quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Autorização

No ano passado, o deputado do PSDB de Minas Gerais, que responde pelo nome de Bonifácio de Andrada, encaminhou o projeto de lei 7913/10, que carrega consigo a brilhante idéia de que as livrarias não podem se recusar a vender nenhum livro de qualquer autor. E caso venham a fazê-lo, devem se reportar à Câmara Brasileira do Livro (CBL), relatório este endereçados ao editor e ao autor da obra em questão. A reportagem que faz emergir esta notícia é do Estadão de hoje, 13 de janeiro de 2011. O projeto de lei é de 17 de novembro de 2010. Bonifácio de Andrada.




A redação do projeto de lei, já disponível no site da Câmara dos Deputados (http://www.camara.gov.br/sileg/integras/818871.pdf) sugere que 1) a mesma, como adendo à lei 10.753 opere em favor da livre circulação da produção intelectual nacional. Disso segue a afirmação de que 2), no caso de uma se livraria recusar em oferecer um determinado livro, deve reportar-se à CBL como exposto acima. Somado a isto, segue que 3) toda livraria será protegida pelo Poder Público, o que permitiria que o mesmo cometa este abuso de interferência muito semelhante à forma de distribuição de impressos do século XIX.




A idéia torpe de Andrada - ou de seu ghost writer, vá lá - é que as livrarias não são meros negócios, pois correspondem a uma atividade indispensável para a vida cultural nacional. Comentar esta verdadeira freada de bicicleta que é este projeto de lei permite que algumas coisas possam vir à baila. A primeira delas é a de uma legislação que não compreende o mercado livreiro em nenhum nível, principalmente no que diz respeito de ser, sim, um mercado. Paga-se impostos, e muitos, nesta atividade. Legislar uma atividade econômica alienando-a de sua própria atividade é patologia bacharel. Mas o mais bizarro é que além de serem contribuintes por comercializarem uma mercadoria depreciada no país, o ilustre deputado almeja que os livreiros do país se resignem a acumular às tarefas diárias o serviço de bibliotecário entendido como funcionário público, redigindo relatórios nos quais constem razões de recusa de uma mercadoria.


A produção agrícola é parte fundamental, para não dizer fundante de qualquer cultura. É daí que vem a palavra. Assim, se um feirante se recusar a vender a batata de um fornecedor porque a espécie vegetal que ele oferece não tem saída, ou porque é cara, ou seja o que for, o feirante precisaria escrever ao Ministério da Agricultura, ou órgão que o valha.



A disposição de obras produzidas no país é papel tanto de livrarias como de bibliotecas - cabendo a ressalva de que o tipo de política pública para o qual mira o deputado não é compatível com nenhuma das duas. Mas fundamentalmente, bibliotecas públicas que, em geral, cumprem esse papel mal e porcamente - como a maior parte das livrarias, por sinal. Afinal, sem a recusa de exemplares, colocar livros em qual espaço? Como constituir um acervo? Mesmo a Fundação Biblioteca Nacional tem um espaço tímido para as funções que promove - além do fato de eu não conhecer nenhuma biblioteca pública que não seja setorial, que não promova descarte de exemplares por economia de espaço; e ainda assim, todas muito maiores que as livrarias que conheço.



O projeto de lei ignora a difusão digital do livro - que oferece riscos ao comércio livreiro, como a queda de liquidez do mesmo; ignora a disparidade entre responsabilidades fiscais e exercício do comércio nas pequenas livrarias; a complexidade da distribuição de livros das editoras pequenas e das editoras universitárias, nunca contempladas com uma medida administrativa razoável que impactasse no preço do livro impresso - ainda que se entenda haver outras prioridades na gestão de infra-estrutura nacional.
A bem da verdade, o presente projeto de lei simplesmente ignora.



Seria muito mais interessante que os livreiros conhecessem e cultivassem interesse pelo material que vendem; que soubessem conversar; que soubessem receber e indicar. Que conhecessem seu ofício. Desejo o mesmo aos deputados, tremendamente deslocados, crianças soltas no mundo, bebês em tiroteio.



Segue daqui um recado amigo, ou no mínimo irônico:



Caro Bonifácio de Andrada;



Para desfilar suas frustrações como autor recusado, e de forma tal que faça da frustração uma atividade pública, escreva um blog, e não um projeto de lei. Just like me.

3 comentários:

Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um) disse...

Repercutindo:

http://drplausivel.blogspot.com/2011/01/posfacio-do-andrada.html

Permafrost disse...

Ref,
É isso mesmo. "Ô Andrada, escreve um blogue aê, meu."

Vc tbm falou uma coisa q nem me passou pela cabeça. Esse projeto de lei supõe q toda pequena editora do Brasil vai ter estrutura pra suprir todas as livrarias do país com pelo menos um exemplar de todo livro de seu portfólio.

O Brasil tem por volta de 3 mil livrarias e 700 editoras. Se o número de títulos novos por ano é 20 mil, então a média anual é 28 livros por editora. Se cada editora teria q suprir as 3 mil livrarias com pelo menos um exemplar de cada livro, então as editoras teriam q bancar a produção e distribuição anual de no mínimo ~85 mil exemplares em média por editora.

Agora, o próprio Vitor Tavares diz q o número de livrarias no Brasil é quase 5 vezes menor do q a recomendação da Unesco (a rec. é de uma livraria por 10 mil habitantes; o Brasil tem uma por 48 mil). Imagine então o Brasil com 15 mil livrarias. Se a média de 28 livros por editora se mantém, então juntando a recomendação da Unesco com a lei do Andrada, as editoras teriam q bancar a produção e distribuição anual de no mínimo ~425 mil exemplares em média por editora, pra suprir cada livraria nacional com apenas UM exemplar de cada livro.

Imagine o tamanho da gargalhada.

denise bottmann disse...

bem dito e bem rido