sexta-feira, 1 de julho de 2011

Flutuação, inércia e atrito zero: em quê concorda o dissenso







Sempre leio que a população indígena brasileira está morrendo, informação esta que é agravada com uma taxa de mortalidade infantil acrescida de mais de 500%. Já li que são as reservas que empobrecem e expulsam índios que já não são tanto. Li também que somos nós que os impedimos que o sejam. Índios. Trata-se do desenrolar da história do capital, trata-se do atravanco da mesma por parte da tradição caduca e romântica. Para estes, que nunca fuçaram os assuntos indígenas, salvo quando o tema é economia nacional, recomendo o silêncio. Mestres em dizer que há índios que já não são índios, parecem muito seguros em formular proposições baseados em nada, ou pior, em muito pouca coisa. Índio que veste roupa e come enlatado já não é índio. Daí, a pergunta: diante de qual tribunal essa fórmula pode ser defendida? Quem foi chamado para depôr? E, num só golpe, quase todos os indígenas mexicanos, bolivianos, peruanos, argentinos e, surpresa, brasileiros, por razões diferentes, deixam de existir. Numa só canetada, permitindo que quem quer que tenha assinado a carta de extinção passeie só, liberal e auto-definido em sua autonomia de consciência. E isto tem nome. Chama-se Reynaldo Azevedo – ou José de Alencar, cuja profundidade da ressonância poderia ir mais além. De outro lado, a figura do índio nu e entregue aos meios naturais demanda esforços nada desprezíveis para serem encontrados fora desta definição, que só preza por ela mesma. A morte das crianças está indissociavelmente conectada à destruição de reservas, sem que possamos definir que esta conexão não é exatamente adequada. A história indígena no país – daqueles que, de quando do genocídio, extermínio e exclusão foram índios por bem; e que para fins administrativos se transformam, à base da canetada, em coisa diversa como “campesino”, “favelado”, ect. – parece não ter lugar que seja seu. Nem o passado escravocrata criou um legado tão perverso quanto este, a de que o lugar institucional, e por isso histórico, de um enorme coletivo de pessoas, é o de ser o que já não é, não foi e não será jamais. Nem em nome de sua defesa. Índio fora da floresta é excluído, injustiçado, etc.. E este é o blog do Sakamoto – ou José de Alencar, cuja profundidade da ressonância poderia ir mais além. Invariavelmente, a noção de existência autônoma, e a elaboração de que índio é o que for, mesmo que não, não tem sequer valor cognitivo para o debate público. Sequer os mortos são tratados assim. Pergunte aos argentinos. Até porque, índio morto - ainda que assassinado - é antes índio do que morto ou assassinado.












Há quem diga que a foto que ilustra este desagravo é sem graça, ocidentalizada, e pouco representativa da diferença para a qual tento apontar. Já eu diria que uma reação como essa, comum e repetida, não é nada além de uma versão de C.Q.D.. Há quem diga que a diferença só importa quando ela é intolerável, ou quase isso. Pois bem. Intolerável parece ser a idéia de que alguém possa estar tão perto e, ainda assim, tão longe quanto uma kaingang estudando vestindo um suéter, tão parecida com uma colega de sala que tive na graduação e, ainda assim, não. Não o suficiente. E um abismo de alguns centímetros se abre que, ainda que à primeira vista indique uma diferença de grau, após a zona do infinitesimal, sugere ser uma diferença de natureza.












Uma kaingang, de suéter, soa à traição.

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