sábado, 31 de janeiro de 2015
segunda-feira, 19 de janeiro de 2015
Na geladeira
Há dias
em que o calor
é o seu exato
oposto.
No caso,
um verão inteiro.
em que o calor
é o seu exato
oposto.
No caso,
um verão inteiro.
Postado por
Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um)
às
18:02
Nenhum comentário:
Marcadores:
Acídia
sábado, 10 de janeiro de 2015
Engasgos e Cuspidas
"Sabe como ri um progressista que só ri, ou permite que se ria, de acordo com a agenda da melhoria de todas as coisas?:
HO HO HO."
-----------------------------
"Não gostou? Não compra."
Disse o mercador de tapetes do Cairo a um cliente que achou o padrão geométrico de sua tapeçaria ofensivo.
____________________
"- Acho um absurdo essas brincadeiras com religião, todas ofensivas, um horror, esse jornaleco que... peraí. Moço! Moço! Por favor! Quanto é aquele livro do Marquês de Sade?"
"42."
____________________
Enfim,
Disse o mercador de tapetes do Cairo a um cliente que achou o padrão geométrico de sua tapeçaria ofensivo.
____________________
"- Acho um absurdo essas brincadeiras com religião, todas ofensivas, um horror, esse jornaleco que... peraí. Moço! Moço! Por favor! Quanto é aquele livro do Marquês de Sade?"
"42."
____________________
Enfim,
"O problema com a Censura é que ela consegue evitar que quase qualquer coisa seja feita, menos a burrice."
- Millôr Fernandes apócrifo.
- Millôr Fernandes apócrifo.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
Não como secularização, mas como sobrevivência: notas sobre a ruína, a morada e o fantasma do religioso.
TYLOR,
Edward Burnett. Primitive Culture:
researches into the development of mythology, philosophy, religion,
language, art and custom. John Murray.Londres. 1873 [1871]
16-
Em seu argumento que contrapõe a eficiência industrial da cultura contra a
inutilidade do simbolismo direto das superstições, dentre as quais estariam
seguramente o cálculo do futuro por via de profecias, Tylor se pergunta a
respeito da sobrevivência dessas coisas inúteis que, sugere, tiveram alguma
utilidade outrora. É evidente que a noção de utilidade é flagrantemente
anacrônica, mas é ela quem estabelece a relação entre fins e meios pelos quais
os critérios de racionalidade na planificação, tanto da economia como da
política. Assim, em especial no que tangem os atos de fala e sua função, é na
alteração dos meios que uma determinada fórmula eficaz se transforma numa
espécie de maneirismo em que a função não se altera, mas já não encontra
qualquer correspondência com o meio em questão.
O papel das superstições, neste caso, se
restringe à esfera da dominação na forma da justificação como subterfúgio da
linguagem, criando a cena na qual um erro lógico – ou um erro de atribuição de
valor – é encaminhado de forma apropriada. Seguindo à risca os métodos de
prestidigitação, induz o paciente a olhar para o outro lado, ou o distrai
criando movimentos que fazem de um gesto banal
em evento com contornos circenses. A finalidade toda parece ser, por fim,
uma espécie de liturgia política em que a potencia do gesto faz com que o
sacerdote, o mágico, o xamã encarne uma autoridade ainda maior. Assim:
“Prophecy tends to fulfil itself,
as where the magician, by putting into victim’s mind the belief that fatal arts
have been practised against him, can slay him with this idea as with material
weapon. Often priest as well a magician, he has the whole power of religion at
his back; often a man in power, always un unscrupulous intriguer, he can work
witchcraft and statecraft together, and make his left had help his right.”
(Tylor, 1871:121)
Não ha qualquer distinção entre magia e
religião, dado que ambos estão relegados ao império dos maus hábitos e, por
isso, são indistintos. E com magia e religião, o universo a ser debatido é o
apogeu e o declínio de certas opiniões. Assim, religião é algo que se diz a
respeito de algo enquanto outra coisa se dá – ou seja, nada que seja
especificado com clareza. Uma sobrevivência cultural implica na sobrevivência
de certas fórmulas recuperadas ou mantidas em uma trajetória diacrônica própria
aos exercícios de imaginação e arqueológica. Como, por exemplo, a condenação de
anátema que, todavia, não exerce dos mesmos dispositivos jurídicos como ato de
condenação uma vez que, a Igreja Romana, antes disposta como parte da ordem
territorial, fora desterritorializada – um outro nome a ser dado ao dispositivo
jurídico de “secularização”, o que para Tylor atende pelo nome de iluminismo – a forma excelente de
produzir diferença no mar de formas indiferentes da superstição religiosa, esta
redundância.
“Reform of religion was no cure
for the disease of men’s minds, for in such things the Puritan was no worse
than the Inquisitor, and no better. Papist and Protestant fought with one
another, but both turned against that enemy of human race, the hag who had sold
herself to Satan to ride upon a broomstick, and suck children’s blood, an to be
for life and death of all creatures the most wretched. But with new
enlightenment there came in the very teeth of law and authority a change in European
opinion.” (Tylor, 1871:125)
O iluminismo, em especial em seu veio
libertino, veio para acabar com o diabo que é, obviamente, a maior das
superstições.
sábado, 3 de janeiro de 2015
Não como secularização, mas como sobrevivência: notas sobre a ruína, a morada e o fantasma do religioso.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado:
contribuição à semântica dos tempos históricos.
Rio de Janeiro. Contraponto. 2006.
ROSANVALLON, Pierre. L’État en France de 1789 à nos jours. Seuil. Paris 1990.
15- Há um tríptico a ser respeitado com relação ao
regime de prognósticos em disputa. Do sistema de adivinhações pelo vôo dos
pássaros à curva regular dos platôs estatísticos, uma terceira dimensão faz
parte a cena dos prognósticos. Afinal, o tempo futuro também pertence à
escatologia, terreno no qual a Revolução francesa se fará, à luz da reflexão de
Reinhart Koselleck (2006), herdeira da Reforma luterana – afinal, grande parte
de seu repertório diz respeito a uma reforma de Estado sem precedentes. Assim,
da mesma forma que a Reforma luterana traz consigo sinais do fim do mundo condensados
em um futuro abreviado, num fim por vir cujo desdobramento seria o próprio
sentido da história humana, a Revolução culmina como determinação de um novo
tempo – o que aproxima o evento a uma espécie de condição mítica abordada tanto
por Lévi-Strauss, François Furet e Hayden White.
“Em 10 de maior de 1793, em seu
famoso discurso sobre a Constituição revolucionaria Robespierre declara: “é
chegada a hora de conclamar cada um para seu verdadeiro destino. O progresso da
razão humana preparou esta grande Revolução, e vós sois aqueles sobre os quais
recai o especial dever de acelerá-la”. A providencial fraseologia de
Robespierre não é capaz de dissimular o horizonte que expectativa alterou-se em
relação à situação inicial. Para Lutero, a abreviação do tempo é um sinal
visível da vontade divina de permitir que sobrevenha o Juízo Final, o fim do
mundo. Para Robespierre, a aceleração do tempo é uma tarefa do homem, que
deverá introduzir os tempos da liberdade e da felicidade, o futuro dourado.
Ambas as posições, assim como o fato de que a Revolução derivou da Reforma,
marcam o início e o fim do período de tempo aqui considerado.” (Koselleck,
2006:25)
Tanto a Reforma quanto a Revolução oferecem diferentes fraturas temporais
com relação às quais servem como meios de aceleração – seja por via da história
da salvação (heilgeschichte), seja
por via da história política -, diferenças essas que reconstituem formas de
temporalização diferentes que entram em causa na longa reforma do Estado
absolutista – no caso francês, de Louis XIII a Louis XIV (cujo entremeio conta
com Richelieu e Mazarin). Dispor lado a lado Robespierre e Lutero é dispor o
prognóstico e o profético face a face. Assim:
“O prognóstico produz o tempo que o
engendra e em direção ao qual ele se projeta, ao passo que profecia apocalíptica destrói o tempo, de
cujo fim ela se alimenta. Os eventos, vistos da perspectiva da profecia, são
apenas símbolos daquilo que já é conhecido. Se os vaticínios de um profeta não
foram cumpridos, isso não significa que ele tenha se enganado. Por seu caráter
variável, as profecias podem ser prolongadas a qualquer momento. Mais ainda: a
cada previsão falhada, aumenta a certeza de sua realização vindoura. Um
prognóstico falho, por outro lado, não pode ser repetido nem mesmo como erro,
pois permanece preso a seus pressupostos iniciais.” (Koselleck, 2006:32)
O alvorecer progressivo da administração pública, a que estabelece
critérios da organização social como forma de planejamento da vida em comum,
visa dispor do refinamento dos meios de produção de prognósticos, não somente
relativos ao método em si como na continuidade incessante da observação de
temas e variáveis consideradas estratégicas. Obviamente que este modo de
temporalização produz um efeito em particular:
“O prognóstico racional contenta-se
com a previsão das possibilidades no âmbito dos acontecimentos temporais e
mundanos, mas por isso mesmo produz um excesso de configurações estilizadas das
formas de controle temporal e político. No prognóstico, o tempo se reflete de
maneira sempre surpreendente; a constante similitude das previsões
escatológicas é diluída pela qualidade sempre inédita de um tempo que escapa de
si mesmo, capturado de modo prognóstico. Dessa forma, do ponto de vista da
estrutura temporal, o prognóstico pode ser entendido como um fator de
integração do Estado, que ultrapassa, assim, o mundo que lhe foi legado, com um
futuro concebido de maneira limitada.”(Koselleck, 2006:33)
O prognóstico como tempo capturado pelo
planejamento orçamentário do Estado serve como exemplo que o próprio Pierre
Rosanvallon ancora na historiografia de Koselleck, de forma a oferecer uma
entrada privilegiada para o problema da secularização, aqui lido na chave da
sobrevivência cultural. Ele disserta sobre a transparência financeira na qual o grande problema é exatamente a contra-produtividade do segredo
exatamente porque não consegue traduzir com clareza sistemática o sistema de
decisões orçamentárias de Estado. Entendendo que das alterações determinantes
do processo revolucionário de 1879 em diante se encontra a instauração de um
governo representativo em que diversas partes operam no seio do poder soberano
– a soberania se dilui em sistema de decisões -, ainda que não interfira
imediatamente no domínio das intervenções de Estado, oferece uma nova forma
para o mesmo[1]. Afinal,
para que seja possível algo como a votação de um orçamento, é preciso não
somente um orçamento estabelecido pautado em uma determinada concepção de
riqueza. É preciso que o orçamento esteja articulado em um determinado modelo
de prognóstico que capturem o tempo futuro a título provisório, mas de forma
inescapavelmente sistemático. O Estado absolutista, centralizador que é, se
consolida também por meio da expulsão dos símbolos proféticos da estrutura de
decisão que são signos de decisões tomadas em segredo ou no seio de uma outra
ordem que não nas instâncias da política em um sistema representativo:
“O
orçamento votado sob a forma de uma lei de finanças se transformou no espelho
criptografado das atividades do Estado, vindo a extinguir uma longa tradição de
desordem e segredo. Constrangidos pelo Estado – “é impossível, agora, que haja
um ministro das Finanças desonesto”, disse Villèle, em 1826 -, simboliza o
advento de um Estado fiscal regular. Instauração de uma regularidade “técnica”
que se dobra em uma regularidade “política” por via da publicidade das cifras,
fazendo do orçamento um elemento central do debate público. Para além do
círculo estreito dos parlamentares, a discussão a respeito da lei de finanças
na Câmara suscita comentários e interrogações por todo o país. O orçamento é
comentado pelos jornais, dando lugar à circulação de uma enormidade de
brochuras e libelos que traduzem uma reapropriação do Estado pela sociedade.”
(Rosanvallon, 1990:35).
[1] «Parler d’intérêt public, c’est, dans le langage classique, parler de
l’intérêt de l’Êtat, l’Êtat existant comme sujet propre, séparé distinct de la
société civile. La notion d’intérêt général de tous les hommes renvoie au
contraire à une abstraction, qui est le support de l’idée de nation. L’État ne
peut plus être représenté dans ce cadre que comme immergé dans cette nation, il
n’a plus d’existence autonome. Sa dépendance se manifeste d’abord
économiquement, puisq’«un souverain n’a qu’autant que ses sujets en
possèdent ». Il y a donc une confusion qui s’établit entre le suverain et
la nation : « Le Roi et le peuple ne sont qu’une seule et même chose,
quelque fondé qu’ait été jusqu’ici l’usage sur une maxime toute
contraire. » L’État séparé repose sur la subordination qui se définit
pratiquement, comme distance et rapport inégalitaire ; l’État immergé est
au contraire fondé théoriquement sur la confusion et l’égalité des intérêts. »
(Rosanvallon, 1990 :29). As citações internas à nota são de Pierre Le
Pesant de Boisguilbert.
sexta-feira, 2 de janeiro de 2015
Não como secularização, mas como sobrevivência: notas sobre a ruína, a morada e o fantasma do religioso.
ELIAS, Norbet. Sociedade de corte. Jorge Zahar. Rio de Raneiro. 1999.
LATOUR, Bruno. Pasteur: guerre et paix des microbes - suivi d'Irréductions. Les empécheurs de penser en ronde. Paris. 2011.
QUÉTELET, Alphonse. Du
systeme social et des lois qui le regissent. Guillaumin et Cie. Paris. 1848.
ROSANVALLON, Pierre.
-->
L’État en France de 1789 à nos jours. Seuil. Paris 1990
SUTTON, Geoffrey. Science
for a polite society: gender, culture & the demonstration
of enlightenment. Westview Press. Boulder/Oxford. 1995.
14-
“A
história do Estado é indissociável da história dos meios de conhecimento sobre
os quais se apoia. Desde que a força bruta deixa de reinar sozinha, o poder
passa a se indexar nas formas de saber: não á decisão relativa aos homens e às
coisas que não seja medida e contada. Mesmo o termo estatística
traduz, etimologicamente, esta situação. No século XVII a estatística significa
“o que é relativo ao Estado”; um século mais tarde, o termo designa a
enumeração metódica de uma série de fatos. É uma forma de deslizamento
semântico da interpenetração de um conceito político e de uma forma de
entendimento, exemplar em si mesmo. Durante os séculos XVII e XVIII a
consolidação da soberania do Estado se apoia no progresso da demografia e da aritmética política. Os economistas que
desenvolvem esta última disciplina escrevem do ponto de vista do soberano. É a
ele que Montchrétien, Graunt, Petty, Vauban ou Boisguilbert esperam convencer e
aconselhar. A obra pioneira de William Petty, datada do fim do século XVII, é
particularmente interessante quanto a este respeito. É a primeira a
sistematizar a idéia de que governar é contar, ou recensear, inseparavelmente.
“Os que se ocupam da política sem conhecer a estrutura, a anatomia do corpo
social – escreve – pratica uma arte demasiado conjectural, que é a medicina das
antigas senhoras e dos empíricos” (Rosanvallon, 1990:37)
A revolta contra a influência de adivinhos
e feiticeiras nos assuntos de Estado esboçada por William Petty em seu Anatomia política da Irlanda de 1672 não
é fruto de qualquer desprezo relativo ao exercício de uma forma imprecisa de
superstição. O que a remissão não somente à trajetória de Petty, mas de todo o
serviço estatístico evoca é toda uma história em que toda sorte de arcanos,
inclusive de Estado, é desestabilizada como grade de referencias seguras no que
tangem a tomada de decisões. Diagnósticos e prognósticos entram em questão no
mesmo momento em que novos meios de apresentação do futuro entra em pauta. Se
Bruno Latour pôde, em um dado momento, chamar a atenção para a pasteurização da
França (2011) na qual a paisagem urbana faz corresponder engenharia,
sanitarismo e cidadania; em linhas gerais a substituição do vôo das andorinhas
pelos platôs de Quételet parecem sugerir a do território francês ao
cartesianismo. Não somente por apresentarem números no lugar de andorinhas, mas
por sugerir uma outra forma de desenho que apesente o futuro que não seja
pautado por exercícios de ornitologia.
A remissão à René Descartes não é
meramente ilustrativa, mas relativa à efetivação não somente da filosofia do
autor dos tratados sobre o método, o homem, o mundo, a dióptrica e a
meteorologia; faz remissão também aos meios de apresentação de dados relativos
aos objetos de reflexão que por fim culminam na metodologia por excelência das
primeiras instituições oficiais de observação científica francesas. Dito de
outra forma, diz respeito à transformação dos meios por via dos quais o mundo
se torna uma possibilidade. Esta transformação é encenada, por Geoffrey Sutton
(1995), pela passagem do ideal renascentista de ciência incorporado por
Théophraste Renaudot e seu Bureau
d’adresse para a instituição gradual da filosofia cartesiana, não somente
como princípio filosófico mas como método de exposição e ideal de pedagogia.
Que não percamos o foco, o que está sob foco é uma questão de método; methodos; meio – os mesmos que
Rosanvallon menciona no começo da citação acima. O Estado moderno, após a
Revolução, opera por via da proliferação de meios. Segundo Sutton, de todos os
meios disponíveis, o que Descartes seguramente não queria era um que lhe desse
problemas com a censura real.
“The spirit of the Principia would inform the Cartesian
school of natural philosophy for nearly a century after its appearance; that
much should be noncontroversial. What is offered here is an idiosyncratic
reading, a twentieth-century reading to be sure, but one that might help a
twentieth-century audience to understand how a denizen of Renaudot’s Bureau
d’adresse might have dealt with these books before anyone knew for sure that they
would one day form the basis of a modernity that reminded a twinkle in the
collective philosophical eye of the Rationalists. It is a reading that follows
Descarte’s directions, one guided by the idea that only in understanding the
broad sweep of the argument might we understand its parts, a reading willing to
sacrifice a whole series of beautiful little insights into details for the sake
of providing a coherent interpretation.” (Sutton, 1995:92)
O que Sutton defende é que mediante a profusão de debates que visassem
reconstituir a origem do argumento a respeito de todo tipo de tema, próprio
daquilo que encontrou no Bureau d’adresse
de Renaudot, a novidade cartesiana oferecia uma exposição sistemática de cada
um dos problemas tratados visando decompô-lo em suas partes constitutivas
buscando respaldo, ao invés de tratados da antiguidade, em observações
experimentais que ele mesmo conduzia. Contudo, a premissa não reduzia o
observado à mera observação. A articulação e a apresentação das relações
oferece uma novidade tão radical quanto aquela que se oferece como um método
específico. Ao invés dos cadernos de notas Renascentistas que produziam algo
muito próximo de uma miscelânea de fatos, casos e passagens de autores antigos,
o instrumento cartesiano por excelência é a demonstração feita
sistematicamente. Assim, a leitura dos Principia
implicava em sua leitura por inteiro dado que a elucidação de uma determinada
passagem se encontrava alhures, sem a utilização de comentários ou de fórmulas
de contemplação; sem arcanos? Assim, dentre todos os aspectos que Sutton
poderia ressaltar, é o caráter pedagógico da revolução cartesiana aquele que
ele resolve destacar:
“Pedagogy seems a peculiar place
to locate the crux of Cartesian modernity; to do so would surely overstate the
case. Nevertheless, the notion of system – be it philosophical, physical,
mathematical, or biological – grounded all Descarte’s work. It introduced a
search for consistency altogether novel in late Renaissance discussions method.
Moreover, this conception of consistency is at odds with our own ideas about
the internal coherence of a rigorous theory. The parts of the Cartesian system
needed not so much to fit together as to find a secure place in the whole.
Thus, once the system was grasped, inconsistencies among the various parts did
not produce the sort of cognition dissonance in Descartes or his readers that
it would in philosophers of the nineteenth and twentieth centuries. Instead,
Descartes acknowledged what he saw as very real but minor difficulties and
omissions; for example: “I have not described in my Principles all the motions of each planet, but I have supposed in
general all those that observers have found and I have attempted to explain
causes”. “(Sutton, 1995:94-95)
Assim, ao invés da doutrina dos quatro elementos, os três graus de sutileza
da matéria; ao invés da essência da alma, o local em que a alma se manifesta no
corpo; ao invés de remissões as mais diversas ao mais diverso, a descrição dos
meios pelos quais um dado fenômeno se concretiza. Tudo apresentado da forma
como ainda se entende como sistematicamente, sempre remetendo o caso singular a
uma dimensão média de regularidade – como o platô de Quételet[1].
O argumento ao redor da ciência estatística tem em vista a reconstituição dos
princípios que regem a sociedade, não mais como uma reunião da corte como fora
chamado nos tempos de Louis XIV (Elias, 1999), mas como um sistema médio de
difusão de regularidades que fazem das ações coletivas verdadeiras ondas de
transmissão, de violência inclusive. A produção estatística visa dar
visibilidade àquilo que, de outra forma, segue invisível aos olhos do
investigador exatamente porque a escala das ações de Estado não é humana. Como,
por exemplo, o fluxo de transações financeiras do Estado e o comprometimento
orçamentário do endividamento público – um dos catalisadores da Revolução
francesa.
[1] “Quand, du haut d’un vaisseau, j’arrête mes re gards
sur l’Océan, j’aperçois des vagues immenses qui passent majestueusement devant
moi, sans que je puisse reconnaître le lieu où elles se sont formées ni celui
où elles vont s’effacer.
Si je descends ensuite du vaisseau pour prendre place dans une barque à peu
près au niveau de la mer, et si je concentre mon attention sur les pe tits
mouvements oscillatoires qui rident la surface de l’eau, je perds de vue le
magnifique spectacle qui m’occupait d’abord. C’est tout au plus si mes regards
saisissent une étendue qui dépasse les li— mites de la vague sur laquelle je
suis porté; mais je vois ‘une infinité de détails qui m’avaient échappé.
Tel est aussi le spectacle que présentent les peuples. Vus à une certaine
distance, ils se dessinent, se diversifient entre eux et suivent leurs destinées,
sans qu’on puisse saisir, la plupart du temps, leur origine ni leur fin: les uns
turbulents et superbes; les autres souples et développant les étudier, il faut
concentrer son attention sur elles, et perdre de vue l’immensité de cet autre
océan sur lequel on navigue, il faut saisir rapidement leurs formes fugitives
qui rarement étendent à quelque distance le cercle de leur action. Mais ces
vagùes mêmes, qui nous représentent les peuples, ne sont rien à côté d’une onde
plus vaste, à côté de l’onde des marées qui domine l’océan à travers lequel
elle se déroule lentement dans sa marche triomphale. C’est ainsi que les
peuples s’effacent également en présence de l’humanité ». (Quétélet,
1848 :ii-iii)
Assinar:
Postagens (Atom)