AUSTIN, John
Longshaw. How to do things with words.
Harvard
University Press. Cambridge. 1975 [1955]
____________________________. Sentido e percepção. Martins Fontes. São Paulo. 1993.
(leio para ver se consigo
encontrar uma forma de felicidade com a qual posso lidar.)
William James
Lectures em Harvard, em 1955.
Lecture I –
Sei ter
havido no seio da filosofia profissional sucessivas revoltas contra a história
da filosofia, nenhuma delas suficientemente bem-sucedida para que a aquisição
de um diploma não viesse às expensas de exercício do comentário filosófico,
filosofia como filologia especializada. Em parte a voga estruturalista nas
ciências da linguagem, que em parte a antropologia também se transformou, se
permitiu participar do longo parlamento em que a ordem dos sentidos se impunham
por via de alguma ordem semiológica na forma de uma legislação do sentido em
que a gramática passou a ter mais de um aspecto funcional. Não somente permitia
discernimento sobre a coordenação das partículas que fazem de uma língua a
língua em específico como permitiriam acesso a uma meta-língua, a língua que
falasse no lugar da língua em momentos específicos, como na confecção das
máquinas de traduzir, hoje acessíveis por via de um google qualquer. A língua
teria produzida a sua determinação auto-referencial carregando em si a chave de
todos os seus procedimentos numa forma de soberania impessoal – um kantismo sem
sujeito transcendental, na acusação de Paul Ricœur a Claude Lévi-Strauss.
Significativamente as palestras de John Langshaw Austin não acompanham este
movimento fazendo dele alguém tão fora do ninho deste tipo de empreendimento
quanto o fora William James na consolidação da sociologia francesa, a
pré-história desta história na qual Durkheim e Mauss dedicam um esforço
considerável em barrar a influência do pragmatismo americano no milieu francês.
Se o sentido
está dado na estrutura, se a gramática contém em si os elementos fundamentais
da significação, o que fazer com uma palavra de ordem? De algo que ao dizer,
faça e, mesmo, faça-fazer? A constatação da dimensão performática da ordem, por
exemplo, constitui o problema central das palestras de Austin em questão. Assim
como o pedreiro que pede os tijolos nas Investigações
Filosóficas de Wittgenstein, ou nos trechos em que Humpty Dumpty define o
poder de definição do sentido em Alice in
Wonderland e, por fim, nas questões de uma semiótica dos mil platôs por Deleuze e Guattari. É
neste ponto em que classificar a função das palavras descoladas de seu uso
circunstancial faz com que certas distinções soem ociosas, confusas ou
contraproducentes porque parte do sentido constituído e não da mixórdia nonsense na qual se baseia boa parte da
comunicação linguística, inclusive a filosófica.
“First
and most obviously, many “statements” were shown to be, as KANT perhaps first argued
systematically, strictly nonsense, despite an unexceptionable grammatical form:
and the continual discovery of fresh types of nonsense, unsystematic though
their classification and mysterious though their explanation is too often
allowed to remain, has done on the whole nothing but good.”(1975:02).
O nonsense tem um impacto importante em como refletir sobre as
sentenças em geral, sobre o que é aceitável como discurso especialmente quando
ele não faz sentido, isto é, quando o seu componente determinante não é
reproduzir a auto-referencialidade da linguagem como mecanismo de elucidação
daquilo que faz. Contudo, a falta de sentido não impede que ago seja dito e
que, a contrapelo, se faça compreensão – não necessariamente que o dito se faça
compreender, o que é outra coisa. O que se diz não produz sentido, ao menos não
sozinho. É aí que entra em cena o problema da performance.
“Along these lines it has by now been shown piecemeal, or at least made
to took likely, that many traditional philosophical perplexities have arisen
through a mistake – the mistake of taking as straightforward statements of fact
utterances which are EITHER (in interesting non-grammatical ways) nonsensical
OR ELSE intended as something quite different.”(1975:03).
Em português
o ciclo de conferências de Austin foi rebatizado. Quando dizer é fazer – Artes
Médicas editora. Ainda que uma violação do título original das conferências, não
deixa de traduzir muito bem o ponto de partida de Austin, dado que ele sugere
haver sentenças que não são passivas de qualquer juízo a respeito de sua
Verdade ou Falsidade dado que não descrevem qualquer coisa. São, ao serem
ditas, ações elas mesmas: eu aceito, eu concedo, eu aposto. Seguramente que
fazer as coisas por via do que se diz não implica na afirmação de uma relação
exclusiva dado que a aposta muda se faz com moedas e máquinas caça-níqueis e
casamentos com o mero ato de morar com alguém. E é exatamente este o ponto,
isto é, sua equivalência como ação.
“The
uttering of the words is, indeed, usually a, or even THE, leading incident in
the performance of the act (of betting or what not), the performance of which
is also the object of the utterance, but it is far from being usually, even if
it is ever, the SOLE thing necessary if the act is to be deemed to have been
performed.” (1975:08)
Faz-se apelo
às circunstâncias que poderia ser acusado de ser, de outra forma, uma redução
às circunstâncias, o que não creio ser, digo, uma redução exatamente por não
inferir qualquer dimensão a respeito da verdade ou da falsidade de uma
sentença. O que fazer com questões de ordem moral, com a mentira? Austin
recomenda que se preste atenção à marca de
que “acurácia e moralidade, ambas são compreendidas na frase que afirma
que our word is our bond – nossa
palavra é o nosso vínculo”. Mesmo que por via de uma promessa feita de má-fé
que é, todavia, uma promessa, uma jura. Eu juro. E daqui já se vê que é preciso
muito pouco para fazer por via das palavras – e que neste nível os critérios de
verdade e falsidade não se aplicam melhor às sentenças do que em algo como um
movimento em falso.
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