REICHLER, Claude. La diabolie. la séduction, la renardie,
l’écriture. Minuit. Paris.
1979.
_____________________.
L’Age Libertin. Minuit. Paris. 1987.
SHAPIN, Steven. A social history of truth : civility and science in seventeenth-
century England. University of Chicago Press. Chicago/London.
1994.
4-
« Le libertin honnête doit savoir préserver
l’autonomie de son for intérieur tout livrant son MOI social aux effets du
dialogisme, et découvrir l’autre dans ses retranchements. » (Claude Reichler,
L’Age Libertin)
Posso jurar dizer a verdade.
Bradar com todas as minhas forças, inclusive aquelas que em nada tem a ver com
os músculos que me permitem falar. O juramento não altera o estatuto do
problema de que dizer a verdade é uma aporia e que jurar não muda seu estatuto
salvo como expressamente aceito. Jurar pertence ao campo performático em que o
que é dito não descreve coisa alguma e que, portanto, não está sujeito a
verificação e, por isso, tampouco ao falseamento. Posso não dar crédito a quem
jura e isso em nada tem a ver com o que se disse – “eu juro” – mas sim com
outra gama de relações. E isto não permite que eu possa voltar à primeira
expressão com maior ou menor felicidade.
“Eu disse a verdade” também
não acrescenta a qualquer descrição informação alguma quando digo; “a língua pirahã opera sem quantificadores”,
ou “não existe avaliação estatística
válida que opere somente com duas variáveis”, ou mesmo “o livro está sobre a mesa”.
Assim sendo,
a ênfase e o juramento só atestam minha convicção e minha disposição em atestar
comprometimento com o que eu disse sem que tenha aprimorado qualquer elemento
rumo a uma maior especificação quanto ao evento ou objeto descrito. De uma
certa forma a sentença original segue no escuro ou, na melhor das hipóteses,
sob a luz disponível. Há quem diga que responder a uma sucessão de proposições
válidas expostas de forma, e na ordem adequadas poderia oferecer algum grau de
correspondência algo satisfatória. Ao mesmo tempo há aqueles para quem o
juramento terá bastado. Ainda assim, há um componente delicado que implicará
numa economia política do discurso pois, se por um lado aceitar o juramento
pode soar ingênuo, por outro lado aceitar a mera existência de algo como
“pirahãs”, “estatística e variáveis” e “um livro sobre a mesa”- o livro, ainda
que conhecido, pode ser uma sorte de gavagai
– atesta igualmente confiança. As sentenças que correm risco de serem aceitas
como verdadeiras são aquelas em que é possível depositar confiança, dar crédito
no sentido rigoroso do termo, servirão para uma troca futura, seja para
utilizar numa segunda demonstração, seja para cobrar a palavra ou a ausência da
mesma, de quem quer que tenha jurado. E é neste nível de elaboração em que
estamos. Importa tanto que uma sentença seja verdadeira quanto ela possa
circular enquanto tal.
Este, quero
crer, é o pano de fundo para uma reflexão que se permite ser uma história social da verdade em que a
justiça a uma determinada sentença é feita na medida em que uma determinada
ordem social se compromete com a boa vida futura.
“Social
order would be impossible unless on were morally enjoined “to stand one’s world
in all promises and bargains”. The foundations of justice was faithfulness, “which
consists in being constantly firm to your word, and conscious performance of
all compacts and bargains”. To be sure, the obligations to keep a promise was
not absolute; for example, if keeping it was likely to injure an individual or
society, one might have no legitimate commitment. And persons “overawed by
fear” or otherwise unfree when they made a promise were not deemed to have
entered into a moral commitment. Yet, like other Greek or Roman social
theorists, Cicero understood that social order utterly depended upon trust
being rightly reposed in morally bound truth-tellers and promise-keepers. Liars
and dissimulators threatened the moral fabric of society: they were “knaves”
and their actions were “attended with dishonor.”(Shapin, 1994:09)
Lembrando
que a dissimulação e a mentira só são uma vez que identificados como tal – o
que demanda haver algum método – é preciso retornar então que enquanto forem
tratadas como verdade, circularão como tal. E é este o território da diabolia
de Claude Reichler no qual o contrato, o acordo é reduzido à mera sucessão de
palavras da parte de alguém que, como num juramento em falso que faz sem
comprometimento interno, subjetivo, com o que foi dito; não juramento falso,
mas juramento EM falso. Falar a verdade, ser reconhecido como tal, caminhar
como um cidadão. Ao sugerir que uma sociedade é uma certa forma de distribuição
dos saberes, do conhecimento implícito do mundo, e que a sociedade opera como
uma certa técnica da razão (me valendo da leitura de Giannotti a respeito de
Durkheim), falar a verdade implica num modo de participação e pertencimento em
uma sociedade específica. Não como determinar imediatamente se estamos falando
de uma determinada sociedade é nacional ou, de outra forma, uma associação de
pesquisadores do cavalo-marinho. A verdade, a despeito da arquitetura soberba
d’A Metafísica de Aristóteles pode
ser somente um vocábulo, um atestado e, por isso, uma moeda de troca.
“Georg
Simmel recognized that truth-telling was “of the most far-reaching significance
for relations among men”, and that social systems varied enormously in their
tolerance for lying and distrust. Very simple societies were said to be
relatively tolerant of untruthfulness, whereas deceit and distrust worked
lethal effects on highly differentiated and interdependent modern societies.
Modern life, Simmel said, “is a ‘credit economy’ in a much broader sense than a
strictly economic sense.” (Shapin, op.cit.:14-15)
Que não se perca o desenho de
vista. Compreender a verdade como moeda de troca e, por isso, implicando-a numa economia política do discurso – como
descrito por Bruno Latour em Science en
Action, ou Laboratory Life (com
Steve Woolgar), ou em Histories of
Scientific Observation, editado por Lorraine Daston e Elisabeth Lunbeck – é
imperativo tomar nota quanto ao sistema de distribuição, isto é, compreender a
rede que o movimenta assim como os dispositivos concernentes ao modo de pôr e
tirar de circulação o que é atestadamente verdadeiro ou, respectivamente,
notadamente falso. Isto leva-nos ao problema de não somente quanto ao saber-saber,
mas também como obstruir e garantir a obstrução de indesejáveis – o que opera
nas variações da censura e da etiqueta. Opera também, e isto não é menos
importante, em uma determinada logística. Esta mesma logística implica não
somente na circulação de discursos, mas de pessoas, coisas e, quando possível,
animais, todos sujeitos à edição e, quando mais grave, censura e até mesmo
excomunhão, como a de Jacque Lacan diante da Sociedade Psicanalítica Francesa.
Isto porque, assim como variam a censura e a etiqueta, variam os relatos que
serão, de alguma forma, postos em graus de confiabilidade – o que seria de “ trust” sem “doubt”? e de “doubt”
sem a crítica, isto é, um método de certificação a posteriori baseada, obviamente, em um sistema a priori?
“Reports
may vary because individuals are differently situated, in space and time (e.g.,
you were not present when the phenomena were on display), because observational
conditions vary (e.g. cloud cover obscured your sight of the comet), or because
others may be observing from different forms depending upon the face which one
looks). One observer or the other may
lack a requisite aid to perception (a telescope or one sufficient quality), or
may, in extreme cases, be suffering a delusionary or hallucinatory condition.”(Shapin,
op.cit.:31-32)
E a condição
alucinante é o primeiro passo para chegarmos a versões algo mais suaves do
problema, para as quais convém chamarmos de interpretações.