ASAD, Talal.
Genealogies of religion: discipline and
reasons of power in Christianity and Islam. Johns Hopkins Press. Baltimore
and London. 1993.
1-
“What
worries me is that the arguments exposed by this “anthropological chorus” (now
joined by a chorus of historians) are not as clear as they might be. Thus, when
Sahlins protests that local peoples are not “passive objects of their own
history”, it should be evident that this is not equivalent to claiming that
they are its “authors”. The sense of author is ambiguous as between the person
who produces a narrative and the person who authorizes particular powers,
including the right to produce certain kinds of narrative. The two are clearly
connected, but there is an obvious sense in which the author a biography is
different from the author of the life that is its object – even if it is true
that as an individual (as an “active subject”) , that person is not entirely
the author of his own life. Indeed, since everyone is in some degree or other
an object for other people, as well as an object of others’ narratives, no one
is ever entirely the author of her life. People are never only active agents
and subjects in their own history. The interesting question in each case is: In
what degree, and in what way, are they agents or patients?”(1993:04)
Eu não sou
muito paciente, o que de forma alguma responde à questão de Asad – até porquê
não sê-lo por predileção não implica que não tenha que exercitar a mesma
paciência que não considero como constituinte de meus impulsos mais
característicos. O exercício da paciência se desdobra da desconfiança que nutro
de quaisquer debates realizados em termos demasiado marcados e estabelecidos.
Vem a sensação de que alguma coisa não foi dita e que, mais do que qualquer
outra coisa, algum mal entendido foi posto de lado. O tamanho deste mal
entendido me parece ser sempre proporcional à eminência parda que estabelece os
termos do debate. Muito do que Talal Asad escreve em seu Genealogies of
Religion , livro que considero muito bem-vindo ainda que tenha
chegado muito antes de mim à cena antropológica, tem como alvo uma certa
dimensão do empreendimento da disciplina. Nada estreita, esta dimensão que lhe
serve de alvo é nada menos do que o mundo – não confundir com o planeta, assim
como “todo mundo” não é sinônimo de “toda a população humana”, nem por força do
hábito. Seja tomado como ordem capitalista mundial, sistema da
modernidade-mundo, ecossistema ou ministério da Providência o mundo é o que há,
o que é problemático desde que seja apontado, como se faz em uma etnografia,
alguém lá fazendo aquilo. Ao considerar o divórcio deste com o outro mundo,
seja ele qual for, é o corpo animado da apreensão dos dados dos sentidos a base
que acolhe as diversas manifestações da sociologia como manifestação de uma
noção de ordem suficiente – ainda que frequentemente imaginada como algo
diferente de uma ordem necessária, recusa de onde se desdobram algumas
dimensões da dialética, especialmente a parcela da imaginação revolucionária
precipitada no século XIX europeu na qual tudo parecia passivo de ser
melhorado, especialmente a natureza, com ênfase na natureza humana perféctil.
No mundo seguramente , e tentado por ele ou de outra forma, intuído a partir da
experiência que permite que se trabalhe com um denominador comum. Comum? Asad
diz que não.
O livro
parte de uma acusação que recai nas costas de Clifford Geertz, demasiado
liberal e, portanto, profundamente protestante (na verdade, moderno) no seu
esforço de compreensão dos conceitos de “religião”, simbolismo, cultura e mesmo
cérebro e evolução humanos. Dito de outra forma ele soa algo kantiano para um
programa pragmático de pesquisa – programa Asad endossa sem fazer alarde. A
crítica que ainda não apresentei, vai nesta direção e, ainda que pense não ser descabida,
desconfio. E desconfio por não estar certo sobre o que está em jogo e porque é
preciso ir além compreendendo o que é que Asad pretende elucidar, quais eram os
objetivos de Geertz visando aprender com o debate (na verdade, a acusação) algo
mais do que a ladainha lastimável a respeito dos autores superados,
frequentemente convertidos à condição selvagem de idiotas.
Desde a
introdução Asad pergunta quem é o agente da ação. Ora, se pensarmos na mesma
matriz kantiana que dá forma a uma teoria da ação social, quem age é sempre o
sujeito compreendido pela predicação que reconhece e determinar o evento em
questão, os modos de ação e de causalidade. É por questões metodológicas que
Max Weber recusaria a filosofia à moda de Tabacaria
de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos que, no silêncio das maquinações de um
cérebro solipsista ousou pensar filosofias que nenhum Kant ousara[1]. Se
não opera como forma socialmente orientada da comunicação – isto é, orientada
pela organização social do trabalho e suas formas políticas -, a intimidade da
convicção não interessa. Não à sociologia que visa conhecer o conhecimento,
mesmo aquele que reside no que é socialmente implícito.
Ao mesmo
tempo, esta mesma sociologia está atrelada à soberania do calvinismo que soube
contestar a eucaristia traduzindo o sacramento, não mais por via da
transubstancialização mas pela forma simbólica da boa ficção de articulação
abstrata. É como se fosse o corpo de
Cristo, então, sem sê-lo todavia. Chegamos ao simbólico que constrói também o
tipo de reduto que, radicalizado à insignificância do sentido, vai ser chamado
de prison house of language por
Fredric Jameson ou, ainda mais dramático e poderoso, como gaiola de ferro por
Max Weber. A linguagem é então o que comunica, antes de mais nada a condição
humana ao comunicar, antes de mais nada a humanidade cuja constituição trágica
(ou absurda, via Camus; O mito de Sísifo)
faz com que nos desinteressemos pela hipótese de um caranguejo resolver
equações de segundo grau (Miguel de
Unamuno; O sentimento trágico da vida).
O inexprimível e o caranguejo seriam algo equivalentes. Animália et idiotia.
A noção de
agência contraposta à de ação permite, na verdade, demanda que se faça uma
relação com o que não se compreende imediatamente como simbólico de forma a
reconhecer que das ações humanas o autor da mesma em sua dimensão ulterior – o
mundo – pode não ser humano. O agente do ator pode não ser ele, ou não
exatamente dissociando, de um ponto de vista que escapa do normativo à forma de
uma disjunção potencial. É esta mesma que permite o tipo de investigação de Ian
Hacking sobre personalidades múltiplas, o que em sua análise pode ser uma
coletânea de várias pessoas que são menos do que uma, cada uma. Ser menos do
que um inteiro pode ser o suficiente para produzir agência (Rewriting the soul).
A tensão
aumenta quando o que está em questão é o que, ou quem está lá. “Lá”, naquele
local retoma os termos de Geertz, a saber, sobre o conhecimento local (local knowledge) – o que retoma, à primeira vista, a matriz
kantiana na qual o exercício crítico que circunscreve sua investigação à esfera
da predicação é também um exercício relativo à elaboração de uma teoria do
conhecimento que promove hermenêutica de segundo grau (Hans Ulrich-Gumbrecht; A modernização dos sentidos). Esta premissa é questionada nos
termos da abertura fornecida pelo programa de pesquisa investido de agência.
Mas a noção de “local” permite que se possa compreender melhor a diferença de
projetos e a diferença que a diferença produz com relação à tensão entre Asad e
Geertz. Isto porque “conhecimento sobre
povos locais não é ele mesmo o conhecimento local” (Asad, 1993:09). Ao mesmo
tempo é de Geertz a afirmação de que o objetivo da pesquisa de campo não é
estudar a aldeia mas estudar na
aldeia (frase redigida em ensaio publicado no intervalo de tempo entre os
livros The interpretation of cultures e Available light
que, lamentavelmente, esqueci qual). Esta disjunção me leva a perguntar sobre
quem é esta personagem que Asad monta e até qual ponto ela tem identidade com
Geertz em primeira pessoa, autor de seu próprio texto.
[1] “(...)Tenho sonhado mais
que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.(...)
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.(...)