(este não é um texto apologético)
Jovem. O mundo é grande. E houve o dia
em que falou sobre a vida, a mesma que, à forma dos metrôs distribuídos pela
cidade e que serviram de mote para o diagnóstico de que a população havia
perdido seu lugar para o trânsito avassalador de coisas grandes feito trens,
todos, com seu mode d’emploi. Pode
não ser à toa, pode ser peculiar que a forma de entrar na vida seja o paraquedas
que tem um sistema de anti-falhas que pode, todavia, falhar. Mas é
significativo que Georges Perec tenha escolhido o anteparo de uma coisa para
dizer que para entrar na vida é preciso saltar. Quando abrem-se as portas para
o salto, é preciso fazer a escolha com relação à qual não há nenhuma razão para
definir se é melhor ir ou não, e que a única coisa que discrimina o salto à paraquedas
e o suicídio é a confiança numa coisa. E é preciso se lançar.
No final das contas, Perec se
assemelha a Claude Lévi-Strauss que, em uma entrevista a Bernard Pivot
discrimina dois momentos da vida de antropólogo. Primeiro, como a paixão por
aventuras participa, ainda que de forma subsidiária, de sua decisão de
abandonar o ensino e o estudo da filosofia. Obviamente que tudo o que veio
depois, em especial sua relação com a mitologia dos povos americanos terem se
convertido em uma filosofia ameríndia, desmente um tanto a afirmação do
abandono. Logo em seguida vemos que o que Lévi-Strauss tinha em mente com
aventura se resumia, no mais, às atividades de camping postos num jogo delicado
com sua imaginação ativada por um ou outro diário de exploração que, de uma
forma geral já viviam no sistema da administração e do relato posto sob alguma
forma de controle que os aproximaria da prosa etnográfica que o próprio Claude
Lévi-Strauss viria a estabelecer, à forma dos exercícios de filologia. E então
descobrimos que Lévi-Strauss, entre a aventura e a rotina, havia definido seus
movimentos relativos a sentar e ler tudo o que fosse possível. A aventura da
razão, diriam, e a qual, por maior que seja, me obrigo a colocar entre aspas. “L’aventure", cher professeur.
Obviamente que entrar na vida é
coisa diferente do suicídio, posto que no organograma das operações de trânsito
no edifício enorme que parece ser o mundo, sua marca se encontra nas vias
impróprias para a fuga. Suicídio é um método de entrada, e não de saída. Mas ao
mesmo tempo, o paraquedas com relação ao qual Perec, em uma conversa com Jean
Duvignaud, se diz diminuído. Não que o paraquedas o diminua em si, mas a
situação que reclama a presença do paraquedas o diminui a saltar ou não. É no
momento em que simplesmente il faut se
lancer que precipita aquilo que se dá como intransferível. Il faut que je. É preciso que Eu, quando o impessoal desaparece e que, na
decisão de saltar, tudo se resume na mera confiança posta em uma coisa posta às
costas pesando grosseiros 15 quilos.
Em Les choses, Perec mostra ser um tanto mais aventuroso quanto mais
afeito ao tédio é. É neste romance em que ele mantém a regra de contar a vida
de um casal típico dos anées 60 -
cuja semelhança com o casal que logo sou me assusta um outro tanto. Reside no
14e Arrondissement, vive a vida sem salários, uma pequena fortuna experimental
por vez reduzidas a jantares, passeios e viagens, o tipo de aventura com data e
hora para acabar cuja descrição não se permite exceder o organograma da rotina.
O cenário é exaustivo, descrito com a meticulosidade que um etnógrafo deveria
ter, o mesmo etnógrafo cuja tarefa infinita Lévi-Strauss declara na mesma
entrevista a Bernard Pivot, não ter qualquer vocação. Mostra-se que a aventura
é outra coisa. Aos poucos, os objetos multiplicados ao indeterminado são
restritos a conjuntos específicos, postos em séries, como as refeições feitas
na capital ou no interior do país, os livros lidos, as lojas mais caras que fazem
as vezes de museus de tudo aquilo que não se poderia possuir. Listas e mais
listas de coisas que compõem a vida, de mais à mais, sutilmente decepcionante.
Há mesmo que dizer, alienada. Mas o lance de dados que faz do salto um
destempero controlado jogado às costas feito um paraquedas que o próprio Perec comparou ao fascismo – il faut se lancer - faz do mesmo, aos
poucos como todas as coisas colecionadas em uma biografia sem saltos quaisquer,
alguma outra coisa. Trata-se, afinal de uma vida cujos sacrifícios está em
adquirir coisas, esta a do casal. Coisas que lhe oferecem coisas e, por vezes,
algo mais – e que isto pode crescer à forma francesa que aprendi, na animation. Obviamente que tudo depende
de um parágrafo, ou menos.
Ils continuaient leurs vie cahotante: elle
correspondait à leur pente naturelle. Dans un monde plein d’imperfections, elle
n’etait pas, ils s’en assuraient sans mal, las plus imparfaite. Ils vivaient au
jour le jour; ils dépensaient en six heures ce qu’ils avaient mis trois jour à
gagner; ils empruntaient souvent; ils mangeaient de frits infâmes, fumaient
ensemble leur dernière cigarette, cherchaient parfois pendant deux heures un
ticket de métro, portaient des chemises reformées, écoutaient des disques usés,
voyageaient en stop, et restaient, encore assez fréquemment, cinq ou six
semaines sans changer de draps. Ils n’étaient pas loin de penser que, somme
toute, cette vie avait son charme.
É
quando, ao invés de Eu saltar de paraquedas, salta-Se nos paraquedas, no prazer do sofá. E tudo isso me lembra um poema de Charles Beaudelaire - um dos dois que não me saem da cabeça.