Antes Tarde do que nunca ou já foi Tarde, os sinais de uma pressa Tardia?
Antes de mais nada, e antes que seja Tarde, declaro que gosto, me interesso, tenho curiosidade voraz – embora hoje um tanto entorpecida – pela obra de Gabriel Tarde. Desde um pouquinho, só um pouquinho antes desta voga nacional (?) em torno dele. Vi uma edição portuguesa de Les lois de l´imitation (Rés) num sebo da Sete de Setembro, próximo ao Largo de São Francisco de Paula que quase me fez desfazer dos únicos 15 reais que tinha para o resto da semana.
(isso me lembra sempre uma piada ; havia uma obra de restauração na igreja do Largo e um dos pedreiros se desequilibrou e começou a cair do andaime de forma a evocar « Valei-me meu São Francisco ». Surpreendentemente uma mão luminosa lhe agarrou o punho e, num meio-salvamento, perguntou : « São Francisco de que ? DE QUE ? » ; apressado e indeciso o pedreiro gagueja até sua conclusão : « ... de... de... de Assis ? » no que foi largado por São Francisco de Paula ; daí o Largo de São Francisco...).
Queria ler aquilo por causa das minhas paixões; as falsificações, a mímesis, a modernidade, a ficção, a mentira, etc. Enfim, foi com alegria que recebi a notícia da tradução de Sociologia e Monadologia, e o Opinião e as massas já figura, há tempos, em minhas leituras em curso, sabe-se lá por quanto tempo. Mas há um peraí nessa história.
Há algo de desorientador na voga, no anti-Durkheim surgido nestes tempos puxado pelo cavalo Tardio. Uma coisa meio manca e chata, monocórdia sem ser qualquer iniciativa minimalista. Não que Durkheim seja uma figura acima de qualquer suspeita. Tal coisa não há. Vide o santo supracitado. E eu mesmo escrevi algumas coisas em dissensão com o founding father da sociologia antropológica, ou da sociologia francesa, ou da escola das Anées Sociologiques. Mas gostaria de um aparte.
Durkheim carrega hoje o peso de haver sugerido que seu conceito de sociedade faz apelo a uma arquitetura do transcendente, fazendo com que sejam coincidentes « Deus » e « sociedade ». Resumi algumas das passagens do projeto de conhecimento da sociologia em questão, a francesa, para um amigo muito querido meu. Sergio Pachá, filólogo e conhecedor de algumas das fontes teológicas da filosofia medieval, uma vez que é excepcional latinista. Foi ele, sem conhecer a fórmula Deus:Sociedade que ouvi inferir que há na sociologia um projeto teológico sem... Deus. Cabe perguntar, à moda da teologia, se a sociedade, caso assim queira – se é que vontade há – pode por este veículo refutar a si mesma e extinguir sua existência. Quem conhece um tantinho de teologia sabe do que estou falando. E este tipo de pergunta sugere coisa muito, mas muito sintomática.
A querela Tardia contra Durkheim é tardia. E só faz sentido quando o Estado é laico, tal como propagado num nível comunicativo em que o espaço público é composto por seres humanos (e não-humanos ; tá bom !) numa distribuição cósmica homogênea do ponto de vista político. O Estado laico faz as vezes de sociedade no esquemão de mediação das relações e do desejo pela ordem, coisinha kantiana que passeia pela paisagem. Todos os homens na cadeia dos seres, sendo este o enquadramento que precipita as fundamentações românticas sobre a singularidade, coisa desigualmente absorvida tanto por Durkheim quanto por Tarde. A querela, se posso dizer assim, só faz sentido quando o estado laico deixou de ser solução para se tornar um problema. E é neste nível que algumas das considerações Tardias são apressadas. Notem : apressadas, não erradas. Afinal, quem sou eu? E é deste problema, do Estado laico como um problema, que gostaria de seguir em novas considerações. Pretendo falar de algumas coisas que Richard Morse escreveu sobre a fundamentação tomista do Estado nas Américas e a dificuldade de discutir Tarde assim, com pressa quanto ao Brasil ; pretendo discutir a diferença (ai, a diferença!) dos modelos de desfazimento ulterior das fontes teocráticas dos aparelhos e dispositivos do Estado, movimento que começa a ocorrer com força na França, desde 1791 e como Durkheim e Tarde respondem a isso um século depois; pretendo discutir alguns dilemas dos aspectos teocráticos do patriarcalismo tutelar do Brasil, que nunca foi propriamente teocrático, dadas as lacunas da articulção política do Estado até pouco tempo atrás, e defender algumas das premissas das atividades do RESA, grupo danado de bom ao qual me ajuntei tardiamente. Com "t" minúsculo.
Mas agora não, que tá na hora de Chapolim. E depois tem Malhação.
[se o texto está um pouco legível é por responsabilidade de notas de correção de rumo do magnífico Sergio Pachá. Valeu, Sergio!]