terça-feira, 11 de março de 2014

Notas desde atrás do muro: os espaços da fé e o território como problema de teologia política.


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            Palmira. Berlin. Paris. Não importa grande coisa se o que resta, quando resta são ruínas. A Queda da Bastilha deixou, além de parcos tijolos escondidos por vigas que ergueram a Ópera erguida sobre uma estação de metrô, uma história símbolo da tomada de poder popular que abre os trabalhos da Revolução Francesa. Berlin, ensina Paul Virilio em Guerra e Cinema, fora reformada pela arquitetura nazista para que, ao ser derrubada por bombardeios dos Aliados contra o Eixo viesse a contar uma certa história de grandeza – uma arquitetura baseada na grandeza da decadência de Atenas e Roma. Palmira guarda na voz fantasmática do gênio que visita o narrador de Les Ruines a biografia dos excessos e, portanto, dos erros dietéticos de uma civilização vindo a contar a história de todos os equívocos, passados e futuros, da política humana. A lição da história é que ela é o trato daquilo que resta, o que sobra, em contornos documentais cujo arranjo não é da outra ordem senão o da ficção – é da ordem do feito. Fetiche. E que se entenda que em nada tem a ver com o fato, de que por ventura seja verdade. Tem a ver com o que resta. No caso, resta pouco da salvação e sua história, a heilgeschichte.

            Conhecemos a história de um autômato construído de tal modo que podia responder a cada lance de um jogador de um xadrez com um contralance, que lhe assegurava a vitória. Um fantoche vestido à turca, com um narguilé na boca, sentava-se diante de um tabuleiro, coloca-o numa grande mesa. Um sistema de espelhos criava a ilusão de que a mesa era totalmente visível, em todos os seus pormenores. Na realidade, um anão corcunda se escondia nela, um mestre no xadrez, que dirigia com cordéis a mão do fantoche. Podemos imaginar uma contrapartida filosófica desse mecanismo. O fantoche chamado “materialismo histórico” ganhará sempre. Ele pode enfrentar qualquer desafio, desde que tome a seu serviço a teologia. Hoje, ela é reconhecidamente pequena e feia e não ousa mostrar-se.” (Benjamim, 1996:222)[1]

            Interessante notar que Walter Benjamim advoga pela feiúra da teologia e, sendo um comentarista partidário da ode ao feio de Charles Beaudelaire, acaba por tecer o seu elogio. O comentário à frase de Rudolf Hermann Lotze, de que é admirável que mesmo individualistas conseguimos não sentir inveja do futuro parece retomar as bases do que Ernst Bloch chamará de princípio da esperança em que a salvação se desloca para algo mais adiante, como felicidade ainda que adiada. A teologia insiste em não abrir mão de coisas que a fazem falar baixo, no canto da sala. Ela, contudo, segue sugerindo. Ela orienta. Resta saber se a história que não mais se dedica a salvação em primeiro plano saberá ainda receber lições para a condução das almas ou, pelo menos, para seguir ouvindo a sua voz e compreendê-la com tristeza de quem compadece pela derrota. Acídia.
            Compadecer pela teologia não implica, contudo, em aderir à eclesiologia mas sim em tratar a história do espírito como uma voz ainda viva, mesmo que soterrada pelo entulhamento produzido tanto por ela, soerguida em ordens de catedrais, quanto pela delação e violação dos espaços que outrora foram seus. A revolta armada do braço contra a cabeça, diria a defesa do Corpus Mysticum paulino, que faz com que os braços tenham ilusões cerebrais. A delação, por sua vez, se entulha na forma de progresso, exatamente contra o qual é preciso dar atenção, uma vez mais, aos rumores que reclamam pela voz dos anjos. Porque o progresso é o braço secular com delírios de nobreza.


[1] http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,vagao-fantasma-roda-sem-condutor-em-sao-roque,1139284,0.htm

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