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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Religião desde a politécnica: porca e parafuso, modo de usar - Segunda Parte

Porca e Parafuso e a pragmática posta em jogo.
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ELIADE,  Mircea. O sagrado e o profano : a essência das religiões. Martins Fontes. São Paulo.  1992.
GUMBRECHT,  Hans-Ulrich. A modernização dos sentidos. Editora 34. Rio de
Janeiro.
SIMONDON, Gilbert. Le mode d’existence des objets techniques. Paris. Aubier. 1969.




O que Simondon chama de organização implícita é, no mais, algo muito mais importante porque este é um traço do pensamento moderno com relação à atitude crítica, isto é, de observar a observação da mesma forma em que se organiza a organização num jogo hermenêutico de segundo grau tão bem reconstituído por Hans-Ulrich Gumbrecht (1998) sugerindo que por fim haver uma trava nos jogos de linguagem indicando haver um panorama político nas investigações de Ludwig von Wittgenstein. Assim o mundo mágico é aquele em que a mediação não está organizada nos termos de uma organização, o que implica em não estar organizada como tal. O pensamento mágico se organiza como que por efeito colateral e não por um inconsciente fisiocrata imanente. A distinção existente, a de figura e fundo é a que origina algo como “o objeto e o resto” – ou indistinto.
            Outro aspecto importante é que o mágico e o religioso coincidem porque o técnico enquanto meio demanda algum equilíbrio com relação ao religioso e vice-versa exatamente porque o religioso não é um pensamento sobre a técnica, não é informativo – e é exatamente aí que o modelo de Simondon transborda de cristianismo, isto é, afirma que a vida moral não é algo circunscrito ao mundo, assim como a reflexão a seu respeito. Estando os dois domínios apartados, fazendo da técnica o exercício “de la sortie de la religion”, recuperando a fórmula primorosa de Marcel Gauchet sobre o cristianismo, entram em cena as formas de oposição entre convergência técnico-simbólica e a divergência de mesmo tipo em que determinam forças e funções centrífugas; funções centrípetas. A convergência técnica é, por outro lado o evento da individuação por meio de objetos. E se a reflexão sobre a técnica se distingue em teoria e prática, segundo aquilo que ensina a politécnica, a religião se define por ética e dogma, o que reforça a matriz cristã do argumento de Simondon com relação à religião – a que é, talvez, a sua inimiga fiel.

            Il existerait ainsi nos seulement une genèse de la technicité, mais aussi une genèse à partir de la technicité, par dédoublement de la technicité originelle en figure et fond, le fond correspondent aux fonctions de totalité indépendentes de chaque application des gestes techniques, alors que la figure, faite de schèmes définis et particuliers, spécifie chaque technique comme manière d’agir. La réalité de fond des techniques constitue le savoir théorique, alors que les schèmes particuliers donnent la pratique. Ce sont au contraire es réalités figurales des religions qui se constituent en dogme cohérent, alors que la réalité de fond devient techniques et l’éthique issue des religions, comme entre le savoir théorique des sciences, issu des techniques, et le dogme religieux, il existe à la foi une analogie, venant de l’identité de l’aspect représentatif au actif, et une incompatibilité, provenant du fait que ces différents modes de pensée sont issus soit de réalité figurales, soit de réalités de fond. La pensée philosophique, intervenant entre les deux ordres représentatifs et les deux ordres actifs de la pensée, a pour sens de le faire converger et d’instituer entre aux une médiation. » (1969 :158)

            Não faltaria com a verdade aquele que dissesse que este esquema evolucionista cheira a Auguste Comte. Considerando que a ojeriza produzida pela dialética, ou pela teologia negativa impede que saibamos sequer como ler a obra do politécnico por excelência sem que antes o acusemos de responsável de todos os males. Ao mesmo tempo é esta mesma postura a que impede que se enxergue em eventos posteriores uma genealogia, uma relação de aliança com outros empreendimentos algo considerados como inovadores, frescos ou ao menos, criativos. Michel Serres, Claude Lévi-Strauss, André Leroi-Gourham, Bruno Latour e Jean Pouillon são somente alguns daqueles que anotam com admiração suas passagens preferidas do namorado de Marianne. O esquema  “magia-religião-ciência” presente em Du mode d’exitstence des objets techniques não é exceção, ainda seja um exercício distinto de periodização por comparação à linearidade do esquema comteano, que confunde fases com cronologia. Aqui a fase mágica não é, como se poderia esperar, a filogênese inaugurada mas um modo de individuação imanente à distinção entre figura e fundo. A fase é, assim, um momento de um sistema recíproco de fases (1969:159) independente de quaisquer definições de gênero e espécie. Uma fase é resultado de relações de força que compreendem, antes que uma dialética da superação ou uma evolução progressiva, a emergência de casos de estrutura de duas fases cujo centro é neutro cumprindo uma função de grau-zero.
            Fase e defasagem entram em questão como a mobilidade ou atualização dos modos compreendidas numa noção de evolução técnica que Simondon procura desenvolver em que procede uma concepção vitalista algo bergsoniana a partir da qual as técnicas só podem ser definidas com relação à vida que lhe anima – assim como a linguagem em certa filosofia, como a de Wittgenstein, uma ferramenta utilizada enquanto a comunicação não acontece.  O desdobramento prático-teórico em técnica e religião parte deste eixo neutro, assim como as questões para as quais podemos remeter à estética são ao mesmo tempo ruptura e busca da unidade futura do modo de ser mágico, isto é, de um modo de ser em que a convergência se dê como ponto de partida.

            “(...) la méditation entre l’homme et le monde s’objective en objet technique comme elle se subjective en médiateur religieux ; mais ces subjectivations opposées et complementaires sont précédées par une première étape de la relation au monde, l’étape magique dans laquelle la médiation n’est encore ni subjectivée ni objectivée, ni fragmentée ni universalisée, et n’est que la plus simple et la plus fondamentale des structurations du milieu d’un vivant : la naissance d’un réseau de points privilégiés d’échange entre l’être et le milieu. » (1969 :164)

3-

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Qual o tamanho do contraste deste elaboração inicial com aquela da precipitação do sagrado nas hierofanias de Mircea Eliade, um e outro orientados pela orientação e pela premissa fundamental do ser? Talvez a mesma distinção entre as noções de retroalimentação da cibernética e a de evento de ruptura no que Revelação e Revolução dividem algo mais do que uma estrutura em comum. Esta tensão merece ser aprofundada com maior vagar, até mesmo o futuro dura muito tempo e é necessário deixar aquilo que fermenta envelhecer a fim de distinguir vinagre e vinho, saliva de cerveja. Até porque certas distinções tomadas com o tempo oferecem diferenças, não de grau mas de natureza, o mesmo tipo de distingue espaço de milieu, ou ambiente como circunvizinhança a partir do qual a reticulação se oferece como um problema para a orientação enquanto tal. Mas porque Eliade no contraste? Porque Eliade disserta sobre a orientação do homem religioso, exatamente o mesmo que se recusa a orientar-se no mundo enquanto tal – e esta não é, vale dizer, uma atitude revoltada mas um tanto quanto resignada, ou mesmo amorosa.
            A tensão pode e deve ser desdobrada de uma questão importante, tão importante quanto a raridade de eventos em que é pronunciada: qual é o tamanho do mundo. De todas as qualidade fundamentais da emergência da ecologia como fronteira conceitual, aquela que oferece a herança mais perigosa é a confusão astronômica entre mundo (welt) e planeta, confusão que obrigara o relativismo – no caso de ser este agente coerente que nem mesmo uma pessoa biografada pode ser – a atingir fórmulas como “vários mundos, um só planeta” . O mundo não é o planeta, mas não por exclusão. A relação é possível, mas não é exclusiva. Um mundo não precisa ter circunscrição atmosférica, não precisa ter massa, e tampouco estar imerso numa navegação espacial em que a quantificação tenha produzido uma politécnica inédita do sonho hermético no qual aquilo que está em cima é como o que está em baixo o que e uma certa tradução enviesada pode dizer, tudo se mede lá em cima como é possível medir aqui em baixo porque o espaço é homogêneo.
           
            Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo: o espaço apresenta roturas, quebras; há porções de espaço qualitativamente diferentes das outras. “Não te aproximes daqui, disse o Senhor a Moisés; tira as sandálias de teus pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra santa.” (Êxodo, 3:5). Há, portanto, um espaço sagrado, e por consequência “forte”, significativo, e há outros espaços não-sagrados, e por consequência sem estrutura nem consistência, amorfos. Mais ainda: para o homem religioso essa não-homogeneidade espacial traduz-se pela experiência de uma oposição entre os espaços sagrado – o único que é real, que existe realmente – e todo o resto, a extensão informe, que o cerca.” (1992:21)
           

            A experiência do sagrado precipitado em fontes hierofânicas é a precipitação da diferença qualitativa no seio do espaço homogêneo – assim como faz do homem regular, mundano, um homem de verdade fazendo de homem religioso uma forma peculiar de pleonasmo. A experiência do sagrado é a fundação do espaço em sua heterogeneidade, isto é, na composição do sentido que orienta a ação humana, orientação que o homem não-religioso recusa fazendo da tipificação uma forma de exclusão dogmática, ou daquele que não reconhece o sagrado nos termos postos. Assim, há o homem dedicado aos assuntos profanos que vive imerso no espaço indiferenciado da homogeneidade infinita purificado da religião e aquele em que vive no mundo real. Mas, é claro, esta é uma tipologia.

            É preciso acrescentar que uma tal existência profana jamais se encontra em estado puro. Seja qual for o grau de dessacralização do mundo a que tenha chegado, o homem que optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o religioso.” (1992:23)

            Isto porque o mundo começa religioso e a profanação é um esforço produtivo de divórcio e, necessariamente de decaimento quando não de degenerescência. Isto porque a experiência de mundo profana (algo próximo de weltverstehen) é fragmentária uma vez que se dá em porções, incapaz de incorporar a totalidade cujo fundamento é o sentido, seja como causa, seja como fundamento, seja como finalidade. Dito de outra forma, não há Mundo que só pode ser Mundo pelo estabelecimento de uma fronteira primordial, a que cinde a homogeneidade naquilo que é a gênese da heterogeneidade da ordem espacial: o sagrado e o profano. A analogia parcial entre as habitações humanas e o espaço ritual, por exemplo, confere uma distinção importante ao entender que um templo é a forma forte de uma casa que, por sua vez, é a alternativa radical do indiferenciado selvagem da vulgata newtoniana – e aqui aparece em Eliade a voga do evolucionismo sociológico que determina, como em Durkheim, Simmel e Luhmann a analogia radical entre o primitivo e o indiferenciado.
            Este desenho é, por fim, a recuperação da dimensão técnica da arquitetura em que o espaço é recortado em espaços de relevância e habitação que instituem uma ordem transcendente que, por fim, emana dela mesmo em sinais produzindo uma analogia radical entre espaço consagrado (lugar) e cosmogonia respondendo de chofre como compreender a relação entre mito e ritual que tantas dores de cabeça causa nas pesquisas sobre religião.

            Segue-se daí que toda construção ou fabricação tem como modelo exemplar a cosmogonia. A Criação do Mundo torna-se o arquétipo de todo gesto criador humano, seja qual for o seu plano de referencia. Já vimos que a instalação num território reitera a cosmogonia. Agora, depois de termos captado o valor cosmogônico o Centro, compreendemos melhor por que todo estabelecimento humano repete a Criação de Mundo a partir de um ponto central (o “umbigo”). Da mesma forma que o Universo se desenvolve a partir de um Centro e se estende na direção dos quatro pontos cardeais, assim também a aldeia se constitui a partir de um cruzamento. Em Bali, tal como em certas regiões da Ásia, quando se empreende a construção de uma nova aldeia, procura-se um cruzamento natural, onde se cortam perpendicularmente dois caminhos. O quadrado construído é uma imago mundi. A divisão da aldeia em quatro setores – que implica aliás uma partilha similar da comunidade – corresponde à divisão do Universo em quatro horizontes. No meio da aldeia deixa-se muitas vezes um espaço vazio: ali se erguerá mais tarde a casa cultual, cujo telhado representa simbolicamente o Céu (em alguns casos, o Céu é indicado pelo cume de uma árvore ou pela imagem de uma montanha). Sobre o mesmo eixo perpendicular encontra-se, na outra extremidade, o mundo dos mortos, simbolizado por certos animais (serpente, crocodilo, etc.) ou pelos ideogramas das trevas.” (1992:41)

            A imago mundi não é, contudo, uma máquina de habitar mas uma constante na vida do homem religioso que ao habitar se orienta segundo as premissas da ordem cósmica em que habita. E orienta porque induz aos valores cuja precipitação impõe ao caos contínuo uma ordem discreta, tensão muito familiar à sociologia kantiana de fins do século XIX e mesmo ao estruturalismo do século XX, a mesma que faz conformar evolução social com diferenciação de papéis e sofisticação da organização humana. Nenhum desses temas é inexistente no trabalho de Eliade, convocado aqui como um contraponto à leitura de Simondon. A presença abreviada, contudo, não tem como objetivo diminuir Eliade posto notadamente como coadjuvante em seu próprio domínio. Isto porque a noção de reticulação do mundo tal como proposto pela fase mágica do esquema de Simondon não necessariamente oferece um modelo alternativo de religião, que é, também o que está em questão aqui. O caso é que oferece uma noção diferente de tempo evolutivo, implicando em um outro desdobramento da relação entre vida e desenvolvimento que trabalhos como Eliade absorvem, extremamente críticos ao evolucionismo como doutrina da existência ao mesmo tempo em que permissivos quanto ao evolucionismo sociológico que só faz sentido porque nada acontece senão o evento originário.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Parêntese diabólico: langue et parole


BACHELARD,  Gaston. O pluralismo coerente da química moderna. Rio de Janeiro. Contraponto. 2009 [1973].
DASTON,  Lorraine & GALISON,  Peter. Objectivity. Nova York. 2007.
MANIGLIER,  Patrice.  La vie énigmatique des signes: Saussure et la naissance du structuralisme. Non & Non, Éditions Léo Scheer. Paris. 2006.

3-        Porque falar é fácil. Difícil é saber do que se está falando. 



            On voit que la célèbre thèse selon laquelle ce n’est pas l’objet qui détermine le point de vue, mais le point de vue qui détermine l’objet ne doit pas être comprise comme axiome épistémologique général, mais comme une thèse déduite de la nature de l’objet linguistique lui-même, plus précisément du fait que l’entité linguistique ne saurait exister en dehors d’un acte de l’esprit. »  (Maniglier, 2006 :64)

            O capítulo de onde saco esta citação chama-se “la langue satanique” e nos leva para a primeira reflexão sobre a diabolia de Reichler, ainda que este seja uma nota de rodapé, um parêntese na reflexão, sobre não somente a afirmação da diabolia como possibilidade mas de como é possível que algo como o que sugere o mesmo Reichler seja factível para além de uma investigação detida sobre a renardie. Manigliertem como objetivo de seu livro definir quais termos são articulados pela persona editorial de Saussure e como esta persona – algo semelhante à figuração da ordem editorial mística de São João da Cruz e seu editor-discípulo, Diego de Jesus – determina o fato linguístico. E por se tratar da determinação do que seria o fato linguístico, trata-se de ontologia, a saber, de uma língua que seja só-linguagem. Esta é a orientação metodológica de um Ferdinand de Saussure que recusa a imediaticidade do indivíduo linguístico como se partícipe da história natural de onde se depreende a relação implicada da zoologia com a filologia – havendo, obviamente, o filo como uma das escalas da especificação (reino, classe, filo, espécie). O outro problema está, ao recusar qualquer dimensão da filogenia do organismo na expressão do sentido, no fato linguístico se precipita em sua forma sincrônica. O sentido se dá na consciência daquele que fala, cuja arquitetônica prescinde da história permanente da instituição, algo transcendente, vindo a ser então só-atualização – e é neste ponto em que a linguagem seja só-linguagem, podendo ser abstraída de quem fala sem que o que fora dito seja determinante, permitindo ao linguista utilizar a mesma linguagem para sua atividade científica. E então, um tropeço fortuito. Porque o objeto da linguística não estando desde já, lá, é lá que ele deve-estar.

            D’autant que la linguistique non seulement ne saurait finir par trouver un objet donné, mis ne trouve même le « point de départ » dans aucune réalité donnée. Par là elle perd tout caractère expérimental. Les sciences expérimentales supposent non seulement comme horizon la séparation du donné et du construit, mais aussi un donné qui, aussi mal découpé soit-il, n’en est pas moins donné en dehors de toute opération d e l’esprit. Le biologiste utilise un tissu donné, pour mettre en évidence, par de procédés de coloration ou d’électrification, une cellule ; le chimiste par d’une substance donnée, pour l’analyser et faire apparaître s nature chimique. Quelle est la substance du linguiste? » (Maniglier, 2006 :66)

            Se o estruturalismo é uma forma de problematização, como Maniglier sugere com razão, então ele mesmo se esquece da história e de algumas das questões postas por este mesmo estruturalismo que não é um método, não é uma escola, mas uma postura epistemológica. No caso, as fontes da reflexão sobre a objetividade científica que define o caráter estrutural dos objetos a serem investigados por via da correlação dos termos que oferecem seu conjunto como agremiação estabelecendo, assim sua determinação. Dos capítulos do estruturalismo que Maniglier negligencia, e que merecem atenção por estarem muito bem sumariados em História do Estruturalismo de François Dosse, presente em sua bibliografia, o mais marcante é a ausência de Bachelard cujo livro O pluralismo coerente da química moderna define com notada clareza os elementos constituintes de um racionalismo aplicado, em muito desdobrado da longa tradição da versão cartesiana da astronomia. É ela quem se dedica ao problema dos corpos celestes que, de acordo com a mecânica geral das órbitas, sugere que eles devem estar lá, num determinado momento, em uma determinada posição infinitesimalmente distante, invisíveis a uma investigação telescópica. Assim, são objetos que começam a ser oferecidos ao discurso segundo uma concepção estrutural de objetividade posteriormente sintetizada na noção fregeana de begriffschrift (“escritura de conceitos”) em que o pensamento em sua expressão deve ser incluído na circunscrição do objeto como problema constituinte.

            Meant to guarantee the communicability and therefore the objectivity of arithmetic and logic, the begriffshrift itself  proved opaque. Frege nonetheless insisted on the scientific utility of his symbols, which he saw as the partial realization of Leibniz’s dream of characteristic universalis and as potentially extendable to other sciences, such as mechanics and physics. The begriffschrift would be a tool of structural objectivity, a shield to protect logic and arithmetic from both the psychological and the psychologists – at one point, he feared psychology would swallow up all sciences.” (Daston & Galison, 2007:271)

            Não basta estar lá para ser alvo de uma investigação que, ainda que experimental, demanda clareza de expressão, premissa  tanto epistemológica quanto sociológica na medida em que boa parte do esforço de redação científica moderna é uma grande epistolografia entre desconhecidos a respeito de um assunto comum, tema a ser estabelecido na mesma medida que independente daquele que disserta a seu respeito em um determinado momento. Unidade de medida, instrumentos de laboratório e descrição de substâncias em sua invisibilidade leva à elaboração de um código, uma caracterologia universal que define cada objeto em sua generalidade, numa formulação mais geométrica que empírica (Daston & Galison, op.cit.). E na química este mesmo movimento, composto elo arco narrativo sobre os elementos químicos, de Lavoisier (ao redor da Revolução Francesa) até Mendeleiev está devidamente marcado. Não surpreendente, o ato de identificação do objeto, ao contrário do que sugere Maniglier, não é o dado apreensível, ou da investigação empírica imediata.

            Já não se trata de uma experiência sempre focalizada no indivíduo ou na espécie, mas sim no gênero. Isso vai determinar uma renovação nominalista que fará da nomenclatura química um verdadeiro método de conhecimento. Nomear servirá mais para conhecer do que para reconhecer, e a própria classificação das substâncias elementares se mostrará movida por um pensamento ativo que designa um lugar regular para um objeto antes de encontrar esse objeto.”(Bachelard, 2009 [1973]):23)

            Agruras do infinitesimalmente grande, do infinitesimalmente pequeno e do humanamente instável. Saussure está longe de oferecer, como parece afirmar Maniglier, um percurso afastado das ciências experimentais dado que um e outro, segundo aquilo que ele mesmo oferece como traço distintivo, travam uma batalha feroz para determinar o objeto que deveria estar-lá.

domingo, 26 de agosto de 2012

Promener pour la méthode: mode d'emploi et le cas de l'aventure


(este não é um texto apologético)

Jovem. O mundo é grande. E houve o dia em que falou sobre a vida, a mesma que, à forma dos metrôs distribuídos pela cidade e que serviram de mote para o diagnóstico de que a população havia perdido seu lugar para o trânsito avassalador de coisas grandes feito trens, todos, com seu mode d’emploi. Pode não ser à toa, pode ser peculiar que a forma de entrar na vida seja o paraquedas que tem um sistema de anti-falhas que pode, todavia, falhar. Mas é significativo que Georges Perec tenha escolhido o anteparo de uma coisa para dizer que para entrar na vida é preciso saltar. Quando abrem-se as portas para o salto, é preciso fazer a escolha com relação à qual não há nenhuma razão para definir se é melhor ir ou não, e que a única coisa que discrimina o salto à paraquedas e o suicídio é a confiança numa coisa. E é preciso se lançar.
            No final das contas, Perec se assemelha a Claude Lévi-Strauss que, em uma entrevista a Bernard Pivot discrimina dois momentos da vida de antropólogo. Primeiro, como a paixão por aventuras participa, ainda que de forma subsidiária, de sua decisão de abandonar o ensino e o estudo da filosofia. Obviamente que tudo o que veio depois, em especial sua relação com a mitologia dos povos americanos terem se convertido em uma filosofia ameríndia, desmente um tanto a afirmação do abandono. Logo em seguida vemos que o que Lévi-Strauss tinha em mente com aventura se resumia, no mais, às atividades de camping postos num jogo delicado com sua imaginação ativada por um ou outro diário de exploração que, de uma forma geral já viviam no sistema da administração e do relato posto sob alguma forma de controle que os aproximaria da prosa etnográfica que o próprio Claude Lévi-Strauss viria a estabelecer, à forma dos exercícios de filologia. E então descobrimos que Lévi-Strauss, entre a aventura e a rotina, havia definido seus movimentos relativos a sentar e ler tudo o que fosse possível. A aventura da razão, diriam, e a qual, por maior que seja, me obrigo a colocar entre aspas. “L’aventure", cher professeur.
            Obviamente que entrar na vida é coisa diferente do suicídio, posto que no organograma das operações de trânsito no edifício enorme que parece ser o mundo, sua marca se encontra nas vias impróprias para a fuga. Suicídio é um método de entrada, e não de saída. Mas ao mesmo tempo, o paraquedas com relação ao qual Perec, em uma conversa com Jean Duvignaud, se diz diminuído. Não que o paraquedas o diminua em si, mas a situação que reclama a presença do paraquedas o diminui a saltar ou não. É no momento em que simplesmente il faut se lancer que precipita aquilo que se dá como intransferível. Il faut que je. É preciso que Eu, quando o impessoal desaparece e que, na decisão de saltar, tudo se resume na mera confiança posta em uma coisa posta às costas pesando grosseiros 15 quilos.
            Em Les choses, Perec mostra ser um tanto mais aventuroso quanto mais afeito ao tédio é. É neste romance em que ele mantém a regra de contar a vida de um casal típico dos anées 60 - cuja semelhança com o casal que logo sou me assusta um outro tanto. Reside no 14e Arrondissement, vive a vida sem salários, uma pequena fortuna experimental por vez reduzidas a jantares, passeios e viagens, o tipo de aventura com data e hora para acabar cuja descrição não se permite exceder o organograma da rotina. O cenário é exaustivo, descrito com a meticulosidade que um etnógrafo deveria ter, o mesmo etnógrafo cuja tarefa infinita Lévi-Strauss declara na mesma entrevista a Bernard Pivot, não ter qualquer vocação. Mostra-se que a aventura é outra coisa. Aos poucos, os objetos multiplicados ao indeterminado são restritos a conjuntos específicos, postos em séries, como as refeições feitas na capital ou no interior do país, os livros lidos, as lojas mais caras que fazem as vezes de museus de tudo aquilo que não se poderia possuir. Listas e mais listas de coisas que compõem a vida, de mais à mais, sutilmente decepcionante. Há mesmo que dizer, alienada. Mas o lance de dados que faz do salto um destempero controlado jogado às costas feito um paraquedas  que o próprio Perec comparou ao fascismo – il faut se lancer - faz do mesmo, aos poucos como todas as coisas colecionadas em uma biografia sem saltos quaisquer, alguma outra coisa. Trata-se, afinal de uma vida cujos sacrifícios está em adquirir coisas, esta a do casal. Coisas que lhe oferecem coisas e, por vezes, algo mais – e que isto pode crescer à forma francesa que aprendi, na animation. Obviamente que tudo depende de um parágrafo, ou menos.

            Ils continuaient leurs vie cahotante: elle correspondait à leur pente naturelle. Dans un monde plein d’imperfections, elle n’etait pas, ils s’en assuraient sans mal, las plus imparfaite. Ils vivaient au jour le jour; ils dépensaient en six heures ce qu’ils avaient mis trois jour à gagner; ils empruntaient souvent; ils mangeaient de frits infâmes, fumaient ensemble leur dernière cigarette, cherchaient parfois pendant deux heures un ticket de métro, portaient des chemises reformées, écoutaient des disques usés, voyageaient en stop, et restaient, encore assez fréquemment, cinq ou six semaines sans changer de draps. Ils n’étaient pas loin de penser que, somme toute, cette vie avait son charme.

            É quando, ao invés de Eu saltar de paraquedas,  salta-Se nos paraquedas, no prazer do sofá. E tudo isso me lembra um poema de Charles Beaudelaire - um dos dois que não me saem da cabeça. 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Critério da Maioria

Há séculos que isto é um problema, em especial quando o conceito de massa saiu das cozinhas para atingir considerações sobre a vida política. Massa, a.k.a. pretume de gente, indistinção da vontade, ação anônima, etc. Há quem tenha entendido que a irresponsabilidade da ação civil, em sua coloração política tenha seu problema aí. Há quem chame de anomia cada ação em que esta força indistinta fala "não", ou pior, “sim”, por aclamação. A questão é sempre: quem?


O problema é revestido por um outro verniz, muito diferente de qualquer indisposição com a ação civil que, por si só não assume esta forma. A ação civil numa sociedade em que é possível a irrupção das massas não tem correlação necessária entre si, digo, entre ação e ação de massa. A massa opera quando se manifesta a ordem catastrófica do critério da maioria, quando a mera contagem de cabeças define, ou faz aceitar as mais estapafúrdias resoluções – ou recusá-las. A maioria quer, portanto é assim que será feito. E é difícil recusar esta marca sem que se pense em tirania – e mais difícil ainda entender que a manifestação da maioria pela maioria é, à sua forma, tirania por si só. E a maioria se manifesta de diferentes formas, a maior parte – olha a maioria - delas confundindo o que tem o apelido de “a voz do povo” com cacofonia histérica de bandeirola. Sem haver quem diz, não há o que ser dito, na era do relativismo irresponsável.



Peguemos um caso de, digamos, benfeitoria majoritária. Um projeto de investimento que define diretrizes de consumo energético numa lógica de consumo irresponsável. Irresponsável porque investimentos são contabilizados como gastos – mas que não se conte o investimento do projeto como gasto; este sim, é investimento; na era das massas, o investimento que é investimento é chamado de “investimento estratégico” -, futuro é pensado como crescimento (olha a massa!) e população é entendida na lógica da maioria – razão idem. Daí aparece a noção de um investimento em prol da maioria, que para tal exige o sacrifício de uma minoria. E aqui eu peço, por favor, que não entendam minoria segundo o jargão universitário. Estou falando de partes maiores e menores de uma contagem de cabeças numa paisagem povoada por pessoas. Próximo passo: exige-se o sacrifício, cujo número é de 40 mil pessoas, em nome do bem das demais contadas em milhões. Daqui, entende-se um sistema sacrificial delicado, cuja lógica é a de trocar corpos por pepinos e, daí, oferecer à maioria sua própria substância: a maioria. Que, diga-se de passagem, não é ninguém. Explico-me.



Há na obra de Claude Lévi-Strauss (o da antropologia, e não o da calça) um esquema semiológico de redução do ente sacrificado disposto em ordem cósmica em que o mesmo apareça como substituto. Isso mesmo. Como substituto prototípico e só. Assim, pode-se colocar um pepino no lugar do destinado a morrer num ritual, desde que se ressalte a economia semiológica que defina a relação metafórica e faça a conexão precisa que demonstre em lugar de quem que o pepino está sendo sacrificado. Sei que parece absurdo, mas é pedagógico, tanto em O Pensamento Selvagem quanto, espero, aqui. O que entra em questão quando a ordem da maioria é posta é que é preciso desenhar com clareza a situação que relaciona a minoria a ser sacrificada, feito um pepino, em nome dos demais que, por causa de sua situação inconteste de maioria, deve permanecer com seu futuro inatingido – entenda-se futuro como crescimento. Da massa.

No caso de sucesso começa-se a entender quem é a maioria, e qual é seu corpo, nunca pronunciado. Ele é um corpo diretivo que tem suas prioridades definidas segundo esta mesma lógica sacrificial que permite que se opere a morte em massa, desde que em nome de algo maior. Maior. E porque deste jeito? Não sei. Mas gosto da história contada por um alemão chamado Simmel, de que o sacrifício é um adiamento da satisfação do desejo com vistas na consumação futura. Este mesmo alemão convertido em protestante narra uma historiazinha em que há etapas de concretização do sacrifício como formação da atividade simbólica que constitui sentido, digo, atividade simbólica. E aos poucos, a massa começa a aparecer de forma irreversível. Assim, se eu cometer penitência, a mesma passa a ter valor; mas no caso em que há pessoas demais e que eu existo somente como mais um, o sacrifício é essencialmente subjetivo, pessoal e intransferível, aniquilando o efeito do exemplo de comportamento para a ordem coletiva. Então, o que é objetivo, isto é, disposto à ordem comum é coisa que ultrapassa a ação pessoal e se transfere para sacrifícios envolventes, que conduzem aos adiamentos perigosos grupos de pessoas cada vez maiores. Se quatro pessoas afetam mil, 40 mil afetam milhões. Foi assim que este alemão cristão-novo aplaudiu o começo da Primeira Guerra. A sociedade de massas requer sacrifício de massas para gerar distinções históricas que permitam a narrrativa de um antes e de um depois sacrificial, como seria o caso judeu, ou mesmo da juventude alemã. Mas na lógica da maioria, quem é sacrificado é o pepino – isto é, outros milhares em nome dos existentes milhões. E daí percebemos que a maioria é sempre o futuro em nome do qual estamos para morrer, pois a maioria não tem corpo. Ela somente espera a morte do pepino.

Tá bom, eu sei. Nada disso faz sentido. É uma história absurda. Mas é nela é que se enquadra a lógica da ereção da usina de Belo Monte, essa coisa absurda desenhada para as bandas do Rio Xingu. Índio é pepino.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O caminho do dente, caminho doente, caminho do ente.

Chère Lévi-Strauss;

J´ai lit son livre, la dernière mitologique. Il me fait venir dans ma tète le suivant :

UN HOMME TOUT NU MARCHANT

Um homme tout nu marchant
L´habit à la main
L´habit à la main
C´est peut-être pas malin
Mais ça me fait rire
L´habit à la main
L´habit à la main
Ah ah ah ah ah ah
Un homme tout nu
Un homme tout nu
Qui marchait sur le chemim
Le costume à la main

Je t´ambrasse.


Boris Vian, lequel arranché comme une dent et que te rencontre maintenant.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Nota "fúnebre": e morreu Claude Lévi-Strauss.

E morreu coisa nenhuma, o velho feiticeiro, prestidigitador, esvaziador de humanismos, matador de contendores. Gente feito ele não morre. Migra. Vai para recantos que não ousou adiantar o caminho por não haver preparo para seguidores possíveis. Discreto, avesso à própria biografia, contava só o que a palavra dizia de forma clara e distinta, mesmo que em cada frase coubesse uma franja a mais para o descontentamento com a semântica aprisionada. O positivismo roído desde dentro. O cara construiu uma máquina tradutora de casamentos (As estruturas elementares do parentesco), outra de intermímese mitológica comparada (As mitológicas, maiores e menores), além de um devaneio no povoado do real aprofundado num paisinho triste mesmo, tão triste que finge carnaval para se suportar - não entabula uma conversa conseqüente sem entrar no desespero profundo.


O velho feiticeiro enterrou todos seus contendores, ferindo-os de morte com o silêncio dos 'sem-resposta-pois-a-resposta-já-dei-antes-da-réplica-e-você-não-entendeu-nada', arte ensinada pelo velho amigo de Borges, Roger Caillois, inimigo que quase o matou com uma flecha espiritual (a última lançada pelos surrealistas antes de o sobrevôo sobre o real poder ser alugada para passeios turísticos). Deixou um Marshall Sahlins cardíaco e de sobreaviso:



"As mitológicas já estão feitas, meu caro. Não adianta."




Cabe aos que ficaram a tarefa mais difícil, a de agüentar o peso. E é melhor nem falar muito o nome do cara. Vai que ele volta, aumenta a carga e vai de novo, deixando aquilo tudo pra gente carregar adiante.


E olha que estou falando só sobre o sujeito da calça jeans. Imagina se fosse sobre o antropólgo estruturalista - num passeio surrestruturalista?