terça-feira, 26 de julho de 2011

Pro Zé Antônio, meu comuna preferido

Ainda livreiro, aporrinhava clientes como o Aviário Portella em busca de sacadas literárias que um gesso formado sociólogo jamais teria. Aviário tecia elogios ao amigo Pablo que colecionava as Cantadas Literárias da Brasiliense, enquanto ele mesmo fazia pouco caso da única coisa que eu conhecia, de fato, no ambiente literário: o trabalho de Luis Costa Lima. Na época, era enorme a plêiade de figuras que destilavam impedimentos e preferências literárias as mais variadas que, exatamente por ter que antecipar macacos velhos em suas preferências já destiladas há décadas, fazia uma corrida contra o relógio de leituras mil, chegando a ler um romance por dia. Devorei poetas para atender (sic) Carlito Azevedo; jornalismo literário por causa do Marechal Costa e Silva; li sobre samba, mulata e futebol por causa do padrinho Zílio Tosta; devorei Eisenstein e Vertov por causa de Hilda Machado e Henry Grazinoli; conheci Boris Vian junto com Paulo Camacho - com quem vim fazer um curta metragem, felizmente inédito. Há uma semana tomei coragem para começar a ler Teatro de Sabbath, traduzido pelo mesmo Rubens Figueiredo que me ajudou, por telefone, a confirmar a tradução de "rubbing the buttocks" que havia encontrado em Naven de Bateson; antes deste, li outros dois romances de Phillip Roth. Um deles, já com conhecimento de causa, o que não tem graça. O outro foi Complexo de Portnoy. Foi um começo.

É que, na verdade, nunca entendi porque é que alguém leria um romance engraçado. Aviário foi um dos primeiros a sugerir, com ênfase adequada, que poderia ser bom. Mas nunca levei a graça a sério. Não em romances. Pensava ser este o reduto das formas breves. Mas, enfim, tinha que ler algo engraçado, dado que é imperativo vender quando se é comerciante. E, no meio da enorme e vasta fauna afetiva que órbita pela livraria Berinjela até hoje, havia uma doce figura que destilava uma erudição literária monumental suficiente para calar o mais falante dos poetas, o mais matreiro dos jornalistas. Passeava com gosto e saliva por Homero, Virginia Woolf, Muriel Spark, Machado de Assis, Conrad, Roth, Euclides da Cunha, Safo, Proust, Joyce, Mirisola, como se não houvesse desnível que sua memória e prazer prodigiosos não superassem. E se eu precisava ler algo engraçado, um romance engraçado, mas respeitável – afinal, é perigoso vender livros na Berinjela -, perguntaria a Zé Antônio. O que ler, Zé? E nunca esqueci a brochada-mor em Israel que me fez gargalhar às 2 da madrugada, fazendo acordar minha esposa que dormia em um dos 4 cantos possíveis do apartamento quarta-sala que alugávamos na Praça Sarah Kubitchek, em Copacabana. Mas na mesma dica, veio a cautela. “Se vai levar esse Roth, leva um outro. Este é engraçado, mas é neste outro que a coisa acontece.”

“Mesmo, Zé? Então vou levar.”


O exemplar que ora leio de Teatro de Sabbath é o mesmo que Zé Antônio me passou em mãos, como se o vendedor fosse ele, o que me faz lembrar que cada página que leio, é uma página que foi um pouco dele. E isto é bom, porque ele fica. Mas há algo que dói demais, agora. É que cada página que eu vier a escrever, por uma razão ou por outra, é uma página a menos que ele lerá. Se há algo na morte dele que é imperdoável é o fato de eu não ter sido um redator veloz o suficiente para arrancar dele, ao menos uma vez, o sorriso de quem saboreou o prato e pôde desenhar no gesto a mais meritória das aprovações, sempre arte-finalizada com o mesmo nanquim verbal:

“Gênio.”

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