segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Promener pour la méthode: hoje li uma revista e pensei no Ricardo Lísias


Foi então que criei coragem. Há tempos que nem quero mais, e que prefiro evitar mesmo quando é algum conhecido que escreve uma passagem, um artigo, desenha alguma coisa. Não quero sequer comentar. Deixei isso de lado há algum tempo, não sei quando, o que me deixou sem assunto epara praticar o maula de conversação em uma vernissage ou lançamento quaisquer. Nisso, tudo segue indiferente com a exceção de que não sou mais vendedor de livros, o que não me obriga a mais nada. Mas, por alguma razão, me vejo obrigado. Fila de supermercado, uma quantidade enorme de revistas e periódicos, jornais e hebdomadários compondo um cenário gigantesco de opções que iam da fofoca diária a última edição da Esprit sobre Simone Weil, a mesma tuberculosa que, judia convertida ao cristianismo, queria participar do esquadrão de paraquedistas no intuito de participar da reconquista de Paris na Segunda Guerra Mundial.

Comprei. Transfuge. Sobre a rentrée litteraire, isto é, quando todo o mundo volta das férias. Percebam que utilizei o artigo antes de "mundo", pois é o mundo que partiu e deixou Paris sem mundo, entre parênteses, reduzida durante todo o verão à sua mera edificação. Fácil movimentar, dizer bonjour, o que já perdeu o gosto para as moças então descabeladas atendendo nas boulangeries ouvindo reprimendas inúteis de patrões desiludidos, inexistentes quando era verão. Rentrée, volta, retorno, entrada. A revista de literatura de banca de jornal, gênero que havia abandonado como leitor me coçou os dedos e me arranhou 6,90 euros dos bolsos. Une retrée litteraire politique. Com nova fórmula, e então sigo nas informações de capa, pois oferece 16 páginas a mais de cultura. E logo vi que o mundo é grande, como tanto insiste a fórmula de Perec segundo Vila Matas. Não reconheço nenhum nome, salvo um. Sugestivamente, o nome de Vila Matas. Logo imagino o trabalho infernal que seria voltar a vender livros. Aqui. Tudo a fazer de novo, como chegar ao Rio, como voltar aos 24. A idéia seduz mais do que poderia imaginar, chegando a me iludir com os tempos de um romance por dia.

Ademais, mais do mesmo. Demais. Já em casa, leio os mesmos artigos grandiloquentes sintetizando toda a contemporaneidade a cada uma das páginas num desfile de prosa poética incessante e uma frequente demonstração de erudição jornalística que não me ajudou a entender muito além dos estereótipos que eu já carregava sobre a vida das letras na terra que há muito tempo imprimiu o Dicionário das idéias prontas – e esta citação repete em ato a marca de toda a piada que se faz só, cuja cereja do bolo é a seção de crítica cultural chamada de mauvaise humeur. Ri sozinho.

A capa traz as fotos de Julie Otsuka e Mathias Enard. Nunca ouvi falar. Até agora consegui ler somente a entrevista com o primeiro que, por alguma razão me deu vontade de indicar a Ricardo Lísias. Espero que algum dia, não somente Lísias leia esta passagem, como aguardo o dia, num ano distante em que me ele escreverá algo sobre Mathias Enard e ele mesmo. Que ficaram amigos, que esta mensagem propiciou a tradução de Enard para o português, que viajaram juntos ao Marrocos e que iniciaram uma publicação literária em formato fanzine com distribuição internacional. Mas ainda não imagino porque fiz a conexão, se há no éter alguma forma de afinidade eletiva. A entrevista de Julie Otsaka me aguarda, ela e os campos de concetração japoneses em pleno Estados Unidos da América durante a Segunda Guerra Mundial, terreno fértil para o romance que acaba de publicar. É o que diz a introdução da matéria que abandonei para folhear o resto da revista que, para além da lista enorme de livros que comentam no mesmo tom definitivo do progresso das ciências e das artes, permite a surpresa do dia. Les disqulifiés. A seção tem por manchete o termo moeda falsa e diz aquilo que, ao traduzir agora, encerra este artigo:


Fazer a crítica literária é fazer hierarquia. Assim, quando não nos agrada, dizemos. Está aí, a lista dos romances a evitar. Alguns assinados por escritores renomados, outros não. Desconfie, leitor, pois a contrafação segue presente nesta rentrée litteraire  de 2012.

Acabou o verão. 

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