Tenho amigos a favor da pena de morte. Inimigos também. Em
geral, religiosos, nunca da mesma denominação. Fico pensando porque eu , ainda
que compreenda existir o homicídio como uma relação animal possível, seja tão
serenamente contra a pena de morte. Descobri que talvez eu não seja.
Acabo de ler sobre Lutero e a instituição da igreja luterana. De como as relações com os principados partira de um afastamento teológico completo para uma noção delicada de tolerância religiosa que visa aquilo que toda igreja monopolista almeja: o monopólio. Espalhar a Palavra a partir da ortodoxia, constituindo assim um parâmetro universal tanto para a realização da Graça por via da irmandade produzida no seio da Igreja quanto uma forma de definir o comportamento correto pautado a mesma seara da evitação e expiação dos pecados. O ascetismo e a legislação concebida por via do Evangelho parecem poder oferecer uma noção rigorosa de conduta, mas ao mesmo tempo afastada do controle governamental. Ledo engano. A Igreja produz efeitos mundanos exatamente para garantir as condições para que a Palavra seja propagada, e deve criar seus pares, germanos e rebentos de forma a serem eles mesmos propagadores seguindo o mesmo ímpeto que conduz a formação da ratio estudiorum jesuíta. É preciso conduzir. E nisto acontece aquilo que todo defensor de sua própria vida chamaria de percalços. Da excomunhão de pessoas que não saldam suas dívidas monetárias, tal como nota a história da cristandade em um de seus capítulos, a relação entre igreja e território que participam não somente da imaginação mas da própria condição para a fé na Europa dos séculos XVI e XVII demandaram não somente uma sorte de aliança entre Lutero e uma gama de principados, especialmente no caso de Wittenberg, quanto a reforma da relação entre Lei Positiva e Evangelho que o mesmo Lutero, quando novo, tanto se esforçou por querer evitar, por acreditar no Evangelho, na influência da Palavra, na força dos sentidos da Graça. Isso não sobreviveu às agruras do território de forma que a oferta moral de reformar a Igreja conduziu ao longo do tempo uma reforma da condução do Estado. Os principados que aderiram ao luteranismo no jogo agressivo do espaço moral e dos jogos de batalha introduziram as variações administrativa do inimigo potencial. Penas como a prisão perpétua e a pena de morte fizeram parte das novas determinações que, no final das contas, não são tão novas assim. A Lei Natural que estabelece a forma pela qual as sociedades humanas devem constituir o governo segue na defesa da religião do Estado conformada no modelo de Landeskirchen que mal começo a conhecer, o que não está previsto naquilo que Lutero alguma vez redigira, mas responde a alguns dos anseios e efeitos da ética protestante em sua germinação. Proteger dos pecados, proteger dos pecadores.
Acabo de ler sobre Lutero e a instituição da igreja luterana. De como as relações com os principados partira de um afastamento teológico completo para uma noção delicada de tolerância religiosa que visa aquilo que toda igreja monopolista almeja: o monopólio. Espalhar a Palavra a partir da ortodoxia, constituindo assim um parâmetro universal tanto para a realização da Graça por via da irmandade produzida no seio da Igreja quanto uma forma de definir o comportamento correto pautado a mesma seara da evitação e expiação dos pecados. O ascetismo e a legislação concebida por via do Evangelho parecem poder oferecer uma noção rigorosa de conduta, mas ao mesmo tempo afastada do controle governamental. Ledo engano. A Igreja produz efeitos mundanos exatamente para garantir as condições para que a Palavra seja propagada, e deve criar seus pares, germanos e rebentos de forma a serem eles mesmos propagadores seguindo o mesmo ímpeto que conduz a formação da ratio estudiorum jesuíta. É preciso conduzir. E nisto acontece aquilo que todo defensor de sua própria vida chamaria de percalços. Da excomunhão de pessoas que não saldam suas dívidas monetárias, tal como nota a história da cristandade em um de seus capítulos, a relação entre igreja e território que participam não somente da imaginação mas da própria condição para a fé na Europa dos séculos XVI e XVII demandaram não somente uma sorte de aliança entre Lutero e uma gama de principados, especialmente no caso de Wittenberg, quanto a reforma da relação entre Lei Positiva e Evangelho que o mesmo Lutero, quando novo, tanto se esforçou por querer evitar, por acreditar no Evangelho, na influência da Palavra, na força dos sentidos da Graça. Isso não sobreviveu às agruras do território de forma que a oferta moral de reformar a Igreja conduziu ao longo do tempo uma reforma da condução do Estado. Os principados que aderiram ao luteranismo no jogo agressivo do espaço moral e dos jogos de batalha introduziram as variações administrativa do inimigo potencial. Penas como a prisão perpétua e a pena de morte fizeram parte das novas determinações que, no final das contas, não são tão novas assim. A Lei Natural que estabelece a forma pela qual as sociedades humanas devem constituir o governo segue na defesa da religião do Estado conformada no modelo de Landeskirchen que mal começo a conhecer, o que não está previsto naquilo que Lutero alguma vez redigira, mas responde a alguns dos anseios e efeitos da ética protestante em sua germinação. Proteger dos pecados, proteger dos pecadores.
Mas eu não
sou fiel e sou de uma ignorância atroz no tema. Isto que redigi acima indica
que, no final de contas, eu deveria me ater àquilo que eu de fato conheço e me
entregar ao alcoolismo. Todavia, a pena de morte ainda me é um assunto caro,
como tantos os outros que envolvem a morte, especialmente a morte alheia.
Porque justificar a pena de morte a partir da variedade religiosa me parece um
exercício interessante, especialmente partindo do fato de que tudo aquilo que
não conheço pode ter supremacia. Como eu não sou fiel e serei acusado de falar
do que não entendo repetindo a gama de acusações daqueles que sugerem só
existir pensamento na primeira pessoa, é preciso dizer o que é que me incomoda.
A religião
em geral e a fundamentação dos costumes em pura religião é dos exercícios
intelectuais e de dedicação mais apaixonantes que conheço. Não pratico por uma
só razão que é a deficiência de formação que tenho, a mais completa falta de
erudição necessária para tal. Contudo, à luz do relativismo mitigado de
Marshall Sahlins, existe uma grande diferença entre refletir sobre a religião
em geral e advogar pela religião em geral. E essa diferença pode ser encenada
num drama recente que posso narrar em primeira pessoa. Ou quase.
Duas semanas
antes de uma viagem internacional que vim fazer, descobri que minha
esposa estava grávida. Não por nenhum método divinatório ou
inspiração, mas por sua própria voz. A viagem se deu, e tomamos todos os
cuidados possíveis, ou seja, ou quase. O bebê quase resistiu à vida, mas veio a falecer ainda em seu ventre tendo sua condição vital revelada em uma maternidade que nos comunicou a morte em francês.
Imediatamente o primeiro e o mais repetido consolo fora a de que isto é normal,
que é uma forma de dizer que é uma condição geral da primeira gravidez e que
nada de errado de fato aconteceu. Ou quase. Era meu primeiro filho no ventre de
minha esposa e toda a regularidade do evento comparado com as outras
perdas de filhos não me permite negar
que se trata, por fim e ao mesmo tempo, de um momento de exceção. Era, não o
filho dos outros, mas o meu. Ou quase.
Há
uma frase que ouvi da boca de alguém por quem não nutro simpatia, mas a frase é
reveladora. A diferença só é importante como conceito quando é intolerável e a
condução do luteranismo primitivo em Wittenberg é lúcido em mostrar que quase
não há possibilidade em tomar uma decisão, em fundamentar uma ordem jurídica do
ponto de vista da religião em geral, a não ser que a religião em geral possa de
fato dar as caras na sua forma intolerável: a do inimigo. Assim, exercício da
religião comparada e as forças do todo religioso parecem ter um freio
interessante que me propõe um exercício de imaginação que gostaria de propor.
Imaginemos que a pena de morte, por estar prevista e endossada pela maioria das
religiões – o que eu não sei; desconheço – seja por fim razoável, e este
anteparo da religião em geral é de alguma forma suficiente para estabelecer a
autoridade do juízo em questão e, por conseguinte sua devida correção. Nisto,
talvez uma cautela mereça atenção para que tudo isso não soe à legislação em
causa própria. Quando os favoráveis à pena de morte só puderem ser julgados
pelos seus adversários, especialmente em termos religiosos, mas também em
termos de projeto de poder e se dispuserem a serem condenados à pena capital
proferida por aquele que é, diante daquilo que determina a razão de ser das
religiões monopolistas, o seu inimigo, eu penso em reconsiderar a minha posição
com relação ao caso. Julgado e condenado à morte, talvez aceitasse ser
condenado pelo governo, inimigo por definição.