terça-feira, 8 de outubro de 2013

A felicidade desde um ponto de vista pragmático.


AUSTIN, John Longshaw. How to do things with words. Harvard
University Press. Cambridge. 1975 [1955]
____________________________. Sentido e percepção. Martins Fontes. São Paulo. 1993.


(leio para ver se consigo encontrar uma forma de felicidade com a qual posso lidar.)


William James Lectures em Harvard, em 1955.

Lecture I –

            Sei ter havido no seio da filosofia profissional sucessivas revoltas contra a história da filosofia, nenhuma delas suficientemente bem-sucedida para que a aquisição de um diploma não viesse às expensas de exercício do comentário filosófico, filosofia como filologia especializada. Em parte a voga estruturalista nas ciências da linguagem, que em parte a antropologia também se transformou, se permitiu participar do longo parlamento em que a ordem dos sentidos se impunham por via de alguma ordem semiológica na forma de uma legislação do sentido em que a gramática passou a ter mais de um aspecto funcional. Não somente permitia discernimento sobre a coordenação das partículas que fazem de uma língua a língua em específico como permitiriam acesso a uma meta-língua, a língua que falasse no lugar da língua em momentos específicos, como na confecção das máquinas de traduzir, hoje acessíveis por via de um google qualquer. A língua teria produzida a sua determinação auto-referencial carregando em si a chave de todos os seus procedimentos numa forma de soberania impessoal – um kantismo sem sujeito transcendental, na acusação de Paul Ricœur a Claude Lévi-Strauss. Significativamente as palestras de John Langshaw Austin não acompanham este movimento fazendo dele alguém tão fora do ninho deste tipo de empreendimento quanto o fora William James na consolidação da sociologia francesa, a pré-história desta história na qual Durkheim e Mauss dedicam um esforço considerável em barrar a influência do pragmatismo americano no milieu francês.
            Se o sentido está dado na estrutura, se a gramática contém em si os elementos fundamentais da significação, o que fazer com uma palavra de ordem? De algo que ao dizer, faça e, mesmo, faça-fazer? A constatação da dimensão performática da ordem, por exemplo, constitui o problema central das palestras de Austin em questão. Assim como o pedreiro que pede os tijolos nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein, ou nos trechos em que Humpty Dumpty define o poder de definição do sentido em Alice in Wonderland e, por fim, nas questões de uma semiótica dos mil platôs por Deleuze e Guattari. É neste ponto em que classificar a função das palavras descoladas de seu uso circunstancial faz com que certas distinções soem ociosas, confusas ou contraproducentes porque parte do sentido constituído e não da mixórdia nonsense na qual se baseia boa parte da comunicação linguística, inclusive a filosófica.

            “First and most obviously, many “statements” were  shown to be, as KANT perhaps first argued systematically, strictly nonsense, despite an unexceptionable grammatical form: and the continual discovery of fresh types of nonsense, unsystematic though their classification and mysterious though their explanation is too often allowed to remain, has done on the whole nothing but good.”(1975:02).

            O nonsense tem um impacto importante em como refletir sobre as sentenças em geral, sobre o que é aceitável como discurso especialmente quando ele não faz sentido, isto é, quando o seu componente determinante não é reproduzir a auto-referencialidade da linguagem como mecanismo de elucidação daquilo que faz. Contudo, a falta de sentido não impede que ago seja dito e que, a contrapelo, se faça compreensão – não necessariamente que o dito se faça compreender, o que é outra coisa. O que se diz não produz sentido, ao menos não sozinho. É aí que entra em cena o problema da performance.

            Along these lines it has by now been shown piecemeal, or at least made to took likely, that many traditional philosophical perplexities have arisen through a mistake – the mistake of taking as straightforward statements of fact utterances which are EITHER (in interesting non-grammatical ways) nonsensical OR ELSE intended as something quite different.”(1975:03).

            Em português o ciclo de conferências de Austin foi rebatizado. Quando dizer é fazer – Artes Médicas editora. Ainda que uma violação do título original das conferências, não deixa de traduzir muito bem o ponto de partida de Austin, dado que ele sugere haver sentenças que não são passivas de qualquer juízo a respeito de sua Verdade ou Falsidade dado que não descrevem qualquer coisa. São, ao serem ditas, ações elas mesmas: eu aceito, eu concedo, eu aposto. Seguramente que fazer as coisas por via do que se diz não implica na afirmação de uma relação exclusiva dado que a aposta muda se faz com moedas e máquinas caça-níqueis e casamentos com o mero ato de morar com alguém. E é exatamente este o ponto, isto é, sua equivalência como ação.

            The uttering of the words is, indeed, usually a, or even THE, leading incident in the performance of the act (of betting or what not), the performance of which is also the object of the utterance, but it is far from being usually, even if it is ever, the SOLE thing necessary if the act is to be deemed to have been performed.” (1975:08)

            Faz-se apelo às circunstâncias que poderia ser acusado de ser, de outra forma, uma redução às circunstâncias, o que não creio ser, digo, uma redução exatamente por não inferir qualquer dimensão a respeito da verdade ou da falsidade de uma sentença. O que fazer com questões de ordem moral, com a mentira? Austin recomenda que se preste atenção à marca de  que “acurácia e moralidade, ambas são compreendidas na frase que afirma que our word is our bond – nossa palavra é o nosso vínculo”. Mesmo que por via de uma promessa feita de má-fé que é, todavia, uma promessa, uma jura. Eu juro. E daqui já se vê que é preciso muito pouco para fazer por via das palavras – e que neste nível os critérios de verdade e falsidade não se aplicam melhor às sentenças do que em algo como um movimento em falso.

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