sexta-feira, 15 de março de 2013

As regras do jogo: ácido acídico.


“Porque a boca come ao contrário, também. Ainda que devore com maior dificuldade, se contorcendo para deglutir o massivo que se esconde por trás da mucosa, come ao contrário. Não falo do regurgito ou de outras formas de descomer que fazem gatos soltarem moedas de centavos ânus afora, mas de uma boca que devora ao contrário, rebelde, consome o mesmo a quem em outra vez serviria o alimento devidamente apaziguado. E o faz de boca fechada de calar os meninos mal-criados, os falastrões afobados ou outro tipo de gente sem boa formação. Entenda. É o contrário do bocejo, que é a forma de vórtice que tudo devora sem jamais saciar o que precisa. É cerrar a boca e comprimir quando o movimento é o de saída. É, por fim, não dizer o que consome. O caso é que há verbos, sentenças e predicações que, quando parados no canto da sala são corrosivos e imediatos e, uma vez neste estado alquímico, corróem a tudo que encontram no caminho de forma assídua mesmo quando postos para correr, destruindo móveis, abat-jours e mesmo, gente.  Uma vez manchando a parede ulcerosa do desatino, o melhor a fazer é buscar um buraco profundo e se enterrar em silêncio, deixando o chorume escorrer sem qualquer registro publicitário e, com vistas em sobreviver mais um dia, contaminar o solo com a sombra pequena à qual o corpo se sobrepõe à perfeição. Deixar escorrer, no entanto, ainda que já devidamente sepultado, não implica em dissolver mas, ao contrário do ácido esperado, só faz concentrar. Dito de outra forma, quando neste ponto, é um labirinto sem paredes cuja trama não tem fim. E então, socorro.”

Ponto e dimensão. Foto de Refrator de Curvelo.
Quando já é tarde para ter sido coisa melhor. 

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