(os dias têm sido de relativa clausura no bunker. volume após volume, numa caixa de informação do tamanho da França, os nomes se desdobram em uma massa de alternativas. atrelado ao paralelo sutil da religião natural encarnada como religião civil, sigo os passos dos libelos republicanos que parecem manifestar com clareza e pedagogia os detalhes que constituem o novo fluxo da filosofia moral religiosa em tempos de terror. anoto. as notas, então)
VOLNEY, Constantin-François. 1979 Les ruines. Paris. Slatkine.
[NOTA: Les
ruines porta consigo, nesta edição, um prefácio à edição de 1822 que começa com a busca do homem real desnudado que é, mais do que
qualquer outra coisa, um acolhimento ligeiro da biografia de Volney que segue
a profissão do materialismo que não somente está em questão, mas que põe a
questão, da biografia como trajetória particular, isto é, da partícula. O
primeiro movimento ao redor da figura de Volney é elaborar um desenho que seja
flagrantemente contra-exemplar que servirá como figura para desenhar aquilo
que para o prefaciador é a correlação entre a vida intelectual de um autor e a
sua atividade carnal, carne machucada cujas cicatrizes determinam os sentimentos que o induziram
a ser quem foi. Como que mirando para a lua num telescópio em que as manchas se
transformam em crateras expostas à multiplicação violando a integridade moral celestina, o semblante de cada um dos
citados é redigido como sua imperfeição maior – o que me faz perguntar sobre
como induzir perfectibilidade para além do exemplo, o que me conduz ao
aparelho simbólico erigido ao redor do cartesianismo tornado instituição, tema
longo e descabido em uma nota como esta. Cito então uma passagem que prepara a
entrada de Volney no prefácio que lhe é dedicado, mas seguramente já assombrado
por ele mesmo. Segue seu biógrafo curto, Adolph Bossange:
“L’étude
de la vie des savans est digne de toute notre attention. Il est à la fois
curieux et instructiff d’examiner comment ont suporte les malheurs de l avie,
ceux qui ont enseigné les précepts d’une philosophie impassible. Leur histoire
est un tisu de contradictions singulières. Le citoyen de Genève, qui consacre
ses veilles au bonheur des enfans, abandone froidement les siens; enne mi dé
claré des préjugés, il n’ose les braver; ce cœur sensible est sourd
aux cris de la nature, et cet esprit
fort est sans cesse tourmenté pas les fantômes bizarres de son imagination
fièvreuse. Le plus grande génie de son siècle, Voltaire, qui porte des coups si
auaudaciuex au despotisme, solicite et reçoit la clef de chambellan des mains
de Frédéric. Newton, qui voue sa vie à la recherche de la vérité, commente
l’Apocalypse. Le chancelier Bacon, le premier philosophe de l’Angleterre, fait
un traité sur la justice, et la vend au plus offrant. On purrait multiplier les
citations; ce ne seraient que de nouvelles preuves de l’imperfection de la
nature de l’homme.” (Adolph
Bossange, Préface in Volney, 1979:III)
Hermenêutica de ouvido: A
obra literária é a ruína daquilo que fora a biografia do homem que a redigira.
Esta marca de decadência, da matéria, vale dizer, serve de chave para Volney
definir os traços que marcam os valores, a vida e a diversidade de civilizações
que virá a tratar a partir de sua morte fazendo da história um registro da
autópsia que determina, mais do que qualquer outra coisa, a cadeia de fatos que precipitam a morte do corpo estendido na mesa, no chão, ou empilhado numa
paisagem moura. Ruínas, as mesmas que são discutidas por Paul Virilio em Guerra e Cinema, sobre a arquitetônica
nazista que previa em suas edificações o amontoado futuro daquilo que vieram a
erguer e que seria ocasionalmente derrubado em um ou outro bombardeio prevendo o
que restaria do presente tornando o passado um projeto de futuro; da mesma
forma que Walter Benjamim reclama sua herança para compor o complexo conceitual
que Agamben, sob o signo da assinatura, vai definir ser o que resta. ]