BACHELARD, Gaston. O pluralismo coerente da química moderna.
Rio de Janeiro. Contraponto. 2009 [1973].
DASTON, Lorraine &
GALISON, Peter. Objectivity. Nova York. 2007.
MANIGLIER, Patrice. La
vie énigmatique des signes: Saussure et la naissance du structuralisme. Non & Non, Éditions Léo Scheer. Paris.
2006.
3- Porque falar é
fácil. Difícil é saber do que se está falando.
“On
voit que la célèbre thèse selon laquelle ce
n’est pas l’objet qui détermine le point de vue, mais le point de vue qui
détermine l’objet ne doit pas être comprise comme axiome épistémologique
général, mais comme une thèse déduite de la
nature de l’objet linguistique lui-même, plus précisément du fait que
l’entité linguistique ne saurait exister en dehors d’un acte de l’esprit. » (Maniglier, 2006 :64)
O capítulo
de onde saco esta citação chama-se “la
langue satanique” e nos leva para a primeira reflexão sobre a diabolia de
Reichler, ainda que este seja uma nota de rodapé, um parêntese na reflexão,
sobre não somente a afirmação da diabolia como possibilidade mas de como é
possível que algo como o que sugere o mesmo Reichler seja factível para além de
uma investigação detida sobre a renardie.
Manigliertem como objetivo de seu livro definir quais termos são articulados
pela persona editorial de Saussure e como esta persona – algo semelhante à
figuração da ordem editorial mística de São João da Cruz e seu
editor-discípulo, Diego de Jesus – determina o fato linguístico. E por se
tratar da determinação do que seria o fato linguístico, trata-se de ontologia,
a saber, de uma língua que seja só-linguagem. Esta é a orientação metodológica
de um Ferdinand de Saussure que recusa a imediaticidade do indivíduo
linguístico como se partícipe da história natural de onde se depreende a
relação implicada da zoologia com a filologia – havendo, obviamente, o filo
como uma das escalas da especificação (reino, classe, filo, espécie). O outro
problema está, ao recusar qualquer dimensão da filogenia do organismo na
expressão do sentido, no fato linguístico se precipita em sua forma sincrônica.
O sentido se dá na consciência daquele que fala, cuja arquitetônica prescinde
da história permanente da instituição, algo transcendente, vindo a ser então
só-atualização – e é neste ponto em que a linguagem seja só-linguagem, podendo ser abstraída de quem fala sem que o que fora dito seja determinante, permitindo ao linguista utilizar a mesma linguagem para sua atividade científica. E então, um tropeço
fortuito. Porque o objeto da linguística não estando desde já, lá, é lá que ele
deve-estar.
“D’autant
que la linguistique non seulement ne saurait finir par trouver un objet donné, mis ne trouve même le
« point de départ » dans aucune réalité donnée. Par là elle perd tout
caractère expérimental. Les sciences expérimentales supposent non seulement
comme horizon la séparation du donné et du construit, mais aussi un donné qui,
aussi mal découpé soit-il, n’en est pas moins donné en dehors de toute
opération d e l’esprit. Le biologiste utilise un tissu donné, pour mettre en
évidence, par de procédés de coloration ou d’électrification, une
cellule ; le chimiste par d’une substance donnée, pour l’analyser et faire
apparaître s nature chimique. Quelle est la substance du linguiste? » (Maniglier, 2006 :66)
Se o
estruturalismo é uma forma de problematização, como Maniglier sugere com razão,
então ele mesmo se esquece da história e de algumas das questões postas por
este mesmo estruturalismo que não é um método, não é uma escola, mas uma
postura epistemológica. No caso, as fontes da reflexão sobre a objetividade
científica que define o caráter estrutural dos objetos a serem investigados por
via da correlação dos termos que oferecem seu conjunto como agremiação
estabelecendo, assim sua determinação. Dos capítulos do estruturalismo que
Maniglier negligencia, e que merecem atenção por estarem muito bem sumariados
em História do Estruturalismo de
François Dosse, presente em sua bibliografia, o mais marcante é a ausência de
Bachelard cujo livro O pluralismo
coerente da química moderna define com notada clareza os elementos
constituintes de um racionalismo aplicado, em muito desdobrado da longa
tradição da versão cartesiana da astronomia. É ela quem se dedica ao problema
dos corpos celestes que, de acordo com a mecânica geral das órbitas, sugere que
eles devem estar lá, num determinado momento, em uma determinada posição
infinitesimalmente distante, invisíveis a uma investigação telescópica. Assim,
são objetos que começam a ser oferecidos ao discurso segundo uma concepção
estrutural de objetividade posteriormente sintetizada na noção fregeana de begriffschrift (“escritura de
conceitos”) em que o pensamento em sua expressão deve ser incluído na
circunscrição do objeto como problema constituinte.
“Meant to guarantee the communicability and therefore the objectivity of
arithmetic and logic, the begriffshrift
itself proved opaque. Frege nonetheless
insisted on the scientific utility of his symbols, which he saw as the partial
realization of Leibniz’s dream of characteristic
universalis and as potentially extendable to other sciences, such as
mechanics and physics. The begriffschrift
would be a tool of structural objectivity, a shield to protect logic and
arithmetic from both the psychological and the psychologists – at one point, he
feared psychology would swallow up all sciences.” (Daston & Galison, 2007:271)
Não basta
estar lá para ser alvo de uma investigação que, ainda que experimental, demanda
clareza de expressão, premissa tanto
epistemológica quanto sociológica na medida em que boa parte do esforço de
redação científica moderna é uma grande epistolografia entre desconhecidos a
respeito de um assunto comum, tema a ser estabelecido na mesma medida que
independente daquele que disserta a seu respeito em um determinado momento.
Unidade de medida, instrumentos de laboratório e descrição de substâncias em sua
invisibilidade leva à elaboração de um código, uma caracterologia universal que
define cada objeto em sua generalidade, numa formulação mais geométrica que
empírica (Daston & Galison, op.cit.). E na química este mesmo movimento,
composto elo arco narrativo sobre os elementos químicos, de Lavoisier (ao redor
da Revolução Francesa) até Mendeleiev está devidamente marcado. Não
surpreendente, o ato de identificação do objeto, ao contrário do que sugere
Maniglier, não é o dado apreensível, ou da investigação empírica imediata.
“Já não se trata de uma experiência sempre
focalizada no indivíduo ou na espécie, mas sim no gênero. Isso vai determinar
uma renovação nominalista que fará da nomenclatura química um verdadeiro método
de conhecimento. Nomear servirá mais para conhecer do que para reconhecer, e a
própria classificação das substâncias elementares se mostrará movida por um
pensamento ativo que designa um lugar regular para um objeto antes de encontrar
esse objeto.”(Bachelard, 2009 [1973]):23)
Agruras do
infinitesimalmente grande, do infinitesimalmente pequeno e do humanamente
instável. Saussure está longe de oferecer, como parece afirmar Maniglier, um
percurso afastado das ciências experimentais dado que um e outro, segundo
aquilo que ele mesmo oferece como traço distintivo, travam uma batalha feroz
para determinar o objeto que deveria estar-lá.
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