[Nota redigida durante a longa jornada em que, depois de três dias ainda me via emaranhado com a responsabilidade de ler Ernst Troeltsch com vistas em sanar um pouco da assustadora lacuna de leitura que tenho. Foram três as vezes que, enquanto passava as páginas que, ou por desatenção ou pressa eram viradas, que Carlo Ginzburg passou ao meu lado. Quis convidá-lo para um café, coisa que não fiz. A vontade era falar algo sobre o artigo Les Gobelins que encontrei na Revue Spirite e que reforçava parcialmente algumas das teses de História Noturna, livro pelo qual tenho adoração injustificada. Num dos vários equívocos de minha vida, permaneci sentado no mesmo lugar M.81 aonde estou há dois dias buscando compreender algo sobre os ensinamentos éticos dos Evangelhos de Paulo. Sem santo. Troeltsch é protestante. Joguei a sorte para o lado para redigir uma nota pífia sobre um detalhe incerto. Publico para dar as mãos e descobrir as nádegas para a palmatória de quem deveria ter mais vergonha nas faces. Nas duas.
A arrogância está em querer minar uma dimensão crucial do argumento com a
finalidade de fazer gracinha. Há quem diga, e eu concordo, que é particularmente
perigoso fazer esse tipo de exercício com as questões da Graça. Mas é
particularmente interessante quando o argumento de um sociólogo que preza pela
autonomia da religião precisa produzir uma justificativa temporal para as
dimensões em ajuste e desajuste da igreja histórica com relação ao cristianismo
primitivo. A mudança de escala das relações surge como a principal dimensão dos
ajustes necessários para que a versão primitiva se transforme na instituição
moderna, mas a coisa vai mais além. De uma forma geral, Ernst Troeltsch,
parceiro e amigo de Max Weber a ponto oferecer um ciclo de palestras publicado
como Protestantisme et modernité pela
editora Gallimard quando seu amigo estava em mais uma de suas severíssimas
crises nervosas, se esforça em demonstrar com relativo sucesso como as
instituições da ecclesia paulina se
desdobra da comunidade (gemeinschaft)
do amor de Deus. Esta comunidade é a comunidade de irmãos que de forma graciosa
a edição americana de The Social
Teachings of Christian Churches traduz em suas mais de mil páginas como fellowship. A questão é que Troelstch
considera não haver qualquer premissa paulina, e muito menos no Evangelho que
consiga justificar com a devida precisão qualquer justificativa para a
hierarquia produzida no seio do poder secular. A igreja da igualdade negativa,
cuja a diferenciação dentre os irmãos em Cristo se dá somente pela via da graça
e salvação, não poderia justificar e sequer interferir em nenhuma instituição
mundana. Nem precisaria, pois sua comunidade tem vistas no outro mundo, a cisão
de Marcel Gauchet chama de au-delà e ici-bas.
No capítulo em que comenta o ascetismo como um dos desdobramentos não
previstos da negação do mundo como um desdobramento da igualdade negativa,
Troeltsch entrega à Cristo uma leitura fenomenológica do tipo “erro de cálculo”
com relação ao futuro, o que permite entender a distância encontrada por
diversos comentaristas entre o Evangelho e alguns desdobramentos doutrinários
fornecidos pela patrística e, mais notadamente, com relação aos filósofos
cristãos do medievo. O futuro dura muito tempo até mesmo para Jesus Cristo:
“The Gospel and the teaching of
Jesus were of this kind. The Hope of the Kingdom of God which Jesus proclaimed,
and the radicalism of his ethical and religious demand, simply destroyed the
power of worldly interests by the demand for trust in God and simplicity of
life; otherwise, however, Jesus accepted the Jewish faith in the Creation, and
with that He unquestioningly accepted the word and its simple and innocent joys.
The fact that the mind of Jesus and of the most primitive period of the Church
was full of the hope that the ideal would very soon be realized in a marvelous
way also helped to lessen the value of the short remaining span of the world;
the depreciation, however, did not take the form of denial of the world, of the
senses, or of the nature; it was rather an attitude of indifference towards an
order which, in any case, is about to pass away.”(op.cit..:102)
Heroísmo ansioso ao invés de ascetismo, cujo
erro de cálculo do tempo futuro que, como diz uma certa biografia, dure longtemps, aponta para um Reino que
no final das contas demorara demais para chegar, o que talvez demandasse outros
Evangelhos. As coisas não se deram como planejado – se é que Providência e
planejamento podem, de alguma forma, coincidir, o que ressuscita o problema do
governo dos outros. O problema, e não a solução.]
Um comentário:
http://www.vox-poetica.org/t/articles/ginzburg2011.html
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