ASAD, Talal.
Genealogies of religion: discipline and
reasons of power in Christianity
and Islam. Johns Hopkins Press. Baltimore and
London. 1993.
GEERTZ, Clifford. The interpretation of cultures.
Basic Books. Nova York.
1973
5-
“The argument that a particular disposition is religious partly because
it occupies a conceptual place within a cosmic framework appears plausible, but
only because it presupposes a question that must be explicit: how do
authorizing processes represent practices, utterances, or dispositions so that
can be discursively related to general (cosmic) ideas of order? In short, the
question pertains to the authorizing process by which “religion” is created.”(Asad, 1993:37)
Num só
salto, ao questionar a definição
sugerida por Geertz, Asad não somente contesta o conteúdo da redação do
antropólogo liberal e, digamos, demasiado moderno – ¿humano? Afinal, com qual
autoridade ele se permite escrever este tipo de redução ao simbólico? Que não
me entendam mal pois ainda que eu dê a entender que há aqui uma pulsão de
censura em Asad o que há de fato é uma pergunta. Pois se o simbólico opera como
força de orientação auto-suficiente centrífuga cuja fonte teórica mais evidente
se encontra na filosofia do simbolismo de Susanne Langer e Edmund Burke, resta
saber como opera a definição da ortodoxia, isto é, das regras de uso do mesmo
complexo simbólico. ¿Quem é que diz que é assim que se diz e, num segundo
momento, faz fazer de tal forma?, que é o mesmo que dizer que Geertz se esquece
de si mesmo, um autor que produz uma definição de religião potente o suficiente
para vir a sofrer mais uma contestação 37 anos depois de sua publicação
original, e 20 anos depois de sua primeira edição no mercado editorial dos EUA.
Ainda que todos possam ser autores, e aqui o diálogo sobre a potencia tem razão
de ser, uns são mais autores do que outros e para segui-los é preciso
disciplina e algum grau de superação – e aqui Asad tem algo de Harold Bloom. É
este horizonte, o do avanço das fronteiras da modernidade como secularização,
ou privatização do religioso tocado a golpes de iluminismo que Asad parece
querer conter especialmente a partir do congelamento de mais uma definição
universal de religião que opera a despeito do que dizem e fazem as religiões,
elas consigo mesmas. Inclusive obrigando-as a serem quando em um primeiro
momento isto não fora questão.
O artigo
sobre a “religião como categoria antropológica” denuncia a máxima do “manda
quem pode, obedece quem tem juízo – transcendental” estabelecendo uma
genealogia algo sumária da seu conceito moderno – exercício que se desdobrou em
uma série de outras reflexões críticas
como as levadas a cabo por Johnathan Z. Smith, Tomoko Masuzawa e Brent
Nongbri. O exercício genealógico que procura os rastros pelos quais uma forma de
pensamento opera como problema visa reconstituir não somente a configuração da
autoridade mas também as linhas de força dos dispositivos de autorização a
respeito da determinação dos símbolos sagrados e sua exegese fazendo as vezes
de uma eclesiologia crítica. A ecclesia
se move como operadora do controle social do sentido, deixando para trás
algumas das marcas dos fatores coercitivos da apreciação do símbolo[1]. O
mesmo exercício genealógico, por imposição do tema, narra, ele mesmo, uma
pequena história da secularização – história expandida por Asad em Formations of the secular – fazendo um
par inusitado com o exercício de literatura comparada de Luiz Costa Lima e sua
trilogia sobre censura e o “controle do imaginário”. Como parte do problema
está no vínculo - ¿duplo vínculo? – entre autoridade e secularização, é preciso
pôr em perspectiva, a cada movimento a formação da ante-câmara a modernidade, a
mesma que transpõe o feudalismo na forma do absolutismo mercantilista como
plano original e fundação moderna do estabelecimento ou fixação do texto, qualquer
texto, na forma de um código.
“The medieval Church was always clear about why there was a continuous
need to distinguish knowledge from the falsehood (religion from what sought to
subvert it), as well as the sacred from the profane (religion from what was
outside it), distinctions for which the authoritative discourses, the teachings
and practices of the Church, not the convictions of the practitioner, were the
final test. Several times before the Reformation, the boundary between
religious and the secular was redrawn, but always the formal authority of the
Church remained preeminent. In later centuries, with the triumphant side of
modern science, modern production, and the need to distinguish the religious
from the secular, shifting, as they did so, the weight of religion more and
more onto the moods and motivations of the individual believer. Discipline
(intellectual and social) would in this period, gradually abandon religious
space, letting “belief”, “conscience”, and “sensibility” take its place. But theory would still be needed to define
religion.”(Asad,
1993:39).
[1] O
que é peculiar é que as restrições do conceito de religião se dá à expensas da
universalização, por contrabando, da noção de ecclesia. Sua incorporação ao aparato da religião comparada, até
onde sei, se dá a partir da obra sociológica de Ernst Troeltsch que em sua
precaução se restringiu a formular problemas relativos às igrejas cristãs fonte
da cisão entre ecclesia e communitas. O divórcio entre uma instância
e outra na reflexão sobre a religião e a secularização da mesma se deu de tal
forma que hoje parecem dimensões não somente apartadas como irreconciliáveis no
mesmo argumento, como dramatiza a tensão Asad/Geertz. Este, contudo, não pode
deixar de ser um problema para o qual toda a atenção futura terá sido pouca.
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