terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Aos amigos que se foram.

Ando tendo pesadelos.

Dos que atacam os humores e fazem do sono um entrecortado de detalhes ranzinza e acinzentados sem jamais atingirem o acabamento das costuras que os faria colcha. Retalhos que não chegam a cobrir mais que um palmo de pele e só fazem aproximar os mosquitos.

Esse tipo de pesadelo.

Não sendo traumáticos ou conduzidos por qualquer outro fantasma, como os que vez por outra acordam minha avó com informações privilegiadas que as fazem rezar diariamente para nunca mais as receber; o que me assombra é a mera incidência que corta o sono dizendo simplesmente que ainda não - a história da paz de espírito narrada pelo escrivão Bartleby.

Esse tipo de pesadelo.

Que me interrompam os sonhos ou mesmo pior, que me façam antever o momento cru de minha morte em meio ao Grande Tiroteio. Que agridam os sentidos e transforme os olhos, cansados e doloridos em matéria arenosa e leniente. Porque o que me assusta não é o que, por me dragar para um universo que não desperta, possa me prender num devaneio digno de um filme de terror. Isso seria somente um pastelão à bolognesa. O que assusta é ser jogado de volta tantas vezes, uma a uma, durante toda a noite inútil e, por fim, rever os amigos e o tempo, o que fizemos de nós, desistentes por um ato de prevenção.

Esse tipo de pesadelo.

3 comentários:

Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um) disse...

"When a Cherokee has dreamed of being stung by a snake, he is treated in the same way as if he had really been stung; otherwise, the place would swell and ulcerate in the usual manner, though perhaps years might pass before it did so. It is the ghost of a snake that has bitten in sleep."

James George Frazer, The Golden Bough.

Unknown disse...

Não há lugar seguro. Seriam sonhos e pesadelos gêmeos separados ao nascer, ou só faces da mesma moeda?

Michelle Siqueira disse...

Desistentes por prevenção é uma postura confortável, é o tempo do conforto que vivemos. Do conforto e do prazer, cada qual isolando nas próprias questões clamando que não venham com as dos outros. Conviver com as questões alheias é conflituoso, enche, amolada, e o prazer?, ora... Desiste-se. Nada anormal, nada novo. Mas perder um amigo deixa saudades. E nem sei que qual tipo de perda falo agora.