domingo, 30 de novembro de 2014

MÔNADA, díade, tríade, tétrade: números inteiros.

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Era somente um. Numeral. Ponto. Não que seja coisa simples, digo, algo próximo de um número inteiro. Próximo, porque nunca foi algo que eu pudesse olhar no espelho e garantir, mesmo que fosse no espelho que eu já considerei enorme, na porta do armário do quarto de mamãe. De qualquer forma, cresci com esta marca que, até onde sei, sempre foi mais ou menos comum. Minha primeira visita em um parque de diversões a interdição do prosseguimento do movimento da fila para entrar na montanha-russa sempre vinha com a instrução de que nem mais uma criança entraria e que teríamos que esperar pela próxima leva. Muitas vezes fui sozinho, outras fiquei para trás enquanto meus amigos se davam as mãos, dois a dois, gritando o que outra vezes gritei com eles – a mais longa e alta vogal que eu pudesse encontrar garganta adentro. Com gosto. Não somente eu mas

Cada
Um
De
Nós.

            Hoje eu concordo o número da frase com algum receio de estar errando. Poucas vezes tive a impressão de que de alguma forma vivi como mais de um, em algum mecanismo de acoplamento marginal que engata o enunciado num caldo só, devidamente temperado pela circunstância. Não que se deva confiar em coisas como “a memória” ou mesmo “a primeira vez em que percebi isso”. Nem um, nem outro farão nada por mim ou por esta prosa sobre números inteiros. Não tem nada a dize sobre este que é um assunto meramente geométrico e, desconfio que o papel que se pode atribuir, ou mesmo usufruir nestes dois termos em nada tem a ver com um garante narrativo ou qualquer outra coisa que possa ser dita. Enfim, dizemos para manter a banca da casa e fazer com que haja movimento, mas no limite não são importantes, nem a memória faz, nem a primeira vez em que percebi isso. O que importa é que nós só fez inteiramente sentido quando meu irmão e eu resolvemos roubar o pequeno supermercado que existiu no galpão ainda existente a pouco mais de meio quarteirão de onde ainda moro. Fugir e, principalmente, ser pego. Diria então, “eis o momento em que pude perceber que éramos nós”, mas não é nada disso. O que é efetivo é que hoje sinto que este é um “nós” plausível, especialmente na instância da fuga que até hoje persiste dado que não só mascamos todas as gomas de mascar como redundamos em manter o castigo que se abateria sobre nós à distância. Em qualquer combinatória, vale dizer, seríamos nós. Eu pego e ele não, a delação possível e, então, o medo da delação. Nós dois pegos.  4 alternativas e em todas elas, nós. Nós dois. Que digam algo sobre a paixão, o sexo, a amizade como produtor desta unidade dual. Que interfiram recusando o resto desta prosa, não me incomodaria em nada porque a paixão é o momento da fuga, eterna enquanto dura. Enquanto houver o furor da existência ardente da contraparte, e for paixão, o sentimento é aquele que atravessa o corpo de alguém que, em trânsito em provável fuga de seu país, chegando em um hotel no estrangeiro com os olhos arregalados e respiração ligeiramente ofegante o atendente pergunta, sorridente, se está fugindo e incapaz de compreender a mais sutil ironia, esvaziado do senso de humor. Foi pego mesmo que por um segundo; pegaram seu comparsa; desbarataram a operação – vi meu cúmplice (ah, a cumplicidade dos casais) sendo preso ao assistir a televisão e logo percebi que seria e minha vez, logo em seguida e estaríamos, nós dois, presos. Nós dois, não importam quantos. Nós é dois. Eles, três. Foi assim que me cercaram e agora, escrevo da prisão, à huis clos.

Um comentário:

Maria Ignez disse...

Instigante texto. E pensar que o encontrei numa googada em busca da continuidade da sequencia: Mônada - Díade - Tríade - Tetráctis - e o que mais?
Talvez, Pitágoras quisesse me dizer que a continuidade da sequencia numeral em absoluto, será sempre NÓS! Um abraço ao autor. Bela reflexão.