sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Notas do subterrâneo: Paris em todos os lugares, em todas as legendas

[Nota: tento chafurdar nos bastidores da secularização, ainda que minha apneia seja a de... bom, a de um antropólogo de gabinete. digo, leio alguns dos proponentes disso que se transformou numa conversa de bêbados em que, no final das contas, ninguém mais sabe qual é o assunto. preferi recuar para ver no que é que dava e deu em algo. descobri a obra de Ernst Troeltsch que vida de regra é muitíssimo mal comentada e não tem apreciação crítica no país-Brasil ainda que tenha sido ela que viesse a colocar em primeiro plano a relação entre secularização, Landeskirche e Estado moderno que, no final das contas é a correlação determinante para a discussão interminável sobre a existência ou não da secularização como categoria analítica. Obviamente que, ao anotar a leitura, deixei-me escapar a mim mesmo, o que não deveria e sigo em minha campanha de reconhecimento de Paris como o maior Museu a céu aberto do mundo - e se entenda que não se trata de acusação, mas de um esforço compreensivo.]

TROELTSCH, Ernst. The social teaching of the Christian Churches (2 vol.). Library of Theological Ethics. 1931 

Aqui o argumento de Troeltsch resvala em algo que eu não posso comentar em nenhuma profundidade dado o tamanho do meu desconhecimento. Contudo, ao começar a comentar o papel da ética protestante segundo a intervenção decisiva de Luthero, Troeltsch recupera o argumento metodológico que determina a autonomia da ética e da religião como elemento da compreensão sociológica. Ainda que a teologia protestante se desdobre em não poucos efeitos na organização social do trabalho (economia política), o que Troeltsch ressalta é que o que move Luthero do princípio ao fim são questões eminentemente religiosas e que este aspecto serve de princípio analítico. É bem verdade que a biografia de Lucien Febvre parte do mesmo pressuposto, apresentando um Luthero cheio de considerações quase que exclusivas com relação à Igreja, isto é, motivado exclusivamente pela religião, e mesmo a história-vulgata de Pierre Chaunu não mostra outra coisa. Feliz ou infelizmente, o trabalho de pesquisa não se dá pelo voto da maioria, ainda que não tenha recursos para me contrapor ao ponto de vista. Resta marcar a diferença de tratamento com relação à teologia do medievo, especialmente com relação ao tomismo como doutrina, o que mereceria uma atenção maior, tanto da minha parte como da parte de Troeltsch. Este aparte não é meramente detalhista, uma vez que aponta para um problema relativo à autonomia do religioso e do ético que vacila em maior ou em menor medida e que, no cômputo relativo aos momentos decisivos, a maior autonomia coincide com a história do cristianismo exemplar segundo a narrativa sociológica de Troeltsch. Com isso vale afirmar que, ainda que isso não seja absolutamente arbitrário e que não haja razões de sobra para eleger os períodos e as marcações determinantes em que a vida religiosa cristã apareça em sua maior autonomia – notadamente, nos Evangelhos e, então, na teologia Lutherana -, a periodização luterana é profundamente comprometida com um certo estado de espírito, o mesmo estado que compromete a relação de Émile Durkheim com uma certa noção republicana de religião civil que o faz coincidir morfologia social com sistema classificatório produzindo um modelo pedagógico de sociedade que a faz, no espelho da natureza, um espelho para e de si mesmo fazendo do Museu o templo maior da vida republicana. 

Troeltsch é teólogo luterano. Brilhante.

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