quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Who Am I, Jackie Chan? V - o martelo de Talal Asad


ASAD, Talal. Genealogies of religion: discipline and reasons of power in Christianity
and Islam. Johns Hopkins Press. Baltimore and London. 1993.

GEERTZ, Clifford. The interpretation of cultures. Basic Books. Nova York.
1973


5-

            The argument that a particular disposition is religious partly because it occupies a conceptual place within a cosmic framework appears plausible, but only because it presupposes a question that must be explicit: how do authorizing processes represent practices, utterances, or dispositions so that can be discursively related to general (cosmic) ideas of order? In short, the question pertains to the authorizing process by which “religion” is created.”(Asad, 1993:37)

            Num só salto,  ao questionar a definição sugerida por Geertz, Asad não somente contesta o conteúdo da redação do antropólogo liberal e, digamos, demasiado moderno – ¿humano? Afinal, com qual autoridade ele se permite escrever este tipo de redução ao simbólico? Que não me entendam mal pois ainda que eu dê a entender que há aqui uma pulsão de censura em Asad o que há de fato é uma pergunta. Pois se o simbólico opera como força de orientação auto-suficiente centrífuga cuja fonte teórica mais evidente se encontra na filosofia do simbolismo de Susanne Langer e Edmund Burke, resta saber como opera a definição da ortodoxia, isto é, das regras de uso do mesmo complexo simbólico. ¿Quem é que diz que é assim que se diz e, num segundo momento, faz fazer de tal forma?, que é o mesmo que dizer que Geertz se esquece de si mesmo, um autor que produz uma definição de religião potente o suficiente para vir a sofrer mais uma contestação 37 anos depois de sua publicação original, e 20 anos depois de sua primeira edição no mercado editorial dos EUA. Ainda que todos possam ser autores, e aqui o diálogo sobre a potencia tem razão de ser, uns são mais autores do que outros e para segui-los é preciso disciplina e algum grau de superação – e aqui Asad tem algo de Harold Bloom. É este horizonte, o do avanço das fronteiras da modernidade como secularização, ou privatização do religioso tocado a golpes de iluminismo que Asad parece querer conter especialmente a partir do congelamento de mais uma definição universal de religião que opera a despeito do que dizem e fazem as religiões, elas consigo mesmas. Inclusive obrigando-as a serem quando em um primeiro momento isto não fora questão.
            O artigo sobre a “religião como categoria antropológica” denuncia a máxima do “manda quem pode, obedece quem tem juízo – transcendental” estabelecendo uma genealogia algo sumária da seu conceito moderno – exercício que se desdobrou em uma série de outras reflexões críticas  como as levadas a cabo por Johnathan Z. Smith, Tomoko Masuzawa e Brent Nongbri. O exercício genealógico que procura os rastros pelos quais uma forma de pensamento opera como problema visa reconstituir não somente a configuração da autoridade mas também as linhas de força dos dispositivos de autorização a respeito da determinação dos símbolos sagrados e sua exegese fazendo as vezes de uma eclesiologia crítica. A ecclesia se move como operadora do controle social do sentido, deixando para trás algumas das marcas dos fatores coercitivos da apreciação do símbolo[1]. O mesmo exercício genealógico, por imposição do tema, narra, ele mesmo, uma pequena história da secularização – história expandida por Asad em Formations of the secular – fazendo um par inusitado com o exercício de literatura comparada de Luiz Costa Lima e sua trilogia sobre censura e o “controle do imaginário”. Como parte do problema está no vínculo - ¿duplo vínculo? – entre autoridade e secularização, é preciso pôr em perspectiva, a cada movimento a formação da ante-câmara a modernidade, a mesma que transpõe o feudalismo na forma do absolutismo mercantilista como plano original e fundação moderna do estabelecimento ou fixação do texto, qualquer texto, na forma de um código.
           
            The medieval Church was always clear about why there was a continuous need to distinguish knowledge from the falsehood (religion from what sought to subvert it), as well as the sacred from the profane (religion from what was outside it), distinctions for which the authoritative discourses, the teachings and practices of the Church, not the convictions of the practitioner, were the final test. Several times before the Reformation, the boundary between religious and the secular was redrawn, but always the formal authority of the Church remained preeminent. In later centuries, with the triumphant side of modern science, modern production, and the need to distinguish the religious from the secular, shifting, as they did so, the weight of religion more and more onto the moods and motivations of the individual believer. Discipline (intellectual and social) would in this period, gradually abandon religious space, letting “belief”, “conscience”, and “sensibility” take its place. But theory would still be needed to define religion.”(Asad, 1993:39).


[1] O que é peculiar é que as restrições do conceito de religião se dá à expensas da universalização, por contrabando, da noção de ecclesia. Sua incorporação ao aparato da religião comparada, até onde sei, se dá a partir da obra sociológica de Ernst Troeltsch que em sua precaução se restringiu a formular problemas relativos às igrejas cristãs fonte da cisão entre ecclesia e communitas. O divórcio entre uma instância e outra na reflexão sobre a religião e a secularização da mesma se deu de tal forma que hoje parecem dimensões não somente apartadas como irreconciliáveis no mesmo argumento, como dramatiza a tensão Asad/Geertz. Este, contudo, não pode deixar de ser um problema para o qual toda a atenção futura terá sido pouca.

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