sábado, 21 de junho de 2014

O som e a fúria

Símbolo pátrio é de uma tal liturgia
que no momento do hino
só encontra par
- a força da antecipação -
no som do zíper se abrindo.

Inflamável, a trança da mãe - o discurso fúnebre de Herta Müller


MÜLLER, Herta. O discurso fúnebre in Depressões. Globo. Rio de Janeiro. 2010. trad. Ingrid Ani Assmann.

Eu não leio em alemão. E o que leio, soa a Naturwissenschaftslehre, inadequado para ritmo curto das frases testemunhais da prosa literária. Ainda assim, abri o livro. Era para ser uma coisa rápida. E foi. 

Não tive outra impressão senão que se tratava de uma ruiva. E que tudo não seria um grande pesadelo. Mas o Nobel ruiu quando, na última frase vertida para o português, li que o despertador tocou, que era sábado de manhã, cinco e meia. A última frase deveria ser sou ruiva e são cinco e meia da manhã

O sangue escorrido nos ombros na paisagem sórdida da guerra que emoldura o horror do velório, do discurso fúnebre que o conto todavia é, conduzido afinal pelas trança incendiadas da mãe vestida num preto transparente de certo erotismo mortuário. Este conto deveria ser Disgrace, deveria ser um romance, deveria se dar na África do Sul. Era algo enorme e, no entanto, interrompido à moda de um filme ruim, pelo despertador, às cinco da manhã. É só um conto que acaba rápido num tiro de fuzil metafórico.

Ruínas duram muito tempo em um mundo arruinado.

Mais respeito da próxima vez.