segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Da experiência como política da escrita





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BATAILLE, Georges. L’expérience intérieur. Gallimard. Paris. 2012 [1954].
______________________. Théorie de la religion. Gallimard. Paris. 2011. 
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RANCIÈRE,  Jacques. Políticas da escrita. Editora 34. Rio de Janeiro.



I-
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Bataille condena a noção de projeto, sumariamente, exatamente porque tudo o que viver produz é sua condenação explícita e eficaz. Não uma condenação de caráter jurídico, vale dizer, mas a que aponta para a danificação de uma determinada estrutura, que seja, de concreto armado que seja possível chamar de edifício. As vigas algo corroídas desde a base, rachaduras que indicam que onde reinava a unidade monolítica sobrarão pedaços desarticulados e menores que mal contarão a história do futuro que poderia ter sido. O projeto é condenado na medida em que não ofereça morada ao submeter ao habitante risco ainda maior que na vida selvagem dado que a probabilidade de ruína joga contra ele – e nada mais selvagem do que a probabilidade jogando contra. E é contra a arquitetônica, contra o grundsatz, contra o projeto a partir de um livro fortemente antipático que não aceitará a companhia estabilizadora que uma igreja qualquer. Nem mesmo a experiência mística é imediatamente bem-vinda dado que a desestabilização que promove poderá assumir a figura ou narrativa de revelação que ao mesmo tempo em que funda a relação fundamenta o discurso futuro sobre o futuro – é a fundamentação que Bataille coloca em questão. A experiência relata, não a mística ciência doutrinaria, mas o interior que até então incomunicável é posto em comunhão. O meramente idiota que falava na confusão do balbucio se presta à comunicação infantil que aponta para tudo e ri; meramente idiota, termo irredutível que resistirá à servidão dogmática porque não compreende os termos a definirem o discurso futuro sobre o futuro.
            Do lado filosófico a intenção é a de “acabar com a divisão analítica das operações e assim, escapar da sensação de vazio das questões inteligentes”. Do lado religioso, em que pesem a autoridade e os valores tradicionais – de forma alguma primeiros com relação à experiência interior – o esforço é o de fazer recuar a inteligência até o domínio que lhe parecia estrangeiro, exatamente o da experiência interior. De outra forma o livro não é senão uma introdução ao oral, a palavra que morre no momento seguinte.

            Comme une insensée merveilleuse, la mort ouvrait sans cesse ou fermait les portes du possible. Dans ce dédale, je pouvais à volonté me perdre, me donner au ravissement, mais à volonté je pouvais discerner les voies, ménages à la démarche intellectuelle un passage précis. L’analyse du rire m’avait ouvert un champ de coïncidences entre les données d’une connaissance émotionnelle commune et rigoureuse et celles de la connaissance discursive. Les contenus se perdant les uns dans les autres des diverses formes de dépense (rire, héroïsme, extase, sacrifice, poésie, érotisme ou autres) définissaient d’eux-mêmes une loi de communication réglant les jeux de l’isolement et de la perte des êtres. La possibilité d’unir en un point précis deux sortes de connaissances jusqu’ici ou étrangères l’une à l’autre ou confondues grossièrement donnait à cette ontologie sa consistance inespérée : tout entier le mouvement de la pensée se perdaient, mais tout entier se retrouvait, en un point où rit la foule unanime. » (2012 :11)

            O método da redação, intermitente e fortemente digressivo, visa dissimular o discurso à forma da comédia que fará deste livro um livro que parodia um livro e reduz o humano à ação humana, ao erro – ao equívoco que é percorrer e em fazer o que há para fazer, algo peculiarmente reincidente na precipitação do sentido na versão pragmática de felicidade. Isto porque o idiota, aquele que é sujeito às mais agressivas idiossincrasias, só pode dizer algo que se assemelha a um discurso não sendo possível levar a sério, ao mesmo tempo, o idiota e o seu discurso. Ao eleger a experiência interior como o centro de tudo o que conta é o idiota e não a mística que se professa a seu respeito – o idiota que se é; não mais o enunciado sobre o vento, mas o vento; o hálito confuso da boca de quem lambe o chão em busca de restos, migalhas de pão no monastério. Bataille é particularmente enfático quanto ao exercício da impotência na qual “si –mesmo” não é “o sujeito se isolando do mundo” sem condições de aceder à coisa-em-si mas sim “lugar de comunicação, de fusão do sujeito e do objeto” – forma de ateologia negativa em que sujeito e objeto serão o que não está lá onde há comunicação.
            Mas é isto uma política da escrita? Na verdade não imagino que a coisa possa sequer ser posta em outros termos, em especial  imaginando a trajetória anti-fascista do proponente. Mas o que seria uma política da escrita – e a volta do parafuso, para defini-la como tal eu deveria aceitar a autoridade de Jacques Rancière? Questões à parte que compõem o quadro o que é definitivamente relevante é a escrita como produção de comunidade – restando saber qual a comunidade em questão. De forma indisfarçável será preciso ler e, com algum esforço, procurar o idiota em Rancière.

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