quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Promener pour la méthode: mimesis interspecífica, hermenêutica de ouvido, e o perfectível Conde de Buffon


[NOTAS DE PESQUISA DE ARQUIVO]

BLANCKAERT, Claude. La perfectibilité, sous conditions ? Éducation d’espèce, flexibilité d’organisation et echèlle d’aptitude morale en anthropologie (1750-1820) in BINOCHE,  Bertrand. 2004. L’homme pefectible. Seyssel. Champ Vallon. 2004


« Quels qu’en soient l’apport ou le témoignage fondé, l’affiliation de ces autoeurs d’époques et de pays divers pose de singuliers problèmes de traduction. Il n’est nullement prové que les présupposés de base de leurs doctrines fuessent compatibles. Le remarque a été faite par Ernst Behler à propos de la notion de « formation progressive » de l’humanité (Bildung), typique de l’idéalisme allemand. Elle vaudrait pareillement pour le mouvement de l’empirisme anglais et écossais de l’époque moderne même si la composante téléologique est ici beaucoup moins marquée. Bacon écrit « proficience », là où nous lisons « progrès ». Ferguson écrit « man is susceptible of improvement », la traduction française restitue « l’homme est perfectible ». Toute pétition de principe mise à part, les mots appartiennent à des univers linguistiques dont la sémantique mérite un éclairage préalable. Comme, par ailleurs, le concept de « perfectibilité » se transforme profondément ave sa diffusion dans la littérature générale et scientifique d’expression française, il convient d’en repérer les usages réel dans un contexte d’énoncés assez homogène. »(op.cit., 2004 :116)



            O caldo conceitual sobre o qual Claude Blanckaert faz menção define-se pela pauta daquilo que, à luz da história natural deve ser considerado como a exceção humana, isto é, como uma diferença que se funda na relação na diversidade animal e que é, por sua vez, determinada por uma mesma ordem natural e que, nesta mesma ordem produz cadeias, séries de relações, diferenças constitutivas e modulações de hierarquia. Vale notar que o esquema é bastante diferente do proposto para a questão da dignidade humana, tal como posto por Pico della Mirandola, por exemplo, que não apostava na fixidez da humanidade segundo seu aparelho corporal. Alquimista e humanista, Pico sugere em sua Oratio de homni dignitate uma relação transformativa do intelecto para com a constituição física do corpo variando do mineral-vegetativo até o angelical, estágio que tem como antecâmara a humanidade. Os pressupostos da perfectibilidade como horizonte não empregam esta mobilidade e instabilidade que não inclui no esquema evolutivo de longa duração, ou de tempo profundo, o tipo de descompasso entre indivíduo e espécie, isto é, sobre a escala da relação na qual se dá a diferença perféctil que não ruma em direção à perfeição como tal. A espécie ainda não é um problema que vem a ser na história natural. A sobredeterminação morfológica e as propriedades do corpo enquanto matéria estão, como esquema, subsumidos às propriedades do espírito. Assim, não há exceção humana, mas uma qualidade própria da conduta, um plano em que se é digno da humanidade que lhe fora conferida ao nascer – quando este for o caso.

A mancha semântica que o conceito de perfecibilidade produz faz com que Claude Blanckaert se pergunte se a perfectibilidade é uma faculdade, um resultado ou um processo. Obviamente que a questão, antes de ser respondida, mapeia a variedade de aplicações do conceito que se presta, decididamente, a todos os caminhos sugeridos culminando obviamente em resultados desiguais. Seguramente que a mesma mancha se espraia para outros pontos, vindo a cobrir a perfectibilidade de todos os animais que marca, em alguns aspectos, o sinal de oposição com relação ao paradigma da Queda e o dilema da perfeição. Vale notar que o elemento distintivo segue sendo, independente da vertente, a inteligência ou a capacidade intelectiva. É aonde Cornélius de Pauw sugere haver um sistema geral de perfectibilidade em que a inteligência é, não somente um traço distintivo de humanidade, um fator de distinção na cadeia dos seres animados. Jacob von Mauvillon, em 1784 faz um exercício comparativo similar à Lèttre sur les aveugles de Diderot ao procurar definir, ao contrapor capacidades perceptivas diferentes, o estágio humano efetivo e o real papel da intelecção no processo. Julien Offray de La Mettrie, em L’Homme Machine produzira alguma antecipação ao questionar sobre a observação relativa ao grau de sagacidade e perfectibilidade de um símio domesticado, quando comparado a um surdo com a finalidade de distinguir as faculdades naturais daquelas que se fazem por aquisição. Nisso:
            « La parité spirituelle du sourd et du singe pourrait surprendre. Mais tous deux sont des infirmes du signe de conventon et le langage reste, à n’en pas douter, « le principal moyen de perfectibilité de l’espèce humaineª ». Les frontiéres se brouillent. De l’animal à l’homme, concluait La Mettrie, « la transition n’est pas violente ». Sur un mode libertin, Restif de la Bretonne donnera à ce poncif une faveur nouvelle. Au jugement des voyageurs, le singe aime les femmes. Il veut ainsi relever, par le croisement, sa race déchue : « C’est donc un désir de perfectibilité, sans doute aveugle, et parfaitement instinctal, que la nature a mis dans le singe, qui fait le fait tendre à s’améliorer »º. //notaª : Nicolas Restiff de la Bretonne, « Ma physique », cité par Patrick Graille, « Portrait scientifique et littéraire de l’hybride au siècle des Lumières », in Faces of Monstruority in Eigheenth-Century Thought, Andrew Curran, robert P. Maccubbin, David F. Morrill dir., Eighteenth Century Life, vol. 21, nº 2, pp. 87-88, note 51// notaº N. Restif de la Bretonne, La decouverte australe par un homme-volant, oou le Dédale français, Leipzig, 1781, t. IV, p. 97. » (op.cit. 2004 :121).

            O fantasma dos híbridos assombra a exceção humana, este é o dilema para o qual Blanckaert aponta e que, com razão, traz uma série de desdobramentos importantes, especialmente se o que se tem em mente é questionar sobre a forma política de organização que altera as séries e as escalas de distinção entre seres que dão vazão a novas formas jurídicas nas quais pessoas, físicas e jurídico-morais,   são reconhecidas – sabendo que novas pessoas precisarão ser produzidas, como se vê no episódio do Comitê de Instrução Pública da Convenção do período da Revolução Francesa. A aproximação anatômica e uma certa pulsão descrita na chave da atração sexual faz com que vizinhanças próximas na cadeia dos seres sejam fortemente tentadoras para a argumentação que movimente pessas para dentro e fora da escala perféctil; símios e moçoilas. Restif de la Bretonne não duvida, por exemplo, que na forma mais banal de existência, os símios sejam capazes de perfectibilidades, raciocínio e ciência. Na comparação com os surdos não se pratica a exclusão dos mesmos da cadeia civilizatória, mas pratica-se a inclusão de uma série nova numa cadeia outrora exclusiva. A educação dos homens deve participar do movimento dos órgãos – o que é uma variação do que podemos depreender de Volney, que demanda no alto do materialismo que professa a necessidade de coincidir as leis de convenção com as leis naturais.  As raízes da organização humana enquanto espécie devem ser a base de sua perfectibilidade, solo aonde pousa toda a instrumentação da pedagogia enquanto tal. Sabe-se, por exemplo, qual sorte de resultados advém de um movimento que alia evolução, monogenismo e perfectibilidade, o que encontramos de uma forma geral na antropologia vitoriana. O amplexo da perfectibilidade é grande, ainda que possa matar por sufocamento. A eugenia de Cabanis (op.cit.,2004 :123) é somente o exemplo mais evidente.
            Existe algo mais na questão posta pela circulação do conceito ao redor da perfectibilidade e sua posição característica relativa à linguagem como ente de distinção definitiva. E não qualquer linguagem, mas aquela que permite com que alguém seja cartesiano in France, diz Geoffrey Sutton, to be cartesian is to be cleverque, de uma maneira geral se corresponde com a requisição republicana de que todo cidadão seja um legislador, o que aproxima a figura jurídica da afirmação derradeira de Blanckaert, de que perfecitibilidade e filosofia são uma coisa só.

            “Malgrés ces restrictions, l’anthropologie inove sur deuz points fondamentaux qui interrogent pareillement la place de l’homme dans la nature. Pour autant qu’elle soit Science de l’espèce et non de l’individu, ele confirme avec Buffon que la perfectibilité est bien une caractéristique différentielle de l’humanité, qu’elle instaure sans autre partage une césure décisive entre l’univers animal et le théâtre des operations humaines. C’est une institution du genre humain. Et Buffon fut sans dute le premier à étayer cette afirmation sur un corps de raisons nourri du comparatisme le plus exigeant. Le second point concerne l’érosion de l’ideal humaniste et l’attention nouvelle porte au facteur racial dont on attend, dans le mots de Condorcet, “et de nouveaux moyens pour le perfectionnement de l’espèce humaine, et des lumières sur la nature de sa perfectibilité”. Dans les deux cas, la perfectibilité apparaît sous conditions, sans autre garantie ontologique. Mais les deux thèmes se contredisent et méritent d’être distingués. L’un porte, en effet, au crédti de l’education ce que l’autre abandone au tribunal de la nature. » (op.cit. 2004 :125)

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            Mimesis interespecífica por gesltalt em Buffon ;

            «Certes, il évoqua parfois une séquence logique, une « échelle » pour juger des degrés des qualités intrinsèques de chaque animal, en prenant pour premier terme la partie matérielle de l’homme, et plaçant succesivement les animaux à différentes distances, selon qu’en effet ils en approchent ou s’en eloignent davantage ». Mais leurs rapports de conformation ne dessinent pas une échelle morale. Le singe le plus doué ne participe ni de près ni de loin à l’excellence humaine : eût-il en apparence les plus « beaux attributs humains », il n’en serait « pas moins une bête » dénuée d’entendement. Buffon lui préferait d’ailleurs le chien, le castor ou l’élephant, ce qui démentait tout rapport de conformation. De plus, comme la « perfectibilité »se traduisait principalement par la maîtrise des éléments physiques, Buffon estimait que par leurs facultés d’adaptation et l’étendue de leur pouvoir prédateur, es oiseaux « doivent être, après l’homme, placés au premier rang ». La «chaîne du grand ordre des êtres » s’avère opportuniste. Les oiseaux dominent les quadrupèdes et, selon l’enchaînement des prérogatives, « nous le verrons »confèsse Buffon, « plus près de nous que leur forme extérieure ne paroît l’indiquer. » (op.cit. 2004 :135). Todas as citações de Buffon são orundas de « Le perroquet » e de « Discours sur la nature des animaux ». Vale notar que paroît ressoa, à maneira do papagaio, em parrot em inglês.
            [NOTA : o desfecho do artigo de do artigo de Claude Blanckeart avalia o legado de Buffon segundo os ecos que a obra produziu, apontando para um paradoxo intrínseco do conceito de perfectibilidade. Ainda que esteja diretamente comprometido com o humanismo iluminista, isto é, que se permite depôr a favor de uma natureza humana comum que contitui um grau zero – e talvez aí tenhamos o problema com todos os graus zero, de humanidade e de escritura, para citar dois exemplos famosos - , a propriedade de uma finalidade sem fim que é própria ao conceito cria um ambiente complexo para produzir distinções no seio de sua própria definição, pois a perfectibilidade, assim como a ação revolucionária (vide Homo Aequalis, de Louis Dumont) depende de um impulso que tensiona o individual e o coletivo – o indivíduo e a espécie, no caso, – que justifica a ênfase republicana francesa do XIX no conceito de organização da sociedade que, sendo uma variação primitiva de planificação da economia, povoa toda sorte de análises da antropologia social moderna. Aqui, a pergunta que parece obrigatória, e é a mesma que um Kant se faz nas proposições de Uma idéia de história universal é saber se a perfectibilidade é encarnada num ou noutro pólo da relação, isto é, no individual ou no coletivo. A resposta kantiana é taxativa ao dizer que o progresso é uma estância atingida pela espécie, promovendo um ideal pedagógico da instituição do Iluminismo como uma realização do espírito humano que tem como contribuintes expressos os indivíduos de vulto e as invenções instituintes. Contudo, mesmo neste plano a diferença se impõe, no que diz respeito às instituições tomadas por um ponto de vista comparativo que, vale dizer, tem sua matriz teórica na anatomia e na cosmografia. Assim, quais as razões que diferenciam os bosquímanos de um parisiense  no seio da própria espécie ? O que é de fato diferente nesta diferença ? Mas o que mais chama a atenção para este comentário, para além do tratamento dado ao conjunto grotesco chamado resto da humanidade, para me valer da metáfora trite e rica de Volney para entender o ponto de vista moderno sobre a diversidade de antigos que se espalham por todos os cantos, é que a diferença não é relativa a quem é mais perfeito, mas sim qual raça, ou quais as condições para que alguém seja mais perfectível. Daí o século XX, suas crianças e a vantagem que um jogador de Playstation teria sobre o cérebro onipresente de Isaac Newton segundo uma certa piada vigente.]

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