Foi
então que criei coragem. Há tempos que nem quero mais, e que prefiro evitar
mesmo quando é algum conhecido que escreve uma passagem, um artigo, desenha
alguma coisa. Não quero sequer comentar. Deixei isso de lado há algum tempo,
não sei quando, o que me deixou sem assunto epara praticar o maula de conversação em uma vernissage ou
lançamento quaisquer. Nisso, tudo segue indiferente com a exceção de que não sou mais
vendedor de livros, o que não me obriga a mais nada. Mas, por alguma razão, me
vejo obrigado. Fila de supermercado, uma quantidade enorme de revistas e
periódicos, jornais e hebdomadários compondo um cenário gigantesco de opções
que iam da fofoca diária a última edição da Esprit
sobre Simone Weil, a mesma tuberculosa que, judia convertida ao cristianismo,
queria participar do esquadrão de paraquedistas no intuito de participar da
reconquista de Paris na Segunda Guerra Mundial.
Comprei.
Transfuge. Sobre a rentrée litteraire, isto é, quando todo
o mundo volta das férias. Percebam que utilizei o artigo antes de "mundo", pois é
o mundo que partiu e deixou Paris sem mundo, entre parênteses, reduzida durante
todo o verão à sua mera edificação. Fácil movimentar, dizer bonjour, o que já
perdeu o gosto para as moças então descabeladas atendendo nas boulangeries ouvindo reprimendas inúteis de patrões desiludidos, inexistentes quando era verão. Rentrée,
volta, retorno, entrada. A revista de literatura de banca de jornal, gênero que
havia abandonado como leitor me coçou os dedos e me arranhou 6,90 euros dos
bolsos. Une retrée litteraire politique.
Com nova fórmula, e então sigo nas informações de capa, pois oferece 16 páginas a mais de
cultura. E logo vi que o mundo é grande, como tanto insiste a fórmula de Perec
segundo Vila Matas. Não reconheço nenhum nome, salvo um. Sugestivamente, o nome
de Vila Matas. Logo imagino o trabalho infernal que seria voltar a vender
livros. Aqui. Tudo a fazer de novo, como chegar ao Rio, como voltar aos 24. A
idéia seduz mais do que poderia imaginar, chegando a me iludir com os tempos de
um romance por dia.
Ademais, mais do mesmo. Demais. Já em casa, leio os mesmos artigos grandiloquentes sintetizando toda a
contemporaneidade a cada uma das páginas num desfile de prosa poética
incessante e uma frequente demonstração de erudição jornalística que não me
ajudou a entender muito além dos estereótipos que eu já carregava sobre a vida
das letras na terra que há muito tempo imprimiu o Dicionário das idéias prontas – e esta citação repete em ato a
marca de toda a piada que se faz só, cuja cereja do bolo é a seção de crítica cultural
chamada de mauvaise humeur. Ri
sozinho.
A
capa traz as fotos de Julie Otsuka e Mathias Enard. Nunca ouvi falar. Até agora
consegui ler somente a entrevista com o primeiro que, por alguma razão me deu
vontade de indicar a Ricardo Lísias. Espero que algum dia, não somente Lísias leia
esta passagem, como aguardo o dia, num ano distante em que me ele escreverá algo sobre Mathias Enard e ele
mesmo. Que ficaram amigos, que esta mensagem propiciou a tradução de Enard para o português, que viajaram juntos ao Marrocos e que iniciaram uma publicação
literária em formato fanzine com distribuição internacional. Mas ainda não imagino
porque fiz a conexão, se há no éter alguma forma de afinidade eletiva. A
entrevista de Julie Otsaka me aguarda, ela e os campos de concetração japoneses
em pleno Estados Unidos da América durante a Segunda Guerra Mundial, terreno
fértil para o romance que acaba de publicar. É o que diz a introdução da
matéria que abandonei para folhear o resto da revista que, para além da lista
enorme de livros que comentam no mesmo tom definitivo do progresso das ciências
e das artes, permite a surpresa do dia. Les
disqulifiés. A seção tem por manchete o termo moeda falsa e diz aquilo que, ao traduzir agora, encerra este
artigo:
Fazer a crítica literária é fazer hierarquia.
Assim, quando não nos agrada, dizemos. Está aí, a lista dos romances a evitar.
Alguns assinados por escritores renomados, outros não. Desconfie, leitor, pois
a contrafação segue presente nesta rentrée litteraire de 2012.
Acabou
o verão.
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