segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Com a carne trêmula


Acordar do sono que não veio ainda e revelar o sonho não sonhado, sabendo-se ser ausente da justa medida e deixar seguir adiante exatamente aquilo que se quer conter. Mover os olhos para os lados perseguindo o objeto impossível que só faz fugir desde a inauguração do afeto. Agarrar pelos braços, não o tenro toque pleno do vôo, mas os braços mesmos que não podem, não devem voar e, tampouco, impedir que o afeto siga, doce e pleno, no vento que ele mesmo produz. E voa. E o que resta é uma escrita sem figuração em que os lábios umedecem ao odor de outrem ao ler um bilhete solto na brisa aonde, em redação honesta deixara como rastro uma simples palavra, “beijo”. Nem despedida e nem promessa, o ato mesmo feito à forma em que o gesto não trai a palavra e se faz assíntota fazendo emergir o momento em que não se imagina mais nada, não se dorme, não se acorda. Meramente, acontece, ainda que não.


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Em sua ocorrência diária, toda história quotidiana necessita da linguagem em ato, do discurso e da palavra, da mesma forma que uma história de amor é impensável sem ao menos três palavras – tu, eu e nós. Em seus múltiplos correlatos, todo acontecimento social repousa numa prestação preliminar ou concomitante de comunicações linguísticas (langagières). Instituições e organizações – desde a mais simples associação, até a ONU – aí têm seus recursos, sejam em forma oral, sejam em forma escrita.

(Reinhart Koselleck; L'Experience de l'histoire.)

2 comentários:

J. disse...

"Mover os olhos para os lados perseguindo o objeto impossível que só faz fugir desde a inauguração do afeto."

Muito bonito isso. Mesmo.

Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um) disse...

Tenho me esforçado, Ju. Fico feliz que não esteja errando tanto quanto de costume. Mais feliz ainda que tenha gostado.