quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Notas do subterrâneo: o libelo de Romain Chapelain e o cidadão safo que não é de Lesbos


CHAPELAIN, Romain. (1848). Manuel du républicain – resumés des constitutions françaises depouis 1791. Paris. Impremierie de Mme. De Lacombe, 12, rue d’Enghien.
            O ano é de 1848. Um longo período marcara distância entre o Comitê pela Instrução Pública e suas primeiras determinações, a publicação de libelos institucionais e livros que deveriam ser lidos para a instrução do espírito público e, por via disso, instrumentalizar sua própria gestação. Sua própria gestão. De todos os manuels  que li até então, o de Chapelain é o que mais se aproxima daquilo que Jean Michelet definira como publicação com a finalidade de instruir o cidadão com relação à constituição e a realidade política de seu país de forma que deixasse de ser refém de seus governantes. Cabe avaliar se o Manuel em questão não foi produzido sob os auspícios do mesmo círculo do qual Michelet veio a fazer parte, o que é matéria de estudo. O caso é que o documento em questão cumpre a função variada de ser um informativo com relação às instituições políticas francesas, compondo um panorama histórico a partir da revolução de 1789 e que, por editar os movimentos constitucionais do país, e por ser econômico em seu tamanho, se faz um livro altamente portátil e passivo de ser lido em voz alta para os analfabetos sem prejuízo nem para o leitor e tampouco para seu ouvinte. Resta saber quais são as informações, qual é o mode d’emploi da cidadania republicana descrita e desejada por este documento. É assim que faço sua leitura. 
 O livro tem uma epígrafe.
Il est une mesure en toutes choses, il est enfim des limites aûres au-delà et en deçà desquelles le bien ne peut s’établir
Tradução de Chapelain para 
est modus in rebus, sunt certi denique fines, Quos ultra citraque nequit consistere rectum, de Horácio (Sátiricos?). 

Esta é a epígrafe do livro. Dificil saber o peso de uma marca tão pequena como essa, registrada na página seguinte ao forntsipício pomposo, dotado de folhas de louro como insígnia, ainda mais tendo a relação entre uma e outra, a frase em francês e em latim, composta sem nenhuma relação que não seja a contiguidade. Afora alguém minimamente letrado, a frase de Horácio em latim teria sua autoridade roubada pelo leitor que não soubesse fazer a relação, que não soubesse o papel de uma epígrafe. Contudo, para aquele que fosse iniciado nas artes mínimas do cidadão (ser alfabetizado segundo princípios que ainda investigo) a frase em francês traduz a idéia de que o Manuel contém os limites dentro dos quais o Bem pode ser estabelecido.
           
            “Un gouvernement vient d’être renversé; la République a été proclamee. Dans cet état de choses, il nous a semblé quíl pouvait être utile de présenter au public, sinon le tableau complet, du moins le resumé succint et clair des différents essais de constitutions qu’on a faits en France depuis eviron soixante ans. On verra, par le nombre même de ces essais, combien il est difficile de parfaire un constitution viable et durable, et combien, par consequente, il est essentiel de prendre au sériuex la nouvelle constitution que nous avons à faire.”(1848:01)

            Eis a primeira coisa que o leitor deve compreender. Que as constituições não são redigidas por acaso ou por mero capricho ao mesmo tempo em que sua substituição por uma nova deve evocar a necessidade de compreender a história do processo constitucional. Este é, segundo o presente Manuel, o terreno em que o bem pode encontrar refúgio. Em seguinda, Chapelain diz que a França é uma pais de excessos, aonde há sonhos e sentimentos em excesso e que há temas nos quais se reflete de menos, em que há pouco cálculo, e as considerações sobre o espírito público que atingem a forma de uma constituição não devem ser produzidas por via simplesmente da imaginação. Vê-se a forma política do cartesianismo como a forma vulgar e privilegiada de being clever (segundo a forma deliciosa sugerida por Geoffrey Sutton). O cidadão deve ter método porque o espírito republicano é, antes de mais nada, um espírito de precisão e comedido, sóbrio e sábio, e que se perde tanto quando quer fazer coisas demais quanto quando nada quer fazer.

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