quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Who am I, Jackie Chan? IV - fazendo graça com o que não deve


ASAD, Talal. Genealogies of religion: discipline and reasons of power in Christianity
and Islam. Johns Hopkins Press. Baltimore and London. 1993.
GEERTZ, Clifford. The interpretation of cultures. Basic Books. Nova York.
1973.

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            A discussão a respeito da noção de agência aplicada ao problema da autoria, ou da propriedade dos efeitos que em metafísica pode ser condicionado ao díptico causa eficiente/design inteligente assume outras proporções quando a discussão assume sua forma propriamente jurisdicional. Dito de outra forma, quando o que está sob observação a mais escrupulosa é exatamente a determinação do poder soberano, por um lado e de outro, a constituição do ato e do agente criminoso que tomam à forma de um amplexo os extremos que ativam a identificação codificada de agentes obsessores, por um lado que recheiam a bibliografia produzida por Michel de Certeau, Robert Mandrou, Julio Caro Baroja, Keith Thomas e Sarah Ferber. De outro lado delineia a forma do monopólio da organização dos componentes psíquicos pela clínica e pelo direito cuja historiografia de Michel Foucault, Marcel Gauchet, Ruth Harris, Jacques Donzelot, Christian Phéline, Robert Darmon e os ensaios de Philipp Rieff e O Anti-Édipo de Deleuze e Guattari descreveram à exaustão. Dito de outra forma, instituem de poder os agentes que podem, os que não podem e os regimes de existência algo explorados pela arqueologia foucaultiana e que tem um papel de destaque na composição da modernidade histórica narrada a partir da linha da secularização. São operadores de determinação ulterior das figuras presentes nos limites e no além da jurisdição. É aí que a tensão entre Geertz e Asad atinge seu ápice e, penso eu, sua maior relevância exatamente porque via Geertz nada parece existir com maior grau de realidade dado que restrito ao terreno do simbólico – que é o que existe no lugar de outra coisa numa forma de existência derivada próprias à definição mais agressiva de semiótica da comunicação humana, e especificamente humana como ele faz questão de enfatizar no ensaio sobre o impacto de conceito de cultura no conceito de homem – segundo capítulo de The Interpretation of Culture.
            De outra forma, à maneira de Asad, o universo do discurso sempre sugere franjas e bordas, ou um mais além da linguagem que define o empreendimento humano de forma abrangente. Da antropologia também, como crítica e produtora de poder. A comunicação humana reduzida a si-mesma parece ser condicionada por um projeto de paz perpétua que acompanha esta forma mitigada de religião natural desde o iluminismo escocês de David Hume, cuja concretude ou sua evidente falta forja a principal razão de sua recusa e, no pacote, a recusa da ética implicada na condução até o ponto em questão.
            O itinerário programado por Asad não é especificamente uma agenda contra-Geertz propriamente dita, mas contra aquilo que o projeto de Geertz ironicamente representa dado que demasiado dedicado na reprodução do confinamento e da defesa de uma religião confinada (Asad, 1993:28), isto é, de uma atividade simbólica de agência tutelada, o que é uma das especialidades do Estado moderno. Obviamente que esta é uma forma grosseira de apresentar a antropologia de Clifford Geertz, salvo se retomarmos a frase. Disse que Asad se indispõe contra aquilo que a antropologia de Geertz representa, isto é, contrária à versão cômica dos universais humanos que na forma de antropologia são registrados em livros, filmes e museus e que, uma vez sumariados compõem um catálogo de traduções  semióticas de textos culturais. Rigorosamente a humanidade emerge como pura mediação com força de agência, é o objeto em lugar de outro por excelência numa diluição homeopática da eucaristia. Visivelmente é a contraproposta liberal para as instituições medievais que eram, antes de mais nada, cristianismo público e não privado. E é esta alteração que serve de evidência quanto aos limites da definição de religião via Geertz:

            Let us, therefore, reduce our paradigm to a definition, for, although it is notorious that definitions establish nothing, in themselves they do, If they are carefully enough constructed, provide a useful orientation, or reorientation, of thought, such that an extended unpacking of them can be an effective way of developing and controlling a novel line of inquiry. They have useful virtue of explicitness: they commit themselves in a way discursive prose, which is this field especially, is always liable to substitute rhetoric for argument, does not. Without further ado, then, a religion is:

            (1) a system of symbols which acts to (2) establish powerful, pervasive, and long-lasting moods and motivations in men by (3) formulating conception of a general order of existence and (4) clothing these conceptions with such an aura of factuality that (5) the moods and motivations seen uniquely realistic.

            a system of symbols which acts to…”(Geertz, 1973:90-91)

            O interessante é que Asad cita o elenco em tópicos sem mostrar ao seu leitor o que é a definição de “definição” para Geertz como se os tópicos bastassem como representativa de um universalismo qualquer sem se aproximar da postura de Geertz como autor ou então, mais condizente com a crítica em questão, como autoridade. Ao fazê-lo parece, contudo, perder o mais importante pois é quando Geertz se mostra como uma espécie de comediógrafo liberal à forma de Harold Bloom (Abaixo às verdades sagradas) ou Richard Rorty (Contingência, ironia e solidariedade), exímios problematizadores da definição de “definição”. Afinal, se um símbolo é um objeto que se põe no lugar de outro, uma definição se presta ao papel de premissa de um ato de comunicação cuja o ápice performático é o da piada, da comédia. E deixar claras as premissas é uma postura muito mais importante quanto a universalidade do conceito de religião proposto do que a definição ela mesma. Até porque o religioso e o simbólico coincidem nos termos da hermenêutica de Geertz, e Asad sabe disso. A esta altura, ainda que motivações estejam fora da alçada do presente comentário, é mais importante descobrir o que Asad que de Geertz mais do que o que Geertz de fato produziu. E o que Asad demanda é disciplina.

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