segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ficção ilegal sobre a Sigla do Arco-Íris

Há tempos em que se chamaria encruzilhada. Hoje moral, já foi coisa de caminhada, com traços de outras rodas que não a do mascate que lhe lançou uma maldição fraca, das de brochar por uma ou duas noites, ou de sangrar nas vestes um sangue ruim. Antes ainda, ou ao mesmo tempo e depois, ouve de cruzar dois paus com vistas na santificação e, após algum período de convenção, multiplicação. Mas hoje, encruzilhada moral.

Gosto de pensar no casamento. Até porque, sói aos casados. Mas não assim. Penso na diligência diante do erro e das coisas que se pode fazer quando da contingência – e como há coisas demais a reconhecer. Pense-se em algo a recriminar. Algo a aprovar. Daí, ao constituir o crime e a boa conduta, fazê-la valer como ordem. Nada mais impossível do que isto em tempos de então, essa onda que não passa. Vale adiantar essa conversa, pois tem a vê, embora eu não saiba como, com o reductio ad absurdum do nacionalismo, esta forma de confundir mapa e território.

Então seguimos com a forma. Há criminosos. Há os de-bem. Não basta, e não se vive assim, não mais. Há o permitido, há o proibido e há a reserva. E aí, assim como houve de eu escrever sobre os pepinos, há a reserva. E nisto, começo a revelar que esta mensagem é uma confissão.

Não sou homossexual, ergo não apoio o modo de vida. Apoiasse, praticaria.

Entendamos esta afirmação.

Não quero viver com intimidade demais. Exijo certa distância e trato formal, na maior parte dos casos. Vivo por via dos graus de separação e entendo isso como atividade de guerrilha. O casamento em que me entendo é assim, uma marcação de distância ainda na intimidade. Há coisas que não quero saber e, assim, não faço questão que saibam. Não é assim com todos de forma homogênea, mas na desigualdade da distribuição de cada uma das culturas à qual tanto se referiu Eric Wolf. Assim, homens e mulheres, diferentemente, e por perto. Maior intimidade às mulheres. E assim me sinto vivo.

Mas o que faz com que eu não legisle em favor disso? Não tem nada a ver com apoio a uma causa, uma bandeira, um desejo de maioria como a que se manifesta por todos os cantos. O que está em questão é outra coisa. Por quê eu não legislo em meu favor e abro meu peito com uma pintura em favor ao casamento heterossexual e contrário ao homossexual – sem jamais defender que homossexualismo seria crime?

Não que eu goste de Jean Willys, mas há coisas em que há de se ter razão. O casamento como marca reguladora do sexo consentido é coisa séria, e diz respeito a outra coisa que não a bimbada dada no dark room de uma rave. Diante da igreja católica apostólica romana, ao menos na única cerimônia que gostei, o casal casa firmando acordo com a comunidade, dispondo o casal às regras do entorno, que são de ordem moral e, por isso de censura a uma variação respeitável de condutas; sexuais inclusive. E isto, em tese, inviabiliza o casamento civil no qual constam dizeres muito mais sutis do que a união fatal – ainda que a inspiração carregue tanto a cerimônia morna quanto o envolvimento do casal. Mas o movimento tem dois lados. O casamento civil é pautado pelo desejo manifesto de casar ao mesmo tempo em que não assume compromisso com o desejo extra-conjugal, ou qualquer outra regulagem da vida exterior ao desejo de residir e dividir os bens de cada um. Não há dote. Há o que há e só, ainda que nada. E isto é importante, pois não há legislação sobre a atividade sexual de qualquer – salvo quando da violação do corpo alheio. Assim, homossexualismo não é, e não pode ser proibido, exatamente como qualquer aventura nas ancas da vizinha.

Mas como a disputa parlamentar deste ano quer demonstrar, e aí Jean Willys é um papel de tornassol tagarela, a união civil homossexual também não é legal no que diz respeito aos direitos econômicos, aqueles mesmos que não impedem que um homossexual seja contribuinte. Ora, se o Estado na forma da lei não discrimina a vida sexual de alguém enquanto contribuinte – e esta é uma das formas em que se pode identificar que o homossexualismo não é encarado como crime -, o mesmo Estado ao estabelecer critérios assim diferenciais de dedução de impostos não reconhece o suporte e arrimo financeiro em caso de união homossexual. E aí a coisa se mostra como a única face perene da noção de cidadão de segunda classe, mascaradas pela parafernália tosca da retórica de Jair Bolsonaro que não tem coragem de dizer palavra pela ilegalidade do homossexualismo, coisa que ele não quer.

O impedimento do pleno reconhecimento dos direitos econômicos de todos os cidadãos no Brasil de 2011 tem sua face mais expressiva – e exatamente por isso, é uma careta – na lógica da reserva que impede que sequer seja formulado um projeto de lei que tornasse ilegal o exercício da orientação homossexual. São contabilizados os possíveis contribuintes e a parcela da População Economicamente Ativa, oferecendo o resultado de um país inviável em todos o sentidos no caso de um projeto desses vir à luz. Nisto, então, é melhor não mexer. E mais. Fazê-lo seria invalidar os princípios do casamento civil e, por conseguinte, levar de volta às mãos da igreja a legislação da vida sexual. E a pergunta que não quer calar, ao menos aqui... na verdade ela está quietinha, mas eu quero escrevê-la, é: qual igreja vai controlar a ordem matrimonial? Mas isto também não importa. O que importa é que o regime de casamento, os termos de adesão de contrato, legisla sobre o direito econômico que, por sua vez não pode legislar sobre a vida sexual do cidadão, salvo quando crime e, todavia, o faz ao restringir seu pleno acesso a um grupo significativo de cidadãos. Aponta para a população que é, até então, a da cidadania de reserva – nem plenamente legal, nem plenamente ilegal. E isso é o que não pode ser.

Da minha parte, voto pela legalidade plena de forma que se diminuam as fileiras da polícia secreta do mau-humor.




(mais sobre isso, vide o Aforismo de Merda, na postagem abaixo)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Da série "Aforismos de Merda"

Há muitas idéias, várias das quais não sabemos para quê. Ainda assim, é melhor tê-las, ao menos enquanto um grande monte de mato e ervas receber o nome de reserva.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Fantasmas assim...

http://www.boston.com/bigpicture/2010/08/russia_in_color_a_century_ago.html?ref=nf

Vi estas fotografias e escrevi, logo em seguida, para meu amigo AMPereira, professor da UFBA e biógrafo inédito de um turco-argentino por aí:

"Juro que ver essas fotos foi uma das experiências mais difíceis de "suspention of disbelief" que já tive. Não havia tantas cores, salvo quando mediadas por um pincel. Isto, caro AM, é algo que não pode ser. Assim, talvez sejam as fotos de fantasma mais genuínas que já vi na vida."

Só gostaria de compartilhar. Até porque, é lindo. Tarkovski certamente aprendeu por aí, assim, desse jeito. Atentem para o moleque sentado no gramado, sozinho, e o cachorro dormindo, que AM jura ser sua encarnação passada - até então o dado mais verossívil que disponho sobre estas fotografias.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Critério da Maioria

Há séculos que isto é um problema, em especial quando o conceito de massa saiu das cozinhas para atingir considerações sobre a vida política. Massa, a.k.a. pretume de gente, indistinção da vontade, ação anônima, etc. Há quem tenha entendido que a irresponsabilidade da ação civil, em sua coloração política tenha seu problema aí. Há quem chame de anomia cada ação em que esta força indistinta fala "não", ou pior, “sim”, por aclamação. A questão é sempre: quem?


O problema é revestido por um outro verniz, muito diferente de qualquer indisposição com a ação civil que, por si só não assume esta forma. A ação civil numa sociedade em que é possível a irrupção das massas não tem correlação necessária entre si, digo, entre ação e ação de massa. A massa opera quando se manifesta a ordem catastrófica do critério da maioria, quando a mera contagem de cabeças define, ou faz aceitar as mais estapafúrdias resoluções – ou recusá-las. A maioria quer, portanto é assim que será feito. E é difícil recusar esta marca sem que se pense em tirania – e mais difícil ainda entender que a manifestação da maioria pela maioria é, à sua forma, tirania por si só. E a maioria se manifesta de diferentes formas, a maior parte – olha a maioria - delas confundindo o que tem o apelido de “a voz do povo” com cacofonia histérica de bandeirola. Sem haver quem diz, não há o que ser dito, na era do relativismo irresponsável.



Peguemos um caso de, digamos, benfeitoria majoritária. Um projeto de investimento que define diretrizes de consumo energético numa lógica de consumo irresponsável. Irresponsável porque investimentos são contabilizados como gastos – mas que não se conte o investimento do projeto como gasto; este sim, é investimento; na era das massas, o investimento que é investimento é chamado de “investimento estratégico” -, futuro é pensado como crescimento (olha a massa!) e população é entendida na lógica da maioria – razão idem. Daí aparece a noção de um investimento em prol da maioria, que para tal exige o sacrifício de uma minoria. E aqui eu peço, por favor, que não entendam minoria segundo o jargão universitário. Estou falando de partes maiores e menores de uma contagem de cabeças numa paisagem povoada por pessoas. Próximo passo: exige-se o sacrifício, cujo número é de 40 mil pessoas, em nome do bem das demais contadas em milhões. Daqui, entende-se um sistema sacrificial delicado, cuja lógica é a de trocar corpos por pepinos e, daí, oferecer à maioria sua própria substância: a maioria. Que, diga-se de passagem, não é ninguém. Explico-me.



Há na obra de Claude Lévi-Strauss (o da antropologia, e não o da calça) um esquema semiológico de redução do ente sacrificado disposto em ordem cósmica em que o mesmo apareça como substituto. Isso mesmo. Como substituto prototípico e só. Assim, pode-se colocar um pepino no lugar do destinado a morrer num ritual, desde que se ressalte a economia semiológica que defina a relação metafórica e faça a conexão precisa que demonstre em lugar de quem que o pepino está sendo sacrificado. Sei que parece absurdo, mas é pedagógico, tanto em O Pensamento Selvagem quanto, espero, aqui. O que entra em questão quando a ordem da maioria é posta é que é preciso desenhar com clareza a situação que relaciona a minoria a ser sacrificada, feito um pepino, em nome dos demais que, por causa de sua situação inconteste de maioria, deve permanecer com seu futuro inatingido – entenda-se futuro como crescimento. Da massa.

No caso de sucesso começa-se a entender quem é a maioria, e qual é seu corpo, nunca pronunciado. Ele é um corpo diretivo que tem suas prioridades definidas segundo esta mesma lógica sacrificial que permite que se opere a morte em massa, desde que em nome de algo maior. Maior. E porque deste jeito? Não sei. Mas gosto da história contada por um alemão chamado Simmel, de que o sacrifício é um adiamento da satisfação do desejo com vistas na consumação futura. Este mesmo alemão convertido em protestante narra uma historiazinha em que há etapas de concretização do sacrifício como formação da atividade simbólica que constitui sentido, digo, atividade simbólica. E aos poucos, a massa começa a aparecer de forma irreversível. Assim, se eu cometer penitência, a mesma passa a ter valor; mas no caso em que há pessoas demais e que eu existo somente como mais um, o sacrifício é essencialmente subjetivo, pessoal e intransferível, aniquilando o efeito do exemplo de comportamento para a ordem coletiva. Então, o que é objetivo, isto é, disposto à ordem comum é coisa que ultrapassa a ação pessoal e se transfere para sacrifícios envolventes, que conduzem aos adiamentos perigosos grupos de pessoas cada vez maiores. Se quatro pessoas afetam mil, 40 mil afetam milhões. Foi assim que este alemão cristão-novo aplaudiu o começo da Primeira Guerra. A sociedade de massas requer sacrifício de massas para gerar distinções históricas que permitam a narrrativa de um antes e de um depois sacrificial, como seria o caso judeu, ou mesmo da juventude alemã. Mas na lógica da maioria, quem é sacrificado é o pepino – isto é, outros milhares em nome dos existentes milhões. E daí percebemos que a maioria é sempre o futuro em nome do qual estamos para morrer, pois a maioria não tem corpo. Ela somente espera a morte do pepino.

Tá bom, eu sei. Nada disso faz sentido. É uma história absurda. Mas é nela é que se enquadra a lógica da ereção da usina de Belo Monte, essa coisa absurda desenhada para as bandas do Rio Xingu. Índio é pepino.