DE CERTEAU,
Michel. La faiblesse de croire.
Seuil. Paris. 1985.
KOSELLECK, Reinhart. L’experience
de l’histoire. Seuil. Paris. 1997.
II- Des choses dites : ce ça qu’on est.
O que é isto
que somos? O que é isto que vi? No que aquilo que eu digo participa do mesmo
registro em que o que eu digo ou lhe de alguma forma próximo? Seguramente que
redigir uma pergunta como esta, muito mais afeita aos problemas mais básicos da
identidade lógica dos entes se desdobra em dois mecanismos de controle do que,
para além do que é dito, do que pode ser dito. Seja de um ponto de vista
meramente lógico-proposicional em que uma gramática é respeitada, seja de um
ponto de vista político-restritivo em que alguns objetos simplesmente não tem
lugar possível na circulação de coisas que recebem a alcunha de comunicação. O
caso é que a experiência imediata que me oferece aquilo sobre o que eu digo, ou que considero passivo de ser
verdadeiro porque orienta minhas ações – algo próximo do que Eliade chamaria de
experiência do sagrado, algo que pode ser lidos de províncias heterogêneas em
um mundo de espaço homogêneo – passa por circunscrições significativas. As
mesmas circunscrições se desenvolvem como utensílios de fixação, nos termos de
De Certeau, o que aponta imediatamente para o tipo de leitura exclusiva de uma
sociologia, por exemplo que entende a vida religiosa por via da teoria do
conhecimento e articula os problemas da atitude religiosa como um movimento do
espírito entorno da elaboração de práticas classificatórias. A fixação dos
termos de outrem parece permitir a fixação dos termos de relação que desenha os
dois istos – quem somos ao dizer que
somos; o que é isto que dizemos que é. Há nisso, contudo, uma grande margem de
suspeição entre formas e experiências, entre fixação e movimento; termo e vida.
«(…) une spiritualité devient suspecte lorsqu’elle n’admet plus d’être
contestée pas de vis-à-vis, lorsqu’elle est identifiée au destin d’un groupe ou
d’une politique, lorsque le « parti » adverse n’apparaît plus
susceptible de dire et de révéler aussi,
à sa manière propre, ce dont une « école » particulière prétend
légitimement témoigner dans la position d’où elle parle. Cette réduction du
signifié au signifiant, ou de l’esprit à un ça, justifie dès lors une « réduction » en sens
inverse » : la spiritualité sera considérée par les théologiens comme
un pur « psychologisme » ; par le philosophes, comme un
« sentimentalisme » ou un « pragmatisme » ; par le
sociologue, comme la défense idéologique d’un groupe ; par l’historien,
comme une modalité exacerbée de la culture en un temps, etc. » (1985:62)
O movimento ambíguo,
aqui, é que no combate à superstição o que se depreende como efeito colateral é
a trava epistemológica posta nas categorias de experiência que, não obstante
serem um movimento classificatório disto,
é uma relação de identificação disto
por meio da identidade que isto tem comigo e conosco. A suspeita ao redor da relação imediata no eixo de relação
implica, uma vez posta em suspeição, em uma relação mediada por um significante
privilegiado cujo posto se desdobra em formas desiguais de reificação chegando
ao ponto em fazer as vezes de índice ainda que não o seja. Reinhart Koselleck,
ao dissertar sobre o conceito de história exercido na historiografia – o que é
uma história do tempo histórico tal como manifesta como conceito; uma
investigação da história como conceito, ou como problema – aponta para um
movimento, igualmente abrangente ainda que circunscrito ao mesmo problema da experiência.
Seu ensaio Le concept d’histoire (1997) tem na passagem em que a história
moderna é a própria transformação da heilsgeschichte.
A ressonância entre os dois projetos de historiografia é suficiente para que a
associação possa ser feita sem muito esforço.
Ao se
desvencilhar da sacra historia, a
rejeição de um determinado conteúdo é posta em tese – rejeição exatamente do
conteúdo posto em suspeição. A passagem abaixo discrimina a forma positiva da
suspeita na qual um novo projeto de história toma forma. Este deve ser, para
fins de compreensão do problema, o primeiro passo de um exercício de estudo até
mesmo para que se entenda diferenças no seio da vida religiosa ela mesma, isto
é, sobre o que é dito e sobre as formas de dizer o que é possível enunciar – o
que se encontra sintetizado da noção de formalidade
das práticas. Vamos a Koselleck:
“Les
expériences suprasensibles sont écartées au profit de faits historiques qui
peuvent être plongés dans la lumière d’une morale en constant progrès ou bien
faire l’objet d’une interprétation psychologique. Logiquement, a première
expérience intrinsèquement historique du temps, celle du progrès, conduit aussi
à historiser les principes considérés jusqu’alors comme immuables. (L.
Salomo) Semler espère convaincre ses
lecteurs du fait qu’ «il n’y a jamais la représentation invariable et
taillé sur mesure une fois pour toutes contenu du dogme chrétien ».
L’intrusion de la nouvelle « histoire »(Geschichte) dans les vérités
considérées jusque-là comme éternelles est justifiée et compensée par cette
nouvelle certitude, englobant aussi la religion, selon laquelle « le
développement du monde moral, suivant l’ordre de Dieu, comprenait des périodes
et des étapes au même titre que la connaissance et la découverte du monde physique ».
Depuis que l’histoire à gagné cette qualité consistant à se transformer
graduellement avec le temps, l’historia
sacra se laisse interpréter historiquement – tout comme l’historia naturalis. »
(1997 :78-79)
Esta citação de Koselleck sugere duas modificações
importantes orquestradas no mesmo movimento para o qual Michel de Certeau
também chama a atenção. A primeira, a mudança de escala das relações relevantes
que, uma vez alteradas, alteram necessariamente o que é que está em relação. Ao
mesmo tempo, chama a atenção para a mudança de métodos para que coisas sejam
feitas a partir de uma determinada escala, o que nos faz voltar, uma vez mais
para a questão da formalidade das
práticas para a qual de Certeau é o principal proponente, tendo como caso
empírico a guerra contra o patois
francês movida pelo controverso abade Gregoire. Porque se o tema da suspeição e
da perseguição segue movendo esta leitura, é importante atentar para o fato de
que a alteração do cenário demanda novas técnicas de atenção. Não são conceitos
soltos no mundo que estão em questão, mas esforços concentrados na definição de
relações problemáticas – como a acusação mútua de ateísmo entre católicos e
protestantes, ainda no século XVI.
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