COHEN,
Bernard Jerome. Revolution in Science.
Belknap/Harvard. Londres/Cambridge. 1985.
COUSIN, Bernard;
CUBELLS, Monique; MOULINAS, René. La
pique et la croix: histoire religieuse de la Révolution
Française. Centurion.
Paris. 1989.
FRAZER,
James George. The golden bough: the magic
art (2/13 vol.). Macmillan. Londres.1990 [1913].
KOSELLECK, Reinhart. Futuro
passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.
Rio de Janeiro. Contraponto. 2006.
1- 1879 segue
sendo um marco inescapável. O processo revolucionário que parte de um esforço
nacional para uma reforma fiscal e orçamentária (budgetaire) se
transformou em signo de ruptura no tempo ao ponto que o conceito de revolução
foi, ele mesmo, revolucionado. Aquilo que outrora enunciava a retomada do ciclo
normal própria das órbitas celestes, por exemplo em De revolutionibus orbium coelestium de Copérnico, (Koselleck,2006;
Cohen, 1985) em que a revolução se dá quando a trajetória percorrida pelos
astros e a retomada em um espaço arbitrariamente definido como Delta Zero marca
a presença de um mesmo astro em t=2, isto é, num segundo momento – com o perdão
da notação newtoniana. Começar de novo a mesma trajetória no tempo, eis o que
fora a revolução como processo e eis o mesmo processo então revolucionado por
uma outra revolução.
Esta
revolução nova parece acrescentar uma outra nota ao processo no qual não é a
regularidade indefectível da natureza quem conduz os esforços, mas a ação
humana que assume uma outra dimensão, propriamente humanista e portanto
protagonista de seu próprio meio, fazendo da retomada da ordem como a extinção
de relações postas anteriormente. Não se trata somente de uma substituição de
postos como na morte ritual – e real – do sacerdote do templo de Diana em Nemi
(Frazer, 1990), mas uma alteração dos termos de relação que fundamentam a
organização social instituindo, no caso da Revolução Francesa, a organização
social ela mesma. O processo revolucionário que pretendera ser uma correção de
rumos alterou a noção de rumo correto, o que por fim combina com a imagem de um
motim em uma enorme galera que culmina na alteração do que é um rumo correto
alterando a noção de destino – da perfeição à perfetctibilidade, por exemplo.
Dito de outra forma, trata-se da filosofia da história entendida como ato
governamental.
O que faço
nos dois parágrafos anteriores é um sumário bastante generalista. É
desnecessário ressaltar os riscos de um exercício de pesquisa que tenha como
ponto de partida algo desta natureza que, diante das requisições e cautelas de
um discurso acadêmico-científico, é bastante grosseiro. Dizer que o processo
Revolucionário francês começa como um ato governamental para, por fim mudar
aquilo que significa governar, parece ser tudo, menos preciso. A imprecisão da
idéia, ainda assim, parece tentadora. Obviamente que esta sugestão não pretende
se indispor com uma outra, a que atenta para uma dimensão sociológica dos
processos históricos que afirma que, por fim, um dado evento com as proporções
da Revolução Francesa se encontrava gestado com enorme antecedência e que a depender
da diretriz narrativa pretendida, a Revolução teria uma data de partida
diferente. Suas origens culturais não seriam, portanto, suas origens
sociológicas, alterando sua datação no caso da distinção de fato ter alguma
relevância. E talvez tenha, mas como distinção, digamos, nativa. E isto faria
de minha grosseria algo interessante porque boa parte das categorias nativas em
movimento no período pós-revolucionário ressoarão no pensamento sociológico na
forma de categorias analíticas e conceitos sociológicos. O que estou dizendo é
que após a Revolução dificilmente o pensamento sociológico poderia ser
discriminado das reformas que se inserem como postulado das políticas de
Estado. Seguramente que a sociologia pode ser relacionada a diversas outras
dimensões da história moderna, mas, repito que dificilmente poderia ser
dissociada do esforço persistente de reforma do Estado que conduziu grande
parte das políticas conduzidas pela França pós-revolucionária.
Visto de um
ponto de vista não-especializado o jogo de sucessivas reformas tem uma
aparência de mover as coisas de lugar, quando não a de tirar para então
substituir por outras cuja crônica se transforma na narrativa dos arcanos do
Estado e seus demiurgos que logo se transformam em biografias coletivas que
atendem por um nome só: Império de Napoleão, de Louis Philippe, o governo de
Thiers. Não são somente nomes masculinos, mas períodos e unidades de espaço nos
quais incidem os gestos de governo de cada uma destas personagens, nem sempre
de corpo presente, mas por via da presença da chancela e, quando não, de sua
forja. Assim, o que fazer com deposições como a da coroa que caiu guilhotina
abaixo; ou mesmo da expulsão da religião pela porta dos fundos? Expulsão? É
preciso ver mais de perto este sinal que pode ser, no mais das vezes, invertido
ou pelo menos severamente atenuado exatamente porque este mesmo sinal é
diversas vezes confundido com o sinal da cruz.
No documento
da Constituição civil do clericato de 12 de julho de 1790 a Igreja é
varrida do solo francês. O processo já duramente questionado se torna uma
fratura ainda mais agressiva e, convém lembrar, diversas vezes criminosa
durante o ano II da Revolução (1793-1794) quando as raízes do culto sofrem
golpes com vistas na sua total extirpação do seio da vida pública, período no
qual se desenham substitutos na forma de festas cívicas. Daí por diante, depois
da abolição do dízimo, da nacionalização dos bens da Igreja e da supressão das
ordens religiosas a fronteira é posta: entre a religião e o Estado há uma
fronteira na qual a França deixa de ter uma religião oficial. O culto religioso
é uma atividade, quando não ilegal, dali por diante extra-oficial. Mas quais os
demais efeitos da deposição para além da descrita? Porque é preciso destacar um
ponto importante:
“Em 1789 a Igreja ocupa, na França, o primeiro plano ao mesmo tempo político, social, intelectual e moral. O clericato é a primeira ordem do reinado, sendo a única ordem organizada em escala nacional tendo suas assembleias com relação às quais voltaremos a falar (Cousin et. al, 1989, voltarão a falar - não eu). O catolicismo é religião de Estado de forma que nenhuma outra confissão é, em princípio, tolerada após a revogação do édito de Nantes pelo édito de Fontainebleau, de 1685.” (Cousin et al.: 13).
“Em 1789 a Igreja ocupa, na França, o primeiro plano ao mesmo tempo político, social, intelectual e moral. O clericato é a primeira ordem do reinado, sendo a única ordem organizada em escala nacional tendo suas assembleias com relação às quais voltaremos a falar (Cousin et. al, 1989, voltarão a falar - não eu). O catolicismo é religião de Estado de forma que nenhuma outra confissão é, em princípio, tolerada após a revogação do édito de Nantes pelo édito de Fontainebleau, de 1685.” (Cousin et al.: 13).
Isto não
quer dizer, obviamente, que o processo Revolucionário se transformou numa festa
ecumênica em que todas as religiões puderam vir à luz, mas que se formou algo
peculiar mediante uma proibição universal do culto público religioso. Por via
desta proibição que atingia inclusive aquela que outrora fora a religião
oficial – e uma das razões de ser da crise econômica, vale lembrar -, um ato
governamental produzia um cenário em que todas as religiões indiferiam entre si
dado que equivalentes. Este gesto, nesta escala, produzia uma certa indiferença
com relação à fé, à crença e tudo aquilo o mais que os antropólogos modernos
passaram a chamar de categorias nativas que, em não poucos casos caberiam na
alcunha “teologia”. No caso, a católica.
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