terça-feira, 2 de junho de 2009

Grande susto, caro romântico

Na verdade, quase uma epifania.


Nenhum hegeliano poderia imaginar, por mais poesia que tivesse! Ainda mais, e que susto levariam os românticos, os dignatários da religião da natureza, ou mesmo Shaftesbury, ao descobrirem que uma terra em grande parte tropical, devotada à volúpia das índias nuas, 500 anos depois, viria a ter ministérios e secretarias de transporte! Entenderiam mal, muito mal. Haveriam murmúrios, libelos, desmaios, salpicados talvez por uma idéia de necessidade civilizatória em pitadas. Assim como faria pouco sentido o que ouviriam nos haveres dos apelos e políticas para o transporte coletivo alternativo. Fico imaginando o horário oficial para o desmaio com tons histéricos e seus aparelhos públicos assim como os horários alternativos para aqueles que, por questões da política de populações, por prestarem socorro aos desmaios oficiais, só poderem sofrer transporte logo mais, ou às 14 ou às 21 horas.


Sintomático é que o parágrafo acima já quase não faz sentido. E se o faz é para internação, e não internalização.


É, Hegel... Nosso Estado de coisas.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A Avareza e os Bonequinhos Articulados de Curar Gente

Diz-se amor à vida

do rumo tomado cheio de movimento

estripulias.

Não compor a mesa do repasto

com o diabo da régua

-as réguas sim, dão em árvores, como o dinheiro, sim-

e deixar a volúpia

contaminar os ossos da pélvis.

Há nisso um pouco de

uma bela coleção de carrinhos

e um pequeno original de Mondriand

que j´adore.


De outra forma, bastante diagonal e precisa,

pode-se igualmente dizer numa só palavra que

animado assim,


- só? -


se pode ser

selvagem.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Antes um Código Morse que um Código DaVinci


Com toda ambigüidade que a frase pode ter. Mas quero escrever com calma e coerência. Pode ser que signifique repassar e abandonar em lixeiras muito do que venha a ser disposto, hora ou outra. Mas repetir devoção ou simpatia por um código implica antes num antes. Em algo que proveio, que previria, que insurgiu como no relâmpago que antecede o braço fotografado no peito do rapaz:




Um garoto no meio do Pampa, em planícies de perder os olhos no horizonte, o que cega, se viu diante uma tempestade que se formava. Prosseguiu rumo ao umbu de adiante no qual escalou com previdência. Lá em cima, ao som das gotas, estirou o braço direito rumo a um ninho cheio de ovos. Fome. Com o braço esticado pôs-se a murmurar os dedos tentando não cair e sim, pegar os ovos. Com a seta do membro em riste, na diagonal extrema o ninho, foi de uma vez. Fulminado. Um raio o atravessou como a linha diagonal que marcava o ângulo do braço. Caiu da árvore com parte das roupas em fuligem. Foi encontrado vivo, respirando.
O flash do relâmpago, o ozônio e algo mais marcaram o peito do garoto com a fotografia do braço que, para além do ninho, apontava para sua origem. O braço. Fotografado no peito.


O raio antecede para fazer fotografia. Assim: antes um código Morse. E este é o primeiro sentido da frase. Primeiro, lembremos, significa que há antecedência. Este é o primeiro que antecipa outros sentidos. Pisamos no labirinto da coerência. Antes um código Morse. Primeiro, filho dileto, alvo de maior atenção. É ele quem cuida do filho segundo, especialmente nos momentos de socar a face e pôr os espaços da casa em trincheiras.
A simpatia? Esta vem de outras coisas. Coisas posteriores à antecipação. Quero dizer, a antecipação como um antes, não como um depois. Antecipação como depois é bem outra situação.
Mas do código Morse, o que mais pontuar senão o ruído que faz mensagem? Que coisa tão peculiar essa e que parece atrapalhar as idéias sobre a tal comunicação telegráfica que desabilita a fundação-pilar? Que gera descontínuos que fingem o abecedário mas não deixam de se amarrar na ligação do contínuo elétrico que percorre incessantemente os fios de cobre? Gostaria de rever esta relação de irmandade sobre o código, a mensagem e o ruído. Há mais religião nisso do que suponho. Em especial no ruído, que já indica que para uma certa saudade, para o corpo já é tarde demais. Fora mister aprender a acenar o adeus. E isto, esta última frase, foi um excelente trocadilho.

domingo, 10 de maio de 2009

Filosofia numa cacetada só (ou duas, vai). Volume 1 - Giorgio Agamben



(Paul Strathern, filósofo e jornalista inglês - e se não for inglês, dá na mesma - escreveu uma coleçãozinha de apresentação de pensadores ergonômicos da filosofia ocidental. A idéia era elaborar livrinhos cujo título é 'Filosofia em 90 minutos'. Li dois. Em 90 minutos cada um, cronometrado. Afora a bobajada, bateu uma inveja do cronômetro interno do infeliz. Resolvi acelerar a história. Lanço aqui a seleta Filosofia numa cacetada só (ou duas, vai). Muito mais rápido. Filosofia para quem não tem tempo para pensar (sic). Nem eu.)



Vol. 1 - Giorgio Agamben



Na era da técnica o humano emergiu de si-transcendente e se excedeu. E o resto é resto.


É-isto.


Fim.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

M(a/e)u trato com a língua


Foi Luis Fernando Veríssimo. Disse que a gramática é alguém em quem se bate todo dia para que ela saiba quem é que manda. Só avanço no sentido de que a torturo até que responda o que pergunto, diga o que preciso ouvir, leve o processo adiante. Mas não importa. Com esse método cruel - dizem - , estarei errado pois terei errado.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Sobre Eugénio de Andrade


Como, por todo o livrinho O peso da sombra, só há versos e passagens em respeito às coisas postas sob o sol. Isto serve para lembrar que peso é o que a balança mede.

Na surdina, o segredo.

Não é preciso uma cena de Alexandre Dumas para retomar os cuidados ardilosos que uma rua parisiense exige, em especial nas conspirações dos mosqueteiros em favor do rei. Para gerar segredo, e que segredo como tal vigore, faz-se aliada a ignorância, inclusive em relação ao tempo. Os mosqueteiros mudam os ponteiros e os movimentos para que o mosqueteiro maior não saiba a que horas tudo veio a se passar, este tudo que foram as estripulias dos 3. Silenciosamente os mesmos 3 elaboram cada um dos cúmplices que formidavelmente serão álibis honrados: não os fazem mentir sua mentira, e na mentira que contam relatam nada mais nada menos que a verdade. "Eram 18 horas e 30 minutos quando estiveram aqui". Secretamente haviam alterado os ângulos dos ponteiros e adiantado os relógios à mão, as três pestes.

Soberba essa invenção do segredo como o sagrado do ambiente público, e da sociedade secreta, a associação de surdina e geradora de códigos, senhas e submundos, tal o veículo privilegiado para estabelecer horários paralelos e presenças alternativas para que cada pequena mentira seja contada para evidenciar a verdade subjacente que é a ordem que liga. Suprema câmara escura da vida privada, coisinha linda do pai do mundo burguês. Boudoir! (não é peculiar que boudoir, assim, exclamado e só, parece um cumprimento?).

Junto a esta invenção veio outra, que é a do infinitesimalmente pequeno do poder, também coisa de burguês (que não tardou em gerar sua fissão pequeno-burguesa, lembrando que o infinitesimal também se gera numa escala evolutiva). Tão pequeno o segredo se fez que por forças as mais sutis e lentamente capilarisadas ocorreu uma primeira reunião microtemporal dos Infinitamente Pequenos da Cabeça, ou Os Menos que Um (em ano ainda desconhecido documentado por Pedro Viadiño), cujo coletivo desmembra a alma em pequenos núcleos gerenciadores da memória, fazendo de cada reunião realizada a portas fechadas e com delicados e cuidadosos códigos de decoro um evento a esquecer para que se pudesse promover os atos de lembrança segundo sua forma acabada de publicidade. Desse espaço público infinitesimal, chamamos de consciência. Há quem chame de ação social. Já eu, eu prefiro deixar um ressoar no outro. Só por conveniência, ou por falta de nome melhor. Já os tempos de reunião dos Infinitamente Pequenos da Cabeça, ou Os Menos que Um, não chamamos pelo nome, e para que agrupemos os detalhes estranhos deixados pelas reuniões, como as camisinhas usadas na lixeira, as fotos nossas cheias de anotações com canetas Pilot e organogramas conectando pirâmides com genitálias, mulheres correndo com lobos, pais e filhos, e macacos depilados vestidos de Britney Spears, chamamos por um nome adequado às lendas urbanas. Chamamos, também por carência e não por opulência, de inconsciente. Mas inominável que é, quando chamamos para depor, o inconsciente não vem. Está fora de jurisdição. E o emissário que por ventura vier, e quando vier, não dirá nada que faça sentido. E quando fizer sentido, logo esqueceremos o que diabos ele disse.

Tudo delicadamente arquitetado. Resta saber por quem.

(nota de tradução: 'resta', traduzido do português, pode significar jazer, o que implica em uma ambigüidade insolúvel quando traduzimos a palavra para o português)

traduzido por Refrator de Curvelo