mas o selvagem não é o selvagem. Isto é importante. De acordo com uma certa sensibilidade com relação à qual procuro me aproximar lentamente – confesso que estou um tanto quanto perdido -, o selvagem não é alguém. A segunda cena tira a selva da cena selvagem. Estarei mais próximo daquilo que preciso dizer sem atropelar a sensibilidade de mais ninguém, fazendo com que alguém além de mim se sinta perdido enquanto lê o que escrevo; ouve o que falo. Para o leitor menos afeito às aventuras selvagens da atividade etnográfica, o segundo exemplo nos leva imediatamente à Paris e ao parisiense. Em seu ensaio Die Groß Städte und das Leben des Geistes, Simmel faz uma reflexão afinada com a perda das relações de referência que permitiriam a orientação espacial exatamente pela relação fina entre ter e estar perdido, o que culmina num excesso de sinais como consequência. A cena hipotética, e que imagino ser uma articulação sociológica de algo próximo de seu “eu-lírico” é a aparição de alguém que nunca esteve em Paris se vendo diante do espetáculo de luz, som, cor e movimento da Avenue Champs Elysées, por exemplo. Não estou seguro se a cena é necessariamente esta, mas como minha memória me trai e não ressinto, prossigo.
            O caso é que o ambiente produz efeitos. No caso, o de desorientação. Ainda hoje a diferença é flagrante. Alguém nascido e criado numa vila como qualquer uma ao redor de St. Brieuc que tem como orientação espacial algo simples como “linha do horizonte” e mesmo “poucos corpos similares ao seu em movimento ao redor” se vê num impasse que é algo muito similar ao impasse do número assombroso de pessoas atropeladas por carros no anos 1920-30 simplesmente porque não tinham como calcular – calcular é força de expressão – a velocidade daquilo que se movia em sua direção. Paris não oferece muitos pontos de fuga que não sejam boulevards e, quando oferece, se está num ponto muito alto, ou muito baixo o que é forte indício que está perdido há algum tempo. Simmel, obviamente, vai além. O que ele enfatiza é que o mundo parisiense, cheio de lojas, vitrines, panneaus , música, gente, movimento, oferece uma variedade de sinais tamanha que o efeito ambiental obrigatório é a perda de orientação, o que faz ser obrigatório para aquele que lá (aqui) vive o desenvolvimento da conduta blasé, isto é, que consegue se pôr indiferente à maior parte dos sinais e conseguir se ater ao mínimo relevante para a circulação. Aquele que acaba de chegar à Champs Elysées está, via de regra, perdido. Não encontra as referências fundamentais que lhe fazem intuir ser quem é e, em troca recebe um excesso de sinais que só lhe farão, em um primeiro momento, um paranóico potencial ou mesmo, iniciante.
            Como não traçar uma analogia entre o que descreve Peter Gow e Georg Simmel? Digo, assim reduzidos ao que interessa às notas que redijo, a relação parece clara porque o selvagem parece irromper neste duplo movimento entre a perda de referenciais seguros e um excesso que se impõe imediatamente. Obviamente que não quero dizer que isto é universalmente o que deve ser entendido como selvagem, mas como aquilo que nestas notas quero definir como sentimento diante do selvagem que, de outra forma pode ser definido por uma palavra somente: vertigem. O selvagem aqui será o que causa vertigem. E só.
            Seguramente que com relação ao selvagem que causa vertigem, coisa que nas linhas de Casa Grande & Senzala significa bem outra coisa, há uma outra dimensão importante que serve tanto como antecedente do problema como uma analogia importante que vão se encontrar, a dimensão e a analogia, no mesmo lugar. Quero dizer que a vertigem aqui precisa ter alguma relação como o transporte – que no  francês transport significa um modo de transe extático sobre o qual há muito o que considerar. O que por ora posso fazer é meramente exercitar o pouco que sei e imagino para que uma coisa e outra venham a ter algo mais do que um sentido improvisado. O que busco, e tenho pretensões propriamente historiográficas, é articular o improviso com a harmonia – nem tanto à moda de um trompetista como Boris Vian, mas mais atento aos vôos agudos soltos pelo sistema solar de Charles Fourier.
            Porque eu posso dizer que de St. Andrews, Escócia até a Amazônia peruana, Peter Gow fora transportado. O mesmo vale para a cena de Simmel na qual o sujeito que sofre dos efeitos de Paris fora quase que teletransportado, dado o começo abrupto da cena em que o sujeito não chega até Paris, mas está lá desde então. Mas o transporte em matéria experimental é exatamente uma das variações com relação à vertigem. E aqui eu precisaria começar a escrever tudo de novo.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Promener pour la méthode: mimesis interspecífica, hermenêutica de ouvido, e o perfectível Conde de Buffon


[NOTAS DE PESQUISA DE ARQUIVO]

BLANCKAERT, Claude. La perfectibilité, sous conditions ? Éducation d’espèce, flexibilité d’organisation et echèlle d’aptitude morale en anthropologie (1750-1820) in BINOCHE,  Bertrand. 2004. L’homme pefectible. Seyssel. Champ Vallon. 2004


« Quels qu’en soient l’apport ou le témoignage fondé, l’affiliation de ces autoeurs d’époques et de pays divers pose de singuliers problèmes de traduction. Il n’est nullement prové que les présupposés de base de leurs doctrines fuessent compatibles. Le remarque a été faite par Ernst Behler à propos de la notion de « formation progressive » de l’humanité (Bildung), typique de l’idéalisme allemand. Elle vaudrait pareillement pour le mouvement de l’empirisme anglais et écossais de l’époque moderne même si la composante téléologique est ici beaucoup moins marquée. Bacon écrit « proficience », là où nous lisons « progrès ». Ferguson écrit « man is susceptible of improvement », la traduction française restitue « l’homme est perfectible ». Toute pétition de principe mise à part, les mots appartiennent à des univers linguistiques dont la sémantique mérite un éclairage préalable. Comme, par ailleurs, le concept de « perfectibilité » se transforme profondément ave sa diffusion dans la littérature générale et scientifique d’expression française, il convient d’en repérer les usages réel dans un contexte d’énoncés assez homogène. »(op.cit., 2004 :116)



            O caldo conceitual sobre o qual Claude Blanckaert faz menção define-se pela pauta daquilo que, à luz da história natural deve ser considerado como a exceção humana, isto é, como uma diferença que se funda na relação na diversidade animal e que é, por sua vez, determinada por uma mesma ordem natural e que, nesta mesma ordem produz cadeias, séries de relações, diferenças constitutivas e modulações de hierarquia. Vale notar que o esquema é bastante diferente do proposto para a questão da dignidade humana, tal como posto por Pico della Mirandola, por exemplo, que não apostava na fixidez da humanidade segundo seu aparelho corporal. Alquimista e humanista, Pico sugere em sua Oratio de homni dignitate uma relação transformativa do intelecto para com a constituição física do corpo variando do mineral-vegetativo até o angelical, estágio que tem como antecâmara a humanidade. Os pressupostos da perfectibilidade como horizonte não empregam esta mobilidade e instabilidade que não inclui no esquema evolutivo de longa duração, ou de tempo profundo, o tipo de descompasso entre indivíduo e espécie, isto é, sobre a escala da relação na qual se dá a diferença perféctil que não ruma em direção à perfeição como tal. A espécie ainda não é um problema que vem a ser na história natural. A sobredeterminação morfológica e as propriedades do corpo enquanto matéria estão, como esquema, subsumidos às propriedades do espírito. Assim, não há exceção humana, mas uma qualidade própria da conduta, um plano em que se é digno da humanidade que lhe fora conferida ao nascer – quando este for o caso.

A mancha semântica que o conceito de perfecibilidade produz faz com que Claude Blanckaert se pergunte se a perfectibilidade é uma faculdade, um resultado ou um processo. Obviamente que a questão, antes de ser respondida, mapeia a variedade de aplicações do conceito que se presta, decididamente, a todos os caminhos sugeridos culminando obviamente em resultados desiguais. Seguramente que a mesma mancha se espraia para outros pontos, vindo a cobrir a perfectibilidade de todos os animais que marca, em alguns aspectos, o sinal de oposição com relação ao paradigma da Queda e o dilema da perfeição. Vale notar que o elemento distintivo segue sendo, independente da vertente, a inteligência ou a capacidade intelectiva. É aonde Cornélius de Pauw sugere haver um sistema geral de perfectibilidade em que a inteligência é, não somente um traço distintivo de humanidade, um fator de distinção na cadeia dos seres animados. Jacob von Mauvillon, em 1784 faz um exercício comparativo similar à Lèttre sur les aveugles de Diderot ao procurar definir, ao contrapor capacidades perceptivas diferentes, o estágio humano efetivo e o real papel da intelecção no processo. Julien Offray de La Mettrie, em L’Homme Machine produzira alguma antecipação ao questionar sobre a observação relativa ao grau de sagacidade e perfectibilidade de um símio domesticado, quando comparado a um surdo com a finalidade de distinguir as faculdades naturais daquelas que se fazem por aquisição. Nisso:
            « La parité spirituelle du sourd et du singe pourrait surprendre. Mais tous deux sont des infirmes du signe de conventon et le langage reste, à n’en pas douter, « le principal moyen de perfectibilité de l’espèce humaineª ». Les frontiéres se brouillent. De l’animal à l’homme, concluait La Mettrie, « la transition n’est pas violente ». Sur un mode libertin, Restif de la Bretonne donnera à ce poncif une faveur nouvelle. Au jugement des voyageurs, le singe aime les femmes. Il veut ainsi relever, par le croisement, sa race déchue : « C’est donc un désir de perfectibilité, sans doute aveugle, et parfaitement instinctal, que la nature a mis dans le singe, qui fait le fait tendre à s’améliorer »º. //notaª : Nicolas Restiff de la Bretonne, « Ma physique », cité par Patrick Graille, « Portrait scientifique et littéraire de l’hybride au siècle des Lumières », in Faces of Monstruority in Eigheenth-Century Thought, Andrew Curran, robert P. Maccubbin, David F. Morrill dir., Eighteenth Century Life, vol. 21, nº 2, pp. 87-88, note 51// notaº N. Restif de la Bretonne, La decouverte australe par un homme-volant, oou le Dédale français, Leipzig, 1781, t. IV, p. 97. » (op.cit. 2004 :121).

            O fantasma dos híbridos assombra a exceção humana, este é o dilema para o qual Blanckaert aponta e que, com razão, traz uma série de desdobramentos importantes, especialmente se o que se tem em mente é questionar sobre a forma política de organização que altera as séries e as escalas de distinção entre seres que dão vazão a novas formas jurídicas nas quais pessoas, físicas e jurídico-morais,   são reconhecidas – sabendo que novas pessoas precisarão ser produzidas, como se vê no episódio do Comitê de Instrução Pública da Convenção do período da Revolução Francesa. A aproximação anatômica e uma certa pulsão descrita na chave da atração sexual faz com que vizinhanças próximas na cadeia dos seres sejam fortemente tentadoras para a argumentação que movimente pessas para dentro e fora da escala perféctil; símios e moçoilas. Restif de la Bretonne não duvida, por exemplo, que na forma mais banal de existência, os símios sejam capazes de perfectibilidades, raciocínio e ciência. Na comparação com os surdos não se pratica a exclusão dos mesmos da cadeia civilizatória, mas pratica-se a inclusão de uma série nova numa cadeia outrora exclusiva. A educação dos homens deve participar do movimento dos órgãos – o que é uma variação do que podemos depreender de Volney, que demanda no alto do materialismo que professa a necessidade de coincidir as leis de convenção com as leis naturais.  As raízes da organização humana enquanto espécie devem ser a base de sua perfectibilidade, solo aonde pousa toda a instrumentação da pedagogia enquanto tal. Sabe-se, por exemplo, qual sorte de resultados advém de um movimento que alia evolução, monogenismo e perfectibilidade, o que encontramos de uma forma geral na antropologia vitoriana. O amplexo da perfectibilidade é grande, ainda que possa matar por sufocamento. A eugenia de Cabanis (op.cit.,2004 :123) é somente o exemplo mais evidente.
            Existe algo mais na questão posta pela circulação do conceito ao redor da perfectibilidade e sua posição característica relativa à linguagem como ente de distinção definitiva. E não qualquer linguagem, mas aquela que permite com que alguém seja cartesiano in France, diz Geoffrey Sutton, to be cartesian is to be cleverque, de uma maneira geral se corresponde com a requisição republicana de que todo cidadão seja um legislador, o que aproxima a figura jurídica da afirmação derradeira de Blanckaert, de que perfecitibilidade e filosofia são uma coisa só.

            “Malgrés ces restrictions, l’anthropologie inove sur deuz points fondamentaux qui interrogent pareillement la place de l’homme dans la nature. Pour autant qu’elle soit Science de l’espèce et non de l’individu, ele confirme avec Buffon que la perfectibilité est bien une caractéristique différentielle de l’humanité, qu’elle instaure sans autre partage une césure décisive entre l’univers animal et le théâtre des operations humaines. C’est une institution du genre humain. Et Buffon fut sans dute le premier à étayer cette afirmation sur un corps de raisons nourri du comparatisme le plus exigeant. Le second point concerne l’érosion de l’ideal humaniste et l’attention nouvelle porte au facteur racial dont on attend, dans le mots de Condorcet, “et de nouveaux moyens pour le perfectionnement de l’espèce humaine, et des lumières sur la nature de sa perfectibilité”. Dans les deux cas, la perfectibilité apparaît sous conditions, sans autre garantie ontologique. Mais les deux thèmes se contredisent et méritent d’être distingués. L’un porte, en effet, au crédti de l’education ce que l’autre abandone au tribunal de la nature. » (op.cit. 2004 :125)

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            Mimesis interespecífica por gesltalt em Buffon ;

            «Certes, il évoqua parfois une séquence logique, une « échelle » pour juger des degrés des qualités intrinsèques de chaque animal, en prenant pour premier terme la partie matérielle de l’homme, et plaçant succesivement les animaux à différentes distances, selon qu’en effet ils en approchent ou s’en eloignent davantage ». Mais leurs rapports de conformation ne dessinent pas une échelle morale. Le singe le plus doué ne participe ni de près ni de loin à l’excellence humaine : eût-il en apparence les plus « beaux attributs humains », il n’en serait « pas moins une bête » dénuée d’entendement. Buffon lui préferait d’ailleurs le chien, le castor ou l’élephant, ce qui démentait tout rapport de conformation. De plus, comme la « perfectibilité »se traduisait principalement par la maîtrise des éléments physiques, Buffon estimait que par leurs facultés d’adaptation et l’étendue de leur pouvoir prédateur, es oiseaux « doivent être, après l’homme, placés au premier rang ». La «chaîne du grand ordre des êtres » s’avère opportuniste. Les oiseaux dominent les quadrupèdes et, selon l’enchaînement des prérogatives, « nous le verrons »confèsse Buffon, « plus près de nous que leur forme extérieure ne paroît l’indiquer. » (op.cit. 2004 :135). Todas as citações de Buffon são orundas de « Le perroquet » e de « Discours sur la nature des animaux ». Vale notar que paroît ressoa, à maneira do papagaio, em parrot em inglês.
            [NOTA : o desfecho do artigo de do artigo de Claude Blanckeart avalia o legado de Buffon segundo os ecos que a obra produziu, apontando para um paradoxo intrínseco do conceito de perfectibilidade. Ainda que esteja diretamente comprometido com o humanismo iluminista, isto é, que se permite depôr a favor de uma natureza humana comum que contitui um grau zero – e talvez aí tenhamos o problema com todos os graus zero, de humanidade e de escritura, para citar dois exemplos famosos - , a propriedade de uma finalidade sem fim que é própria ao conceito cria um ambiente complexo para produzir distinções no seio de sua própria definição, pois a perfectibilidade, assim como a ação revolucionária (vide Homo Aequalis, de Louis Dumont) depende de um impulso que tensiona o individual e o coletivo – o indivíduo e a espécie, no caso, – que justifica a ênfase republicana francesa do XIX no conceito de organização da sociedade que, sendo uma variação primitiva de planificação da economia, povoa toda sorte de análises da antropologia social moderna. Aqui, a pergunta que parece obrigatória, e é a mesma que um Kant se faz nas proposições de Uma idéia de história universal é saber se a perfectibilidade é encarnada num ou noutro pólo da relação, isto é, no individual ou no coletivo. A resposta kantiana é taxativa ao dizer que o progresso é uma estância atingida pela espécie, promovendo um ideal pedagógico da instituição do Iluminismo como uma realização do espírito humano que tem como contribuintes expressos os indivíduos de vulto e as invenções instituintes. Contudo, mesmo neste plano a diferença se impõe, no que diz respeito às instituições tomadas por um ponto de vista comparativo que, vale dizer, tem sua matriz teórica na anatomia e na cosmografia. Assim, quais as razões que diferenciam os bosquímanos de um parisiense  no seio da própria espécie ? O que é de fato diferente nesta diferença ? Mas o que mais chama a atenção para este comentário, para além do tratamento dado ao conjunto grotesco chamado resto da humanidade, para me valer da metáfora trite e rica de Volney para entender o ponto de vista moderno sobre a diversidade de antigos que se espalham por todos os cantos, é que a diferença não é relativa a quem é mais perfeito, mas sim qual raça, ou quais as condições para que alguém seja mais perfectível. Daí o século XX, suas crianças e a vantagem que um jogador de Playstation teria sobre o cérebro onipresente de Isaac Newton segundo uma certa piada vigente.]