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BATAILLE, Georges.
L’expérience intérieur. Gallimard. Paris.
2012 [1954].
______________________.
Théorie de la religion. Gallimard. Paris.
2011.
RANCIÈRE, Jacques. Políticas
da escrita. Editora 34. Rio de Janeiro.
I-
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Bataille condena a noção de projeto, sumariamente, exatamente
porque tudo o que viver produz é sua condenação explícita e eficaz. Não uma
condenação de caráter jurídico, vale dizer, mas a que aponta para a danificação
de uma determinada estrutura, que seja, de concreto armado que seja possível
chamar de edifício. As vigas algo corroídas desde a base, rachaduras que
indicam que onde reinava a unidade monolítica sobrarão pedaços desarticulados e
menores que mal contarão a história do futuro que poderia ter sido. O projeto é
condenado na medida em que não ofereça morada ao submeter ao habitante risco
ainda maior que na vida selvagem dado que a probabilidade de ruína joga contra
ele – e nada mais selvagem do que a probabilidade jogando contra. E é contra a
arquitetônica, contra o grundsatz, contra o projeto a partir de
um livro fortemente antipático que não aceitará a companhia estabilizadora que
uma igreja qualquer. Nem mesmo a experiência mística é imediatamente bem-vinda
dado que a desestabilização que promove poderá assumir a figura ou narrativa de
revelação que ao mesmo tempo em que funda a relação fundamenta o discurso
futuro sobre o futuro – é a fundamentação que Bataille coloca em questão. A
experiência relata, não a mística ciência doutrinaria, mas o interior que até
então incomunicável é posto em comunhão. O meramente idiota que falava na
confusão do balbucio se presta à comunicação infantil que aponta para tudo e
ri; meramente idiota, termo
irredutível que resistirá à servidão dogmática porque não compreende os termos
a definirem o discurso futuro sobre o futuro.
Do lado
filosófico a intenção é a de “acabar com a divisão analítica das operações e
assim, escapar da sensação de vazio das questões inteligentes”. Do lado
religioso, em que pesem a autoridade e os valores tradicionais – de forma
alguma primeiros com relação à experiência interior – o esforço é o de fazer
recuar a inteligência até o domínio que lhe parecia estrangeiro, exatamente o
da experiência interior. De outra forma o livro não é senão uma introdução ao
oral, a palavra que morre no momento seguinte.
“Comme
une insensée merveilleuse, la mort ouvrait sans cesse ou fermait les portes du
possible. Dans ce dédale, je pouvais à volonté me perdre, me donner au
ravissement, mais à volonté je pouvais discerner les voies, ménages à la
démarche intellectuelle un passage précis. L’analyse du rire m’avait ouvert un
champ de coïncidences entre les données d’une connaissance émotionnelle commune et rigoureuse et celles de la connaissance discursive. Les contenus se perdant les uns dans les autres des
diverses formes de dépense (rire, héroïsme, extase, sacrifice, poésie, érotisme
ou autres) définissaient d’eux-mêmes une loi de communication réglant les jeux de l’isolement et de la perte des
êtres. La possibilité d’unir en un point
précis deux sortes de connaissances jusqu’ici ou étrangères l’une à l’autre
ou confondues grossièrement donnait à cette ontologie sa consistance
inespérée : tout entier le mouvement de la pensée se perdaient, mais tout
entier se retrouvait, en un point où rit la foule unanime. »
(2012 :11)
O método da
redação, intermitente e fortemente digressivo, visa dissimular o discurso à
forma da comédia que fará deste livro um livro que parodia um livro e reduz o
humano à ação humana, ao erro – ao equívoco que é percorrer e em fazer o que há
para fazer, algo peculiarmente reincidente na precipitação do sentido na versão
pragmática de felicidade. Isto porque o idiota, aquele que é sujeito às mais
agressivas idiossincrasias, só pode dizer algo que se assemelha a um discurso
não sendo possível levar a sério, ao mesmo tempo, o idiota e o seu discurso. Ao eleger a experiência interior como o centro de
tudo o que conta é o idiota e não a mística que se professa a seu respeito – o
idiota que se é; não mais o enunciado sobre o vento, mas o vento; o hálito
confuso da boca de quem lambe o chão em busca de restos, migalhas de pão no
monastério. Bataille é particularmente enfático quanto ao exercício da
impotência na qual “si –mesmo” não é “o sujeito se isolando do mundo” sem
condições de aceder à coisa-em-si mas sim “lugar de comunicação, de fusão do
sujeito e do objeto” – forma de ateologia negativa em que sujeito e objeto
serão o que não está lá onde há comunicação.
Mas é isto
uma política da escrita? Na verdade não imagino que a coisa possa sequer ser
posta em outros termos, em especial
imaginando a trajetória anti-fascista do proponente. Mas o que seria uma
política da escrita – e a volta do parafuso, para defini-la como tal eu deveria
aceitar a autoridade de Jacques Rancière? Questões à parte que compõem o quadro
o que é definitivamente relevante é a escrita como produção de comunidade –
restando saber qual a comunidade em questão. De forma indisfarçável será
preciso ler e, com algum esforço, procurar o idiota em Rancière.
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