domingo, 15 de julho de 2012

Promener pour la méthode: Afrique Phantôme


Do Pará à Paris o trajeto é, ainda que em linha reta uma encruzilhada constante. Obviamente que é uma forma trágica de desenhar algo muito simples de entender: Paris é uma cidade muito fácil. Com fácil é preciso que se entenda, é fácil desde que se seja minimamente iniciado em suas artes de fazer viver. A língua, os hábitos comensais e a distância entre partículas em trânsito definem um jogo muito preciso e por vezes enfadonho característicos de um universo que jorrou sobre o planeta a diversidade crônica da physique sociale. Não é preciso saber francês, bastando mostrar interesse na língua e esforço em pronuncia-la. Não é preciso saber daquilo que se come desse que se saiba manifestar admiração discreta. Não é preciso acolher os olhares alheios desde que se fassa soar os alarmes de merci, pardon, bon jour, bonne journée e sua versão soir.

É complicado perceber que em meio tudo o que mais poderia trazer alguma forma de sofrimento é me recolher à dimensão particular da experiência. Mais difícil ainda é aceitar que  reconhecer o papel de partícula não habilita a ninguém fornecer a forma do modelo nas bases do comportamento particular. No entanto é na disposição paralela destes dois mundos que a Paris que testemunho é uma espécie de mundo bizarro de si-mesma. A admiração subserviente por tudo o que veio a subjugar; o acolhimento atento por tudo aquilo que despreza; ainda ontem um sujeito peculiar chamado Laurent me disse, para resumir a ópera que a África hoje, é Paris. E Paris é África. Isso significa que temos 4 termos de relação que não se coincidem.

Era nosso terceiro dia na cidade. Minha esposa e eu fomos fazer o que comunidades fazem quando expatriadas. Reunimo-nos com convivas da terra natal, pessoas que já conhecemos e que toleramos, amamos ou, na pior das hipóteses, não odiamos. O ódio pelo irmão é acirrado quando se é estrangeiro, vale dizer. Fomos até Belleville guiados pela família nuclear de meu orientador até nos encontrarmos com uma segunda família no Parque de Belleville. Ruas estreitas alongadas na vertical num gráfico estatístico de altos e baixos abruptos, Belleville é uma parte alta de Paris. Vê-se tudo. É onde há cartões postais sucessivos num mero torcer de pescoço. De lá nos dirigimos a Belleviloise, casa de eventos em que há um por andar. O que não se cobra na entrada é assaltado num mero chopp.

Circulamos num lounge, aonde Laurent nos encontrou. E então, um restaurante a rez-de-chaussé. Vinho, dourado assado na brasa, arroz, molhos balsâmico, vinagrete e de espinafre acompanhados por um bourgogne. Tudo desenhado como uma tarde descolada e suave em um bairro de trabalhadores parisienses. Parisienses? Por isso que Paris é África. Paris é a África em geral, aquela que não existe a não ser que se invente uma série de dispositivos de distanciamento e, mais do que qualquer outra coisa, um jogo de lentes. Não é que não exista, mas para existir é preciso muita coisa, especialmente deslocamento de pessoas. Para a África seja Paris é preciso desalojar a África daquilo que ela nunca foi. E então, um show de artistas congoleses que desaloja da boca de Laurent um diagnóstico sobre a França dos trabalhadores, dos bairros operários, que não são franceses porque são árabes, africanos e até asiáticos, portanto Paris é a África.






Creio que talvez eu tenha me enganado. Talvez a partir do que me disse Laurent, Paris seja exatamente como a África. Fronteira desenhada feito um cotovelo, um nódulo, uma indigestão, e não como uma linha no mapa, justamente como faço no papel o desenho do mapa do estado do Pará, mas que não é, absolutamente Paris.

2 comentários:

Danilo Augusto disse...

Grandes textos, Refrator.
Escreva um livro. Já escreveu um?

Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um) disse...

Não. E ainda não estou convencido de que eu deveria. Já existem livros demais no mundo. Se bem que o mesmo se dá com os blogs, mas estes ocupam pouquíssimo espaço e não acumulam poeira.

Enfim. Fico feliz que tenha gostado, ainda que para serem grandes estes trabalhos precisam de uma dose cavalar de Biotônico. Você é gentil, mas eles ainda são um tanto quanto infantis. Se o livro for a forma acabada de um texto, e a chancela de que um texto merece ser lido, devo ficar por aqui. Por enquanto me satisfaço com as conversas em caixas de comentário como esta.

Abraço.