sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O meio de transporte: sobre a doutrina do similar e outros segredos.


FRAZER, James George. The golden bough: the magic art (2/13 vol.). Macmillan. 1990 [1913].
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Cosac & Naify. 2003 [1950].
TAUSSIG, Michael. Mimesis and alterity: a particular history of the senses. Routledge. Nova York. 1993.

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Michael Taussig é explícito ao enfatizar que Hubert & Mauss redigiram notas críticas a respeito da teoria da magia de Frazer como se fosse algo muito importante de se ressaltar. E é. Por uma ou outra razão, seu esboço de uma teoria geral da magia, de Taussig, não pôde ficar impávido diante da cena das páginas se desdobrando em páginas, notas e a diferença enorme entre as relações fora de contexto de Frazer e aquelas de Hubert & Mauss. Estar fora de contexto pode significar muitas coisas e, obviamente, ler Frazer no contexto de sua citação é, ainda assim, a forma de ler Frazer segundo Frazer, ele mesmo. Como imitação sem que com isso haja qualquer nota mais substantiva que assuma ares de filologia, uma das especialidades de Marcel Mauss. E que isto não seja lido como qualquer intenção de imitar da parte dos pesquisadores franceses, como se a modalidade de imitação à qual me refira dependesse disso. Talvez esta seja uma forma impessoal pela qual seja possível ser contemporâneo; e que isto seja uma das aproximações possíveis para o que pode ser dito a partir do conceito de cultura – e a nacionalidade se transforma em nada mais, e nada menos, do que uma rima em comum, segundo a máxima de Joseph Jacotot, ou simplesmente normas de etiqueta que propiciem relações de troca.
Há, obviamente, vida antes de Frazer para que ele seja considerado o presidente honorário, membro fundador de uma linhagem. Mas, tal como vemos na abertura do ensaio de Hubert & Mauss, Frazer especifica o problema da magia de forma a se transformar no original a partir do qual os termos associados sejam elencados - eis um dos fundamentos da atividade crítica filológica - numa linhagem de sucessão. Assim, Edward Burnett Tylor é reconhecido como quem, em Primitive Culture, estabeleceu a primeira teoria da magia a partir dos prolegômenos da magia simpática. O detalhe é que sua teoria da magia não atingiu de forma alguma a dimensão de uma teoria geral, isto é, que pudesse ser generalizada em uma diversidade de campos e acontecimentos. Tylor se atém demasiadamente àquilo que corresponde ao animismo, o que é verdadeiramente um outro tema de discussão. O terceiro excluído está excluído, mesmo quando existente.

Com Frazer e Lehman, chegamos a verdadeiras teorias. A teoria de Frazer, tal como exposta na segunda edição de seu O ramo de outro, é, para nós, a expressão mais clara de toda uma tradição para a qual contribuíram, além de Tylor, sir Alfred Lyall, Jevons, Lang e também Oldenberg. Mas como todos esses autores concordam, sob a divergência das opiniões particulares, em fazer da magia uma espécie de ciência antes da ciência, e como é esse o fundo da teoria de Frazer, é desta forma que nos contentaremos em falar primeiramente. Para Frazer, são mágicas as práticas destinadas a produzir efeitos pela aplicação das duas leis ditas de simpatia, lei de similaridade e lei de contiguidade, que ele formula do seguinte modo: “O semelhante produz o semelhante; as coisas que estiveram em contato, mas que já não estão mais, continuam a agir umas sobre as outras como se o contato persistisse”. Pode-se acrescentar como corolário: “A parte está para o todo assim como a imagem para a coisa representada”. Desse modo, a definição elaborada pela escola antropológica tende a absorver a magia na magia simpática. As fórmulas de Frazer são muito categóricas a esse respeito; elas não permitem nem hesitações, nem exceções: a simpatia é a característica necessária e suficiente da magia; todos os ritos mágicos são simpáticos e todos os ritos simpáticos são mágicos. (Mauss, 2002:50)

Que se entenda muito bem que não é com relação à magia que Hubert & Mauss devem tecer comentários críticos a respeito de Frazer. Tendo a dizer que teriam muito pouco, ou quase nada a acrescentar ao que oferece, efetivamente, O ramo de ouro. É com relação à religião que a tensão cresce, com relação à qual a magia se transforma num conceito negativo, isto é, o ato que faz cessar a conciliação religiosa o que faz de Frazer alguém que lhes atravessa o caminho. Visto por este ângulo, a teoria da magia de Hubert & Mauss é derivação de uma teoria da sociedade, o que não é nenhum escândalo lógico haja vista a relação com outro ancestral, outro original que é Émile Durkheim, talvez o verdadeiro original para a qualquer imitação impregnada nas formas do ensaio sobre a magia. Isto porque, ao contrário do que encontramos em Frazer, o que lemos na teoria geral da magia é o enquadramento homogêneo das fórmulas em relações de causa e efeito que se impõe, antes de mais nada, na teoria de sociedade que lhe é afim. Afinal, estamos no terreno do fato social das Regras do método sociológico no qual todo fato social só pode ser antecedido por um outro fatos sociais; e que sendo a magia um ato de tradição, e portanto social, só pode ser precedido por um outro fato social, não necessariamente um ato mágico. Há aqui uma fortíssima jurisdição em que a magia acontece somente sob licença, não podendo jamais ser entregue ao plano do mero acontecimento.
Obviamente que o fiel da balança é o conceito de religião. Ou de sociedade. Ou qualquer conceito que se pretenda ser uma generalização e que, mesmo que no encontro marcado com selvagens ou outra forma de sofismo – todos os selvagens são, ou bárbaros, ou sofistas ou selvagens; nesta analogia há muitas conexões de tipo a parte está para o todo assim como a imagem está para a coisa representada. E que não se entenda que por generalização o problema está meramente em propriedades formais que trafegam como conceitos na história das idéias. Isto porque a história das idéias não se move só, e tampouco somente no tempo. Caminha no espaço, adentra em territórios inóspitos que atacam com a força de enxames de mosquitos na pele branca, fundamentalmente como parte da tripulação ou passageiro de barcos como os que avistados pelos três chocó perto da ilha Encantamento. Metáforas são meios de transporte.

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