quarta-feira, 26 de outubro de 2016

PARE EM NOME DA LEI!



           Paramos, então. Não por um minuto de silêncio em respeito à memória de ninguém. Não porque estamos correndo de uma viatura policial que apareceu enquanto fazíamos uma zoada pelo bairro. Não porque ouvimos alguém gritar conosco enquanto, vestido de uniforme, apontava uma pistola em nossa direção. Estamos de costas, não sabemos do que se trata, ainda não nos viramos e a cena, para que tenha poder, está carregada de suspense. Ainda não sabemos do que se trata. Ao não sabermos do que se trata, no entanto, temos desenvolvido o ato de reflexo de parar. E paramos. Em nome da lei. A paralisia movida pela autoridade de uma voz que se levanta na paisagem informa uma série de coisas que nos orienta. Nossa orientação básica, a de pararmos em nome da lei, sugere num sussurro verdadeiramente inaudível que estamos sujeitos àquilo em nome de quê age a voz que emite o comando de pararmos. Esta voz que grita é, por sua vez, um representante da lei que não vimos ainda, mas que se proclama como tal. Afinal, se a voz grita em nome da lei, é como seu representante que age. Não sabemos se ela, a voz, é uma representante legítimo, se a reconheceremos, uma vez identificada, como representante da lei. Afinal, é só uma voz - tudo aquilo que a lei não é, mas sem a qual a lei não pode ser. A única coisa que sabemos é que neste momento, em que uma voz emite o comando para que paremos de fazer o que estamos fazendo em nome da lei, corremos um risco. No caso, de desobedecermos a lei que, todavia, não sabemos qual é. O comando não diz qual lei representa, então induzimos que é A Lei, toda a lei, que está sendo representada por aquele que nos fala. Não sabemos quem é e tampouco refletimos sobre como isso seria possível, como é que alguém poderia representar todas as leis como se fosse somente uma, A Lei. E no entanto, numa relação que transformou o risco em ato reflexo, paramos. Não queremos correr o risco de que seja, mesmo, A Lei. Porque se for, entraremos em confronto com uma autoridade, isto é, alguém que age como representante da lei, alguém que age em nome da lei. E assim, paramos. Ao pararmos nem nos damos conta de que tomamos uma decisão, de que interrompemos um movimento, que cortamos uma frase que dizíamos, que paramos coma  zoada; simplesmente paramos. E ao pararmos, agimos. Em nome da lei. E isso nos faz, imediatamente, também representantes da mesma lei em nome da qual alguém vociferava um segundo antes. E, no entanto, agir em nome da lei não diminui o risco da desobediência.

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