quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Durante a seca ou na iminência do inverno



Acho que foi lendo Bruce Chatwin, o migrante clandestino da seara alheia, escritor de O Vice-Rei de Uidá, Utz e Na Patagônia... foi lendo Chatwin, quando figura do escritor de O rastro dos cantos. Todos estes romances tem outros títulos, é bem verdade, e sua tradução embora aqui o seja suficientemente. Na verdade, Utz é como tal, ainda que o sentido escorregue pela língua logo mais, quando digo algo sobre Utz. Afinal, a tradução aparece somente quando acontece. E agora traduzo minha viagem, mais uma, e minhas viagens, num princípio acumulativo que me permite afirmar, ao contrário da simplicidade elegante dos informantes de Chatwin, de que não basta o nomadismo sem o comércio das coisas. É nele, como modo de vida, que o peso escoa.


O rastro dos cantos é um elogio do nomadismo que nenhum pensador contemporâneo e trôpego formularia, pois apresenta aquilo que o próprio Chatwin desenvolveu numa medida menor, porque biográfica: recusar um endereço. Há muitos nomadismos em voga que formulam princípios de uma certa beleza sem custos, ou que todos os custos estariam atrelados a uma forma qualquer de desbunde anarquista, anti-estatizante. Mas não ficar tem um custo próprio, me parece, e demanda certa ciência; digo, certa cultura.


Estou de mudança. Levo livros mais do que os móveis, ainda que mobilidade seja igualmente uma marca do papel encadernado. Mas mais que livros, os mesmos são a marca de minha estadia, de meus tempos diversos e do espaço que ocupam, cujo efeito sanfona é tudo menos regular. Neste jogo, no pormenor destacado, os livros operam reminiscências fortes, o que fiz da vida, com o tempo. Traduzindo, o que fiz com meu dinheiro. Como conquistei e como o fiz circular logo mais, me fazendo desconfiar de que sou, homeopaticamente meu próprio financiador, círculo a ser fechado quando – e se – eu publicar meu primeiro livro. Sem marcas de qualquer exatidão ou movimento certeiro, a mudança tão elogiada pela sociologia local, que se estende por toda a América Latina – isto é, até Paris – é minha forma de permanência. Empacotar, desempacotar, cuja freqüência é sempre proporcional ao tamanho do pacote. Viagens solitárias, para fins de curto prazo, pouca bagagem. Longas viagens, minha vida inteira. E no entanto, sedentário.


O nômade é o que vende, é o que se desfaz e, para fins de contato, não se esquece. Sabe que vendeu, sabe que passou, e esta medida mnemotécnica é uma artimanha dos caminhos. Não é meu caso. Lembrar me ensina muito pouco, porque a coisa está na busca de um bom lugar, e não do melhor caminho para seguir. Não reconheço nenhum nomadismo por aqui, não tenho conhecidos nômades. Minha casa vai nas costas. O cheiro do endereço segue comigo.

Tudo isto escrito, exatamente desta forma, porque assisti a Le Concert e, supostamente o motor de ambas as histórias, é o mesmo: o peso que se carrega com a mudança.

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