Primeira Página - Ele fez o céu e a terra, diz a lenda. E
povoou com um tipo indistinto de gente que mal sabia saber aonde um corpo
terminava e aonde começava o outro, todos muito juntos e grudados ao pé da
terra. Do céu e da terra, o sol participa fazendo ressecar os corpos e rachar
as juntas da grande indistinção, fazendo não somente trincar as partes e
multiplicar as gentes, mas envelheceu a todos que desmancharam rapidamente. Sem
mais. O demiurgo fez tudo muito rápido, chegou atrasado em sua própria criação
e, assim, descobriu o mundo. E descobrir é inapelavelmente chegar atrasado. O
mundo ainda estava lá, mas muito quente e não tinha dado tempo de chover e a
água estava muito longe daquela gente rachada que era, no final das contas, pó
e sopro que se movia ao sabor do vento. Rachados e quebradiços em velhice
precoce, vieram a se transformar em pó. De um grande corpo indistinto, o vento
varreu a gente uniforme fazendo dela uma enormidade de grãos de areia voadora.
Uma nuvem à rés do chão. Tudo muito rápido e forte. O sopro do vento que levou a
todos era muito forte, porque o demiurgo manco era muito poderoso e senhor de
todas as coisas que criava – não havia ele criado tudo, mas só algumas coisas
que gostava, como a gente indistinta que, por atraso do demiurgo que se distraiu com outras criaturas, veio a rachar ao sol. E soprou o vento que levou a nuvem toda da rés do chão, todos
acelerados, e já longe do alcance do demiurgo manco que ficou sem ter com quem
caçar. Não caminhava bem, o coxo, e fazia companhias no calor do desejo de mera
conversação e companhia. E sempre apressado, povoava o mundo com uma gente feita de
improviso que, no final, sempre se viam forçadas a viajar mais rápido do que o
criador. Não corria, o demiurgo. O que ele fazia mesmo, e muito bem, era arcos.
Arcos perfeitos, daqueles em que a flecha que parte não é a flecha que chega,
artigo de primeira necessidade em um mundo em que os braços ainda não existiam,
criando a primeira classe de sacerdotes-caçadores que sabiam atirar
flechas-de-chegada. As flechas de partida estavam nos braços que o demiurgo
manco nunca houvera de criar.
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