“Porque a boca come ao contrário, também.
Ainda que devore com maior dificuldade, se contorcendo para deglutir o massivo
que se esconde por trás da mucosa, come ao contrário. Não falo do regurgito ou
de outras formas de descomer que fazem gatos soltarem moedas de centavos ânus
afora, mas de uma boca que devora ao contrário, rebelde, consome o mesmo a quem
em outra vez serviria o alimento devidamente apaziguado. E o faz de boca
fechada de calar os meninos mal-criados, os falastrões afobados ou outro tipo
de gente sem boa formação. Entenda. É o contrário do bocejo, que é a forma de vórtice
que tudo devora sem jamais saciar o que precisa. É cerrar a boca e comprimir
quando o movimento é o de saída. É, por fim, não dizer o que consome. O caso é
que há verbos, sentenças e predicações que, quando parados no canto da sala são
corrosivos e imediatos e, uma vez neste estado alquímico, corróem a tudo que encontram
no caminho de forma assídua mesmo quando postos para correr, destruindo móveis,
abat-jours e mesmo, gente. Uma vez
manchando a parede ulcerosa do desatino, o melhor a fazer é buscar um buraco
profundo e se enterrar em silêncio, deixando o chorume escorrer sem qualquer
registro publicitário e, com vistas em sobreviver mais um dia, contaminar o
solo com a sombra pequena à qual o corpo se sobrepõe à perfeição. Deixar
escorrer, no entanto, ainda que já devidamente sepultado, não implica em
dissolver mas, ao contrário do ácido esperado, só faz concentrar. Dito de outra
forma, quando neste ponto, é um labirinto sem paredes cuja trama não tem fim. E
então, socorro.”
Ponto e dimensão. Foto de Refrator de Curvelo. |
Quando já é tarde para ter sido coisa
melhor.
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