terça-feira, 10 de maio de 2011

Pergunte ao Melanésio II


















Uma das maiores preocupações da antropologia, enquanto disciplina moderna, está em elaborar analogias funcionais. E se não funcionais, ao menos analogias que funcionem. Grosso modo, o impulso em se orientar por analogias e seu grau de universalidade permite ao analista extrapolar os dados rumo a um plano simbólico comum, o que também já foi mais chamado como espírito humano. De alguma forma, os símbolos teriam traços distintivos essenciais em sua figuração, permitindo que houvesse conexão de ida – da emanação do arquétipo até o simulacro – e de volta – permitindo, via atividade litúrgica ou ritual; não são sinônimos; do simulacro até o arquétipo. Repetindo: em tese, o símbolo tem ida e volta. Em tese. Ida e volta. No entanto, tudo o que o exercício etnográfico fez foi complicar este esquema, em muito sugerido nas vulgatas de religião comparada - lembrando ao fiel mais impaciente que nem toda comparação se fez na base do cuspe-e-cola.





Como é de conhecimento comum do antropólogo descolado – e aí, vai procurar por aí um antropólogo descolado que tenha, de fato lido Os Argonautas do Pacífico Ocidental ou monografia de peso semelhante -, Malinowski dedicou-se em descrever o sistema do Kula por via dos trajetos de navegação, assim como a vida das wagas, as canoas utilizadas para a navegação no arquipélogo Trobirand e adjacências. O kula, na visão de Malinowski é sinônimo de cultura massim, e por via dele são movimentados os fundamentos da economia nativa, entendendo então que é nele que a vida social circula e o código cultural mais específico se exprime. O kula é caracterizado por um sistema complexo, porque extenso de honrarias que não vou me deter em descrever. Malinowski o fez melhor. E depois Annette Weiner. E depois Marilyn Strathern – muita gente. Tô fora. Detesto aglomeração. Mas há, lá pelas páginas quase 200, um parágrafo bacana que é daqueles que confundem o setor das analogias plásticas universais. Malinowski disserta sobre eventos sobrenaturais que podem impedir uma expedição do kula:

De todas as crenças, a mais notável é a de que há no mar enormes pedras vivas, as quais ficam à espera das canoas, correm atrás delas e, saltando, redusem-nas a pedaços. Sempre que os nativos têm razões para temê-las, todos os membros da tripulação se conservam em silêncio, pois que as risadas e a conversa em voz alta atraem as pedras. Às vezes elas podem ser vistas à distância, saltando para fora da água ou movendo-se sobre o mar. Com efeito, foram apontadas para mim quando deixamos Koyatabu(1), e, embora eu não visse coisa nenhuma, os nativos, é claro, genuinamente acreditavam tê-las visto. De uma coisa, no entanto, estou certo: a muitas milhas em nosso redor não havia sequer um recife aflorar nas águas. Os nativos também sabem muito bem que essas pedras vivas são diferentes dos recifes e dos baixios, pois que elas se movem e ao avistarem uma canoa, passam a persegui-la, estraçalham-na de propósito e esmagam a tripulação. Esses hábeis pescadores também jamais poderiam confundir um peixe voador com qualqur outra coisa, embora ao falar das pedras eles com freqüência as comparem aos golfinhos saltadores ou às arraias de ferrão”. (edição Os Pensadores de 1978, página 180)

No caso, e estritamente no caso melanésio, parece que se há um imaginário a ser considerado, o mesmo tem vetor. Isto porque uma pedra saltadora pode se assemelhar com um golfinho ou com uma arraia, mas o contrário não pode ser verdade pois, se assim fosse, os trobriandeses pescariam pedras, o que seria ridículo. Sem saída, pergunto:















E aí, melanésio? Qu´est-que tu me dis?


(1) Sim, a palavra tabu é melanésia. Koyatabu é “montanha proibida”, um endereço da expedição do kula que Malinowski descreve, ainda que à sua forma polaco-escocesa. Tem um traço de Sterne nessa história aí.






4 comentários:

AM disse...

Curioso é que tudo que achei interessante em sua outra exposição aqui evaporou. Não é problema seu, claro: é apenas minha reação ao jeito como vc articula o que tem a dizer lá e aqui, como vc constrói uma persona lá e outra aqui.

Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um) disse...

Mas, pô, AM. São duas coisas completamente diferentes. Dois temas completamente dissemelhantes. Uma coisa é o jogo do Sterne, que apareceu ainda ontem, data em que me dei conta da possibilidade. Outra coisa é este tema, que venho cozinhando já há algum tempo, e que responde ao formato do "Pergunte ao Melanésio". Daí, sim, são vozes diferentes para dizer coisas diferentes com diferentes tons.

Permafrost disse...

Freud explica. "Eu-indo-bater-na-pedra" vira "a-pedra-vindo-bater-em-mim"; "eu-inicio-meu-mal" vira "o-mal-vem-do-outro".

Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um) disse...

Tô mais para "isto explica Freud" do que "isto, Freud explica"...