“Entraram, moçada.”
Por fim ele aparece ao lado dos amigos vitoriosos, sorvendo sua cerveja de 300 pratas a garrafa, diante dos olhos incrédulos dos mafiosos.
Houve um tempo, e não exatamente long time ago, que um ambiente digital se dispôs à paródia. Lino (redator-chefe da revista Trip) e seu irmão, Mário (Mário?) montaram um site batizado com o nome Falha de São Paulo. Piada feita, a Folha de São Paulo moveu uma ação contra a Falha.
Mover uma ação contra a Falha, em geral, teria como pressuposto uma forma qualquer de disciplina do corpo visando a correção do espírito, ou mesmo algum tipo de dispositivo pedagógico que reproduz ou inventa uma forma de ordem. Lamentavelmente não é disso que se trata. Como o site se dispunha a fazer paródia, buliu de perto com a logomarca da Folha, que fez passar a piada adiante, tornando-se ela a própria Falha. Queixou-se na justiça de violação dos direitos sobre a marca. Os irmãos Bocchini fizeram sua defesa, com a qual estou fechado. Mas gostaria de ir além, pois há algo que me incomodou.
No processo, disponível no site http://desculpeanossafalha.com.br/ , a Falha, digo, a Folha reclama de danos morais e, não suficiente, recorre à seguinte locução: uso indevido do conteúdo do jornal. Em primeiro lugar, gostaria de saber quais danos morais, e a quem a paródia produziu e em que medida a Folha de São Paulo, ainda que sem parodiar - o que não é verdade; parodia - não faz o mesmo, exatamente porque o fator político da liberdade de expressão não é outro senão o de causar danos morais importantes. Afinal, publicar charges de políticos arranham sua imagem pública, assim como colunistas como Eliane Cantenhêdee Clóvis Rossi não economizam no verbo quando alguém lhe é desafeto ou alvo. E não deveriam, ainda que ache a leitura do que ambos escrevem um saco. A liberdade de expressão é importante porque lesa. E o papel da paródia numa democracia moderna passeia por aí. Tavinho sabe disso muito bem.
Mas o incômodo maior participa da noção de mau uso do conteúdo, pois aí teríamos um universo de considerações a fazer. Imagine-se produzindo uma pesquisa documental sobre as práticas de jornalismo no Brasil contemporâneo. Você escreve uma tese sobre comunicação, capital político e jornalismo e, a partir disto, mostra como a Folha de São Paulo alia ao lay out colorido a uma forma de oportunismo semiótico. Além disso, descobre como o oportunismo do veículo colaborou para se constituir uma relação de aparelhamento do espaço público e a demolição de projetos coletivos por via de ação sistemática contra iniciativas civis de pequeno e médio porte, apoiando a forma de centralização executiva que é marca do país, seu próprio desenho político-institucional. Você publica a tese na qual encontraríamos, além de outras coisas, a fotocópia de algumas páginas do jornal, com manchetes, etc. A Folha considera ser uma Falha do pesquisador chegar a tais conclusões e reclama ser este uso indevido do conteúdo, e não obstante traz em suas páginas a exata logomarca do diário.
Afinal de contas, o que é "uso indevido do conteúdo" de um jornal? E o que fazer, a quem devo processar pelo "uso indevido do conteúdo" estatístico, conceitual e jurídico que a Folha de São Paulo, e o jornalismo em geral pratica diariamente? Ainda faço isso, quero dizer, pego uma matéria "x" que mostra como um evento é determinado por duas variáveis - método utilizado à exaustão pelo jornalismo em geral -, o que estatisticamente é mais que impossível. É uma Falha. Parece-me mais que o erro dos Bocchini foi simplesmente o de terem deixado sua paródia por demais evidente.
Tavinho tem calos nos pés.