NATHAN, Michel. Le ciel des fouriéristes: habitants des étoiles et réincarnations de l’âme. Presses Universitaires de Lyon. Lyon. 1981.
“Le ciel devient ainsi la
grande banlieue de la terre. » (1981 :10)
[chercher pour Pierre Boitard et ses Études astronomiques, Le Musée des
Familles, décembre 1838 a février 1840.]
O exercício historiográfico de Michel Nathan
reside na investigação acerca da imaginação que investiga a vida em outros
planetas segundo aquilo que se oferece como desdobramento da investigação astronômica,
isto é, a mesma investigação que se desdobra da Revolução dos corpos celestes. Este que é um termo retirado do
tratado de Nicolau Copérnico tem aqui duplo sentido, proposital, uma vez que é
sabido que a revolução científica copernicana, e de aguma forma o mesmo vale
para outras figuras científicas como as de Newton e Lavoisier, não tinham
qualquer caráter revolucionário, mesmo quando revolução se fazia respeitar como
conceito fundamental. Como no caso de Copérnico, vale dizer. Isso porque revolução,
como notam bem Koselleck e Cohen, significa a volta completaem seu próprio
eixo, uma noção cinemática de ciclo. Nisso, se é mais comum vermos a vulgata de
que a terra grirar em torno do sol é aonde encontramos a revolução copernicana,
a discussão de Alexandre Koyré sugere uma outra coisa, de que a revolução está,
não na novidade do sistema, mas e sua homogeneidade, isto é, de que para além
do céu o que se encontra é a regularidade da natureza expressa numa forma
homogênea e indiferente do espaço. A revolução dos corpos celestes figura assim
como a redenção da concepção unitária da matéria como homogeneidade e assim,
como elemento equivalente em todos os níveis do cosmos. Nisso, a regência dos
astros produzida na elaboração delicada e milenar da astronomia é desafiada,
quando este é de fato o caso, pela concepção mais terrena possível do que são
os corpos celestes : composições fisico-químicas diferentes de um mesmo
sistema que opera, mesmo que não somente, pelo movimento corpuscular da matéria
em suas diversas variações de estado. Não é por acaso que a frase de que o céu
se transformou num grande subúrbio da terra é, mais do que acertada, dotada de
um senso de humor invejável.
É disso que se trata o livro de Nathan, digo, da
correlação entre a revolução da revolução o impacto disso no pensamento utópico
de Charles Fourier e seu entorno. Mas por que ler este livro agora ?
Porque ele se tornou importante ? Exatamente por causa da notação relativa
ao problema da moral política e, mais, sobre a extensão do mundo moralmente
relevante que participa da tensão entre o perfeito (Deus) e o perféctil (a
espécie humana). Um parágrafo apenas é
suficiente para compreendermos a inclusão mais detida do arsenal fourierista
neste apanhado de notas ao mesmo tempo em que procuro entender como é que a
partir da figura de Fournier podemos perseguir dois elementos pregnantes na
discussão em torno da emergência do espiritismo e sua periculosidade : em
primeiro lugar, a dispersão da harmonia como conceito desprovido de debate em diversoso
textos, incluindo os de Kardec e os de Renouvier ; em segundo lugar, como
é que a homogeneidade do espaço se transforma num pilar importante de desafio à
escatologia cristã, especialmente no que diz respeito ao pecado original e a
relação entre direito negativo e pastoreio, ou governo das almas. Cito Nathan
para termo uma idéia mais precisa :
« L’Eglise catholique a refusé d’accepter de telles doctrines qui remettaient en cause le récit de la Genèse, la notion de péché originel, interprétaient la Révélation et la Rédempation à la lumière des grandes hérésies, refusaient la pérénnité des séjours en Enfer ou au Paradis. Les théologiens crurent devoir rappeler l’esprit et la lettre des Evangiles. Ils furent contestés de toutes parts au nom d’une tradition antérieure à l’Église romaine, usurpatrice du message de Jésus-Christ. On fit des recherches sur les Druides pour prouver que les Gaulois croyaient en la doctrine de la pluralité des existences de l’âme. On expliqua que cette doctrine était conforme auc grands textes sacrés de l’Orient et de l’Occident, au mosaïsme, au christianisme bien compris. On crut, selon l’expression d’André Pessani qu’était venue « l’heure du second avénement de l’esprit ». L’idée de pluralité des mondes fut si fortement ancrée dans les esprits qu’elle devint sous le Second Empire « idée reçue ». Madame Dambreuse croyait à la transmigration de l’âme dans les étoiles, ce qui « ne l’empêchait pas de tenir sa caisse admirablement. »(1981 :17)
« L’Eglise catholique a refusé d’accepter de telles doctrines qui remettaient en cause le récit de la Genèse, la notion de péché originel, interprétaient la Révélation et la Rédempation à la lumière des grandes hérésies, refusaient la pérénnité des séjours en Enfer ou au Paradis. Les théologiens crurent devoir rappeler l’esprit et la lettre des Evangiles. Ils furent contestés de toutes parts au nom d’une tradition antérieure à l’Église romaine, usurpatrice du message de Jésus-Christ. On fit des recherches sur les Druides pour prouver que les Gaulois croyaient en la doctrine de la pluralité des existences de l’âme. On expliqua que cette doctrine était conforme auc grands textes sacrés de l’Orient et de l’Occident, au mosaïsme, au christianisme bien compris. On crut, selon l’expression d’André Pessani qu’était venue « l’heure du second avénement de l’esprit ». L’idée de pluralité des mondes fut si fortement ancrée dans les esprits qu’elle devint sous le Second Empire « idée reçue ». Madame Dambreuse croyait à la transmigration de l’âme dans les étoiles, ce qui « ne l’empêchait pas de tenir sa caisse admirablement. »(1981 :17)
A passagem acima dá outro peso à afirmação de
Monroe que define a periculosidade do espiritismo em sua forma de atestar
aquilo que é o futuro do espírito por via de investigações
empírico-laboratoriais. O desafio que este campo de empreitadas oferece é
significativamente maior, dado que oferece um desafio real de um ponto de vista
sociológico, a saber, que dispõe um grupo maior de pessoas recombinar os
elementos de uma imaginação relativa ao futuro da alma, e com isso alterar
aquilo que lhe é próprio como definição. O incômodo causado pela presença
destas pessoas no ambiente parisiens, por exemplo, pode ser anotada desde o 12
de dezembro de 1835 no jornal L’Univers religieux e na edição de 19 de
dezembro da Gazette de France do
mesmo ano. Os artigos dizem respeito a uma intervenção pública feita por Victor
Considerant e sua claque num congresso de história ocorrido no Hôtel de Ville
de Paris. Estes são os phalansterianos.
O expediente que Nathan utiliza
para desenhar o contorno de quem ele entende ser Charles Fourier pode ser
condensada na seguinte frase : si
nous souffrons, les morts souffrent aussi. Entenda-se. O objeto de dissertação aqui é um intelectual que elege como método o « cálculo
analítico e sintético das atrações e repulsões apaixonadas », figura que
não parece dever nada, e mesmo antecipa com enorme precisão figuras outra
filosofia, como o são os parapsicólogos com relação à parapsicologia, como Alfred Jarry e a voga maquínica que assola parte do pensamento
filosófico francês - que descobri quase não existir mais na França que é mais uma vez uma invenção nossa. Isso porque Fourier se atira, seguindo Michel Nathan, no
universo do infinitamente grande e o do infinitamente pequeno e que, tecendo
relações entre coisas que não se relacionam senão num jogo de escalas que
repetem a mesma ordem apaixonada, culminando por fim em desmedida. Até porque,
no fim deve haver felicidade e prazer. Nada de ascese acética. La parodie avant la pièce. Isso porque, sigo, não há mais do que um só assunto e um só tema, e falar de homens, falar do universo é persistir no tema – o
que é algo antecipatório com relação a Gabriel Tarde, ainda que eu não queira fazer qualquer
esforço de desenhar a angústia da influência na ficção científica sociológica. Falar
do homem será falar do infinitamente grande número de coisas e da infinitamente
enorme variação de escalas do tempo. O termo para definir a sensação de viver
em tamanha multiplicidade de mundos e escalas é, então, vertigem. O movimento repete
o vórtex, o turbilhão descrito pela sabedoria cartesiana ainda que posto numa relação sensual de movimento sexy. A escala de perfeição
não segue a descrição do maior para o menor, mas associa os sinais de
maturidade com aquilo que é mais saboroso. Assim, na ordem do refinamento do cosmos
que distingue os planetas entre si a proporção que há entre os universos
púberes com relação aos impúberes é a mesma que há entre o melão e a abóbora[1].
O sabor, o odor e todas as formas de relação que produzem atração são
mobilizadas por um jargão militar que descreve o movimento de penetração e
contaminação dos corpos entre si produzindo um regime de afeção que repete,
ainda que num jargão que aponta para a fruição, o movimento corpuscular que
atende por fim a uma dimensão sensual exuberante.
Saturno é assim o protótipo daquilo
que a Terra, e os demais planetas do sistema solar deveriam ser. Mas a Terra
perdeu seu anél, « signe pubère en
l’absence duquel elle ne peut pas créer, car l’absence du signe pubère entraîne
suspension de la faculté procréatrice » - segundo Fourier, na edição
citada da Anthropos, X volume, página 335.
Assim, complementa Nathan, nosso
planeta não sendo mais atraente dado que perdeu seus anéis, perdeu quatro de
seus cinco satélites vindo a ficar somente com a Lua, múmia sem graça, chama
branda, astro inabitável que não distribui nem calor, tampouco aroma. Com a
finalidade de corrigir esta falta de cuidado, Fourier se propõe um higienista
do cosmos vindo a propor que a vida social regenere a vida cósmica voltando a
respeitar aquilo que lhe é própria, modelando a harmonia social a partir da
harmonia das esferas, agindo de acordo
com Deus que lhe incita a participar da criação.
[1] As considerações relativas à harmonia do cosmos são
retiradas prioritariamente de Le Nouveau
Monde Amoureux, pubicado postumamente.
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