EISENBERG, José. As
missões jesuíticas e o pensamento político moderno: encontros
culturais, aventuras teóricas. UFMG. Belo Horizonte. 2000.
CERTEAU, Michel. Le lieu de l’autre : histoire religieuse et
mystique.
Gallimard/Seuil. Paris. 2005.
6-
O itinerário
de Ignacio que o leva até Paris não é, contudo, é a linha de chegada desta
história e tampouco uma espécie de ponto de fuga. Viveu na capital francesa, a
mesma França cujo exército que lhe valera o ferimento e que viria a feri-lo uma
vez mais, em 1535. Sua estadia no Collège de Montaigu fora adiado uma vez que
dominicanos haviam assumido a direção do mesmo imprimindo o ensino da Summa de Sto. Tomás próprias do ensino
escolástico com relação ao qual Ignacio era avesso. Fora a razão de sua
transferência para o Collège de St. Barb com vistas no estudo do nominalismo
desenvolvidas em Louvain no século anterior, particularmente na teologia de
Jean Gerson – por muito tempo creditado como autor de Imitatio Christi. Foi em St. Barb que conheceu Francisco Xavier e
todo o grupo que mais tarde se tornaria o núcleo fundador da Companhia de
Jesus. Sendo preso mais uma vez, exatamente neste período, que Ignacio fora
preso mais uma vez, exatamente nas vésperas de sua segunda viagem para
Jerusalém. A Inquisição, mais uma vez, o processara por causa dos Exercícios Espirituais.
“Irritado, ele foge para a Espanha, mas não
sem ter combinado com seus companheiros de se encontrarem em Veneza, de onde
partiriam para Jerusalém. Tomou um barco de Barcelona a Gênova , chegando a
Veneza em janeiro de 1536, enquanto seus companheiros partiram a pé de Paris,
chegando à cidade italiana um ano depois. O grupo dispersou-se pela região de
Veneza para aguardar o término do inverno; nas cidades onde se instalaram,
buscavam recrutar outros devotos para a viagem. Combinaram que, se alguém lhes
perguntasse de que organização faziam parte, responderiam que eram da
“Companhia de Jesus”, sendo Cristo seu único superior. Enquanto isso, Inácio
viajaria para Roma para mostrar ao Papa uma versão da Fórmula do Instituto, o
documento fundador da ordem jesuítica. “(Eisenberg, 2000:31)
Independente
de seu conteúdo, a circulação dos Exercícios
Espirituais se encontrava flagrantemente comprometido. A presença frequente
da Inquisição na trajetória do documento e de seu redator faz refletir a marca
ambígua própria das considerações iniciais de Michel de Certeau acerca de dois
aspectos privilegiados por sua historiografia da cristianismo moderna: a
heresia e a mística. O primeiro termo sugere haver uma legibilidade de um conflito social própria do cristianismo em uma
disposição binária desde o papel exercido por intelectuais da Igreja em
conflito próprios à dinâmica da mesma (2009:23-26). A reconstituição dos
procedimentos que narram a heresia desde a acusação conseguem dimensionar a
irrupção dos acontecimentos que não somente produzem conflito, mas alteram a
ordem que desde um ponto de vista doutrinal, sugere um componente perene da
ordem política frequentemente identificada com a expressão dos dogmas. Lido
desde a história da Companhia de Jesus em seus momentos de formação, é difícil
acreditar que quase 500 anos depois o Papa viria a ser, justamente, um jesuíta.
Os séculos
XVI e XVII, a aurora da modernidade igualmente batizada como Modernidade
Clássica narram eventos algo perturbadores. É, ao contrário do que reza a
imaginação comum sobre a Idade Média, o ápice da perseguição às bruxas e
feiticeiras (witchcraze); é o período
em que as investigações sobre demonologia adquirem feições obsessivas muitas
das vezes consideradas de forma muito aproximada com a elaboração do poder
soberano e divino da coroa, como no caso dos escritos de Jean Bodin; é
igualmente o período de maior atividade da Inquisição e quando as execuções
conduzidas, não por ela, mas pelo braço secular vieram a se transformar em
verdadeiros eventos em praça pública; o escolasticismo católico é desafiado
internamente pelo neo-platonismo que culmina em, dentre tantas coisas,
luteranismo; é também o período de consolidação da relação entre Igreja, Estado
e território no qual o controle dos hereges assume novas conformações da mesma
forma em que se dá a paulatina extinção do crime de feitiçaria, feito levado à
cabo em primeiro lugar na França libertina de fins do século XVII, a mesma que
incuba e germina a doutrina fundadora da raison
d’État. Assim, é possível ler cada um dos desafios e ameaças citadas neste
parágrafo como uma forma nova de distúrbio à ordem civil lida na conformação do
direito público, conjunto de leis que interfere diretamente na dinâmica de tudo
aquilo que é consuetudinário. Isto incluirá, seguramente, a relação da Igreja
com a sua tradição e com tudo aquilo que poderá reconhecer como cristandade.
“Difícil e violento, o rearranjo do espaço
religioso em Igrejas ou “partidos” não anda em par somente com uma gestão
política das diferenças; ela introduz em cada um desses grupos a necessidade de
manipular os costumes e crenças em proveito próprio segundo uma reinterpretação
prática das situações organizadas anteriormente segundo outras determinações
vindo então a produzir sua unidade a
partir de dados tradicionais e de procurar os instrumentos intelectuais e os
meios políticos que lhes permitam um novo emprego ou a “correção” de condutas e
pensamentos. A tarefa de educar e o
cuidado com os métodos caracterizam
a atividade de “partidos” religiosos e de todas as novas congregações, cada vez
mais conformadas ao modelo estatal.” (op.cit.:26)
Educação e
metodologia. O período inaugural jesuíta participa, como é possível ver, da
fundação e instituição de algo maior do que a própria Companhia de Jesus. É
possível dizer, ainda que com exagero próprio das caricaturas, que estamos
falando de um capítulo da modernidade em particular em que a instituição
jesuíta é protagonista. É aqui que é possível recuperar uma outra dimensão,
bastante mais difusa, de sua história na medida em que a mesma se torna
indistinta da história do barroco.
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