quarta-feira, 28 de julho de 2010

Coleção Poema Traduzido

Nos dias de dor,
e de trabalho que é tortura, ou ao menos em uma forma torta de latim,
é que tenho mais coluna.
Muito mais vértebras desdobram, muito mais muito menos ereto.

E não, ela não soa como flauta.
E se soasse seria só o vibrar insútil do quase berro
que hora e vez transborda
dos lábios apressados de um sujeito que toca Aqualung, o Fulano de Tull
sem ouvir nota alguma.
Só se faz ranger a compressão dos ossos em meio ao oco da cartilagem gasta.

Ou

era de abrir a porteira no fim do dia.
no fim do dia.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Macedónio Fernandez Primero; después seguimos abajo el suelo

A geografia de Macedónio é imprecisa e mentirosa. E como tal, e por isso mesmo, é tão precisa quanto as demais. Ou menos. Por exemplo, sua defesa inflamada de uma metafísica prática é insustentável tanto quanto desejável fazendo ao mesmo tempo a elevação a posição prática geral; e junto, a metafísica como um tipo de escudo pelo qual se desnuda a situação de poder viver sem Deus (en caso de seer sin religión) como também sem necessitar ser Deus – metafísica plena, metafísica plana. Macedónio é esquisito e escreve numa Argentina que abriu o século XX como toda-poderosa, cheia de guériguéri, monumental. Sua Crítica del Dolor – eudemonología é um esforço singular, um reclame por atenção. Não sede soberbo, argentino, em especial em tempos de pujança.

Estamos olvidados de que si no la miséria, la estrechez más o menos disimulada y continua y el trabajo rudo es la ley en el noventa por ciento de los hogares en toda la Tierra excepto en períodos locales muy prósperos.

No caso, a Argentina, a aldeia na qual estuda metafísica prática.

Solemos creer que los privilégios propios de la Argentina consistentes em la riqueza de su suelo, ausência de gérmenes étnicos y en cierta medida económico-sociales de conflito y ruina, salubridad en sus circuntancias físicas, benignidad de clima, son extraordinariamente prominentes. Yo declaro que en mi opinión son en conjunto superiores a los de Estados Unidos, Canadá, Australia, Trasvaal, Bélgica y algunos otros países que en la hora actual pueden reconocerse comolas agrupaciones nacionales más favorablemente dotadas por ventajas físicas, étnicas, sociales, y a pesar de poner tan alto a mi patria creo que en un parangón hedónico, es decir, comparando el bienestar y malestar substancial, subjetivo, las diferencias entre las nacionalidades son insignificantes, como son insignificantes las diferencias reales de sufrimento y goce entre los diversos individuos cualesquiera sean las variedades de condición, educación, carácter, poder mental, etcétera, etcétera.
Sea como fuere creo que la crítica del dolor como dirección teórica sistemática, precisa – a nadie habíasele ocurrido hasta ahora que era un problema especial deslindable y que debía deslindarse, extraviado el problema entre esos tejidos de vaguedades con que se componen los libros sobre la Felicidad – es un examen y preparación cuya necesidad todo individuo siente mil veces en las vicisitudes de su carrera hedónica, y opino que tal como la propongo hará que la lectura de estas páginas sea efecto más bien tónico que depresivo, con mejora casi imperceptible pero general en la “actitud” voluntaria.

Talvez surta mais efeito na abundância ler sobre a abundância vizinh@ (e uso arroba para manter a ambigüidade; vocês sabem o que quero dizer com isso) que recorrer a um alemão que já havia formulado os mesmos problemas, o que Macedônio não ignorava. Mas fico com o argentino. Afinal, o español é quase um português. Granada e Gilberto Freyre não me deixam mentir.

Em outras palavras, faz muito sentido a Crítica del dolor quando lida em ano eleitoral, especialmente quando o ano é 2010, quando todos os valores substanciais são subterrâneos. Literalmente.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Granada, cegueira y dolor: segueira

Fui-me e voltei-me para quem hora e vez veio sentar-se ao meu lado, ainda que com dois ou três corpos de distância. Fui-me várias vezes ao voltar-me com a fronteira espinhosa, farpada mesmo que se armava nos lados de fora e ao voltar-me, seguia adiante. E isso é coisa sintomática, voltar-se para seguir. É forma precisa de o caminho virar do avesso, fazer das peles o intestino e por as fezes adornando a face aguda que contorna a nova boca da carne repuxada. É feio de falar e não dispões de muita visibilidade. Nem grotesco parece ser, sendo muito mais o sinal claro de atropelamento. Mas é como ao ir, se vai por voltar-se para lá, para o lado, ainda que à frente. Voltei-me para Granada, por exemplo, ainda que estando por lá pela primeira vez. Nunca havia, nem se por hipótese, eleito qualquer direção para a qual punha meu rosto mirado de forma a refletir “volto meu rosto para Granada”. Quase não existia para mim, esta cidade cuja Al-hambra povoa muitos dos meus sonhos de arquitetura, que desenha muito claramente vários sentidos do poder sentido. Afinal, o que é fazer Al-hambra, erguer o Palácio Nazaríes e mais o ajuntamento de torres, pedra-a-desenho? Quanta gente em torno de tão pouca gente, figura máxima da aristocracia? E mais, como é possível que tenha voltado-me para Granada quando fora ainda a primeira vez?

* * *

Duas idéias ruins, antes e durante Granada. Ler a Crítica del dolor de Macedónio Fernandez e perceber que ser roubado não é exatamente isso, ou não necessariamente. Para tal não basta ter. Pode ser indispensável dispor à desapropriação. Num roubo alguém pode ceder. E aí seguem sua vida adulta uns 30Euros numa situação que, não fosse o crédito improvável de uma velha cega de um olho com galhinhos de alecrim-robusto... Bom, deveria ter advinhado que os primeiros 10Euros do montante não voltariam uma vez que amassados na mão direita que apertava aquela bolsinha decerto infame, vermelhosa e inadequada. Ninguém que amassa uma cédula está disposta a devolvê-la. Mas que não se assome à idéia de que eu perdi dinheiro assim, tão simplesmente – não foi somente ingenuidade. Repito. Não foi somente ingenuidade, assim como nenhuma idéia, revestida de sua persistência improvável é só uma idéia. Perder dinheiro é algo que todo viajante deve estar disposto a fazê-lo, ainda que não o tenha. Deve estar disposto ainda que diante de uma prática tão velha e cegueta quanto a eficácia quiromântica cujo efeito que promove, na pior das hipóteses, não é o medo. Ao menos, não o medo da cegueira ou da quiromântica. En Granada el medo fue Del Alrededor. Perder o dinheiro, só a raiva assume o controle de algo.O pior contudo, foi ouvir sua péssima leitura de minha vida amorosa e eu então não ter respondido como deveria, encarnando o esprit d´escalier. Não disse: mentirosa estúpida. Uma loira, uma morena, ambas altas, um amor tórrido, e sequer uma palavra sobre uma certa nissei casada comigo há doze anos – me narrou como um moleque querendo foder na Espanha. Nada mais decepcionante que a decepção mística.
Mentirosa estúpida. Parece que fiquei doente só para conhecê-la, passei na febre uma sorte de crítica del dolor.