quinta-feira, 16 de abril de 2009

Na surdina, o segredo.

Não é preciso uma cena de Alexandre Dumas para retomar os cuidados ardilosos que uma rua parisiense exige, em especial nas conspirações dos mosqueteiros em favor do rei. Para gerar segredo, e que segredo como tal vigore, faz-se aliada a ignorância, inclusive em relação ao tempo. Os mosqueteiros mudam os ponteiros e os movimentos para que o mosqueteiro maior não saiba a que horas tudo veio a se passar, este tudo que foram as estripulias dos 3. Silenciosamente os mesmos 3 elaboram cada um dos cúmplices que formidavelmente serão álibis honrados: não os fazem mentir sua mentira, e na mentira que contam relatam nada mais nada menos que a verdade. "Eram 18 horas e 30 minutos quando estiveram aqui". Secretamente haviam alterado os ângulos dos ponteiros e adiantado os relógios à mão, as três pestes.

Soberba essa invenção do segredo como o sagrado do ambiente público, e da sociedade secreta, a associação de surdina e geradora de códigos, senhas e submundos, tal o veículo privilegiado para estabelecer horários paralelos e presenças alternativas para que cada pequena mentira seja contada para evidenciar a verdade subjacente que é a ordem que liga. Suprema câmara escura da vida privada, coisinha linda do pai do mundo burguês. Boudoir! (não é peculiar que boudoir, assim, exclamado e só, parece um cumprimento?).

Junto a esta invenção veio outra, que é a do infinitesimalmente pequeno do poder, também coisa de burguês (que não tardou em gerar sua fissão pequeno-burguesa, lembrando que o infinitesimal também se gera numa escala evolutiva). Tão pequeno o segredo se fez que por forças as mais sutis e lentamente capilarisadas ocorreu uma primeira reunião microtemporal dos Infinitamente Pequenos da Cabeça, ou Os Menos que Um (em ano ainda desconhecido documentado por Pedro Viadiño), cujo coletivo desmembra a alma em pequenos núcleos gerenciadores da memória, fazendo de cada reunião realizada a portas fechadas e com delicados e cuidadosos códigos de decoro um evento a esquecer para que se pudesse promover os atos de lembrança segundo sua forma acabada de publicidade. Desse espaço público infinitesimal, chamamos de consciência. Há quem chame de ação social. Já eu, eu prefiro deixar um ressoar no outro. Só por conveniência, ou por falta de nome melhor. Já os tempos de reunião dos Infinitamente Pequenos da Cabeça, ou Os Menos que Um, não chamamos pelo nome, e para que agrupemos os detalhes estranhos deixados pelas reuniões, como as camisinhas usadas na lixeira, as fotos nossas cheias de anotações com canetas Pilot e organogramas conectando pirâmides com genitálias, mulheres correndo com lobos, pais e filhos, e macacos depilados vestidos de Britney Spears, chamamos por um nome adequado às lendas urbanas. Chamamos, também por carência e não por opulência, de inconsciente. Mas inominável que é, quando chamamos para depor, o inconsciente não vem. Está fora de jurisdição. E o emissário que por ventura vier, e quando vier, não dirá nada que faça sentido. E quando fizer sentido, logo esqueceremos o que diabos ele disse.

Tudo delicadamente arquitetado. Resta saber por quem.

(nota de tradução: 'resta', traduzido do português, pode significar jazer, o que implica em uma ambigüidade insolúvel quando traduzimos a palavra para o português)

traduzido por Refrator de Curvelo

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