KARDEC, Allan. Spiritisme expérimental – Le livre des
médiums ou guide des médiums et des évocateurs contenant l’enseignement spécial
des esprits sur la théorie de tous les genres de manifestations, les moyens de
communiquer avec le monde invisible, le développement de la médiumnité, les
difficultés et les écueils que l’on peut rencontrer dans la pratique du
spiritisme. Didier. Paris. 1862.
BORREIL, Jean et.
al. Les sauvages dans la cité :
auto-émancipacion du peuple et instruction des prolétaires au XIXe siècle.
Paris. Champ Vallon. 1985.
“On
se tromperait également si l’on croyait trouver dans ce ouvrage une recette
universelle et infaillible pour former des médiums. Bien que chacun renferme en
soi-même le germe des qualités nécessaires pour le devenir, ces qualités
n’existent qu’à des degrés très différents, et leur développement tient à des
causes qu’il ne dépend de personne de faire naître à volonté. Les règles de la
poésie, de la peinture et de la musique de ceux qui n’en nt pas le génie :
elles guident dans l’emploi des facultés naturelles. Il en est de même de notre
travail ; son objet est d’indiquer les moyens de développer la faculté
médianimique autant que le permettent les dispositions de chacun, et surtout
d’en diriger l’emploi d’une manière utile lorsque la faculté existe. Mais là
n’est point le but unique que nous nous sommes proposé. »(1862 :VI)
Este é um
dos parágrafos de abertura do livro dos médiuns redigido por Allan Kardec, cuja
função, e a noção de função é sobremaneira importante, é a de orientar a
formação de novos médiuns, assim como levar adiante o desenvolvimento dos
médiuns já em atividade. Um meio para promover médiuns é, para além da
redundância do conceito, uma nota a ser considerada sobre a formação de uma
rede de mediações. Não tendo contraído, este trabalho, nenhuma dívida com a
noção de rede das mais difundidas a partir da obra de Bruno Latour, com a
exceção do emprego da noção própria, a de rede, não há alternativa senão fazer
ressoar aquilo que o próprio termo, o que o conceito mesmo, produz. No caso,
aponta para mediações. Não é preciso ir muito longe. O médium é o meio. Meio
termo, meio caminho, intersecçor. No Cours
de Linguistique Générale de Saussure, o meio é o signo na forma do
significante, que se interpõe entre o significado e a coisa, o que é algo
semelhante à conduta da semiótica na qual é signo é o que se coloca entre o
objeto e o interpretante, no caso levarmos à sério a designação de Charles
Sanders Peirce. É o caso. Desde o começo, este trabalho diz respeito a um
episódio em que é a virtude e os vícios dos meios que oferecem a cena da qual
parti e para a qual, aos poucos, devo voltar apontando algumas das não poucas
aporias da mediação, mais especificamente de quando da precipitação do que
Carlo Ginzburg chama de emergência do paradigma indiciário. De uma forma geral,
segue impondo o problema da presença daquilo que acontece, do que age à
distância, e o tipo de problema desencadeado exatamente pelo interpretante que,
mais do que simplesmente interpretar, interpreta sua forma de interpretação em
uma forma de hermenêutica de segundo grau que tanto interessa Hans Ulrich
Gumbrecht e sua definição de modernidade epistemológica (1998). Interpretar não
basta, e interpretar o símbolo não é o suficiente. É necessário interpretar a
interpretação e o interpretante, o que nos permite, em filosofia, tecer
analogias com David Hume, Immanuel Kant e mesmo René Descartes. É significativo
que todos eles tenham sido apontados como uma base para a reflexão sobre os
meios, seja com relação à sua parcialidade com vistas nas associações
analógicas, seja com relação às suas condições de possibilidade com vistas na
razão, ou mesmo fazendo coincidir o meio como o caminho, como método.
A felicidade
de lembrar de Descartes e a noção de método é enorme exatamente porque o livro
de Kardec segue aquilo que é sua marca como redator de cursos e ditados de
diversas disciplinas de quando, ainda assinando o nome Rivail, exercia a
atividade de pedagogo. Rivail era autor de manuais para formar auto-didatas num
tempo em que a mera proposta deste tipo de trabalho oferecia um desafio a um
componente da autoridade da ordem pública, uma certa imagem da figura do
professor. Não muito distantes da Revolução Francesa, a mesma que destituiu
juízes, padres e toda sorte de mediadores de seus cargos dissociando autoridade
e poder, um projeto paralelo e igualmente ambicioso toma forma, ocupa lugar.
Jules Michelet escreve, em uma carta de 1850, sobre a ausência de condições de educar
o povo sobre quem tanto escreveu das mais diferentes formas. Sendo ele o
redator de uma Histoire de la Revolution
Française em que a tomada da Bastille é narrada com sinais que fazem
confundir Graça, Predestinação e Vontade Geral, Michelet seguiu preocupado com
a educação popular que não se movia do lugar, mesmo a uma distância
suficientemente grande do momento revolucionário original. Charles Renouvier,
ainda em 1848 já clamava por uma população que contasse um legislador, um
cidadão, fazendo coincidir um e outro na mesma figura, produzindo a marca da
catequese civil que ele mesmo redigira. O limite, aquilo que configurava o
horizonte inultrapassável era o índice altíssimo de analfabetismo que, somado à
carência de instituições de ensino, ameaçava a utopia republicana com um cerco
cada vez mais opressor. O futuro parece não chegar, apesar da revolução tardia
de 1848.
O mesmo ano
de 1848 data a redação e envio de uma carta redigida por Rivail e remetida ao
ministro da Instrução Pública, Carnot, na qual se formaliza a demanda pela
universalização da oferta da Educação Livre, isto é, para que as disciplinas
universitárias pudessem sair do monopólio da igreja católica fazendo com que outras instituições produzissem uma nova oferta. A atividade de Rivail, junto a isto, acumula no curriculum uma
série de publicações destinadas à instrução de auto-didatas.
Cidadãos-legisladores, diz Renouvier; Roman Chapelain redige uma história
abreviada do direito constitucional francês, conduzido o leitor à síntese do
tempo jurídico pois, afinal, o leitor deve conseguir legislar. Mas, leitor?
Esta
pergunta, ¿leitor?, está presente em uma safra de historiadores do porte de
Roger Chartier, Jean Hébrard, Jean-Yves Mollier e Carlo Ginzburg, pois das
fontes bibliográficas que lemos e a força que tem em nossa imaginação do tempo
passado – que provavelmente não foi passado por ninguém -, a pergunta relativa
a “quem é que de fato lia?” assume novos contornos quando levamos à sério a
inquietação de Michelet que, a despeito de quaisquer poréns com seu entusiasmo
com a Revolução Francesa, era atento e observador com aquilo que o cercava. E o
que o cercava era o povo, o mesmo que merecera a dedicação do porte de
obras-primas historiográficas, como Le
Peuple e La Sorcière, este um
livro que não creio me cansar de elogiar. Este povo, elogiado por um sem número
de elogios era, à luz dos tempos das Luzes, ignorante porque analfabeto. Sem
escolas suficientes e sem um esforço prioritário em transformar o cidadão num
conhecedor íntimo das leis e da administração da República que aparecia e
desaparecia do horizonte, a imaginação pedagógica mais do que vislumbra,
desenvolve a pedagogia do mestre ausente.
Seguramente
que a ausência do mestre pode ser medida em formas de responsabilidade, como a
da extinção e, posteriormente, lenta reincorporação das instituições de
instrução católicas. Ainda assim, a noção de universalização do ensino se
transforma, mais do que numa pauta, em algo que soa necessário ou, no caso do
exercício espírita, o próprio destino humano em seu flerte desencontrado com a
inteligência e coma sabedoria. Com o
mestre ausente e com o tempo acelerado em que, por decreto todos somos
modernos, os livros que ensinam a ler deixam de ser mera elucubração para se transformar,
a partir dos esforços de Joseph Jacotot, num meio de produzir a república.
Livros que ensinam a ler.
Não são
poucos os pressupostos e meandros técnicos que instituem livros assim, e alguns
deles merecem uma investigação mais profunda do que uma introdução ligeira ao
tem oferece. Mas, seguramente merece atenção o fato de que todos as requisições
deste tipo de projeto, todas as sutilezas que fazem do livro para auto-didatas
um gênero específico, estão presentes na produção de Rivail quando, mais tarde,
assina por Kardec. Livros para auto-didatas ensinam o método do método, o mode d’emploi do mode d’emploi, especialmente quando o que se usa é soi-même como meio de alguma outra
coisa, sejam espíritos, o alfabeto ou mesmo a República que, por diversas
razões, insiste em não chegar e, quando chega, chega com ares de quem vai
partir.
(alguns detalhes sobre Joseph Jacotot, esse ancestral do Instituto Universal Brasileiro, está no capítulo redigido por Patrice Vermeren de Les sauvages dans la cité chamado, sugestivamente de Rien n'est dans rien ou tout le monde sait la logique.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário