FRAZER, James George. The
golden bough: the magic art (2/13 vol.). Macmillan.1990 [1913].
DIDI-HUBERMAN, Georges. A
imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas
segundo Aby Warburg. Contraponto/Museu de Arte do Rio. Rio de Janeiro. 2013
The Golden Bough, J. M. W. Turner, 1834. |
1- Talvez eu esteja fazendo arranjos que
tirem as coisas do contexto e, mesmo, não estou seguro de que o contexto vá
garantir alguma coisa que não seja uma autoridade que o contexto não teria e,
ainda assim, transferiria para aquilo que apresento como material de leitura.
Por vezes parece ser necessário ser somente uma alusão ao entorno e seus
elementos constitutivos determinantes, o tipo de tirania que a noção de causa
aplica às disciplinas históricas. Não que a causa não exista, não que não faça
sentido, mas porque provoca um excesso de sentido quando o que se busca é
simplesmente apresentar um acontecimento. E quanto a isso, o contexto diz muito
pouco, ainda que permita com que as hipóteses de uma determinada pesquisa não
sejam generalizadas. Aliás, generalizar é tirar de contexto. Traçar analogias,
igualmente. Tirar do contexto demanda, obviamente, algum tipo de transporte
que, em outra época era outro nome para metáfora. Metáfora é uma forma de tirar
de contexto que, para tal, se mobiliza por saltos de semelhança. E este é, de
certa forma o expediente da magia e, ao mesmo tempo, da antropologia de James
George Frazer. Metodologia e objeto se confundem no Ramo de Ouro, na proliferação selvagem de receitas de magia cuja
fonte cobre toda bibliografia possível buscando compreender, em seus primeiros
dois volumes, um evento particular: as regras de sucessão de sacerdócio no
templo de Diana em Nemi.
Frazer retoma a relação própria de tantos
historiadores modernos que, desde Volney vêem nas ruínas uma imagem do passado
fazendo da sobrevivência das formas, rotas, uma espécie de sobrevivência –
quando não uma espécie sobrevivente (Didi-Huberman, 2013). Nemi, portanto, parece ter mantido, em algum sentido, a imagem do que a Itália fora nos
dias de outrora quando a terra era habitada de forma esparsa, povoada com
tribos de caçadores selvagens e pastores meditabundos (Frazer, 1990:08) que
permitem induzir serem traços caracteristicamente italianos. O quadro de J. M.
W. Turner homônimo ao livro serve como paisagem que permite reconstituir a cena
da Itália ancestral, o mesmo Turner que sentia-se aliviado por ter vivido sua
arte antes do advento e popularização da fotografia. Turner, à sua forma, era
testemunha de um Itália ancestral que não era sua, nem por nacionalidade e
tampouco por qualquer testemunho em primeiro grau. A sua Itália pagã é fruto
das ruínas, as mesmas de Frazer que, em linhas gerais, a reconstitui por
traços. Há muito tempo passado, há um intervalo gigantesco entre os dois
momentos – sugerindo, obviamente, que haja algo que possa ser chamado de Itália
no tempo de Ovídio que não seja, de alguma forma, um fantasma.
Este fantasma verdeja em loureiros, oliveiras e cipreste;
limoeiros e laranjais que compõe a cena bucólica tão apropriada para uma cena
retirada de versos como os de Lucano, Ovídio e Virgílio – para citar somente
aqueles vertidos para a língua portuguesa.
“However, it was not merely in its
natural surroundings that this ancient shrine of the sylvan goddess continued
to be a type or miniature of the past. Down to the decline of Rome a custom was
observed there which seems to transport us at once from civilisation to
savagery. In the sacred grove there grew a certain tree round which at any time
of the day, and probably far into the night, a grim figure might be seen to
prowl. In his hand he carried a drawn sword, and he kept peering warily about
him as if at every instant he expected to be set upon by an enemy. He was a
priest and a murderer; and the man for whom he looked was sooner or later to
murder him and hold the priesthood in his stead. Such was the rule of the
sanctuary. A candidate for the priesthood could only succeed to office by
slaying the priest, and having slain him, he retained office till he was
himself slain by a stronger or a craftier.” (Frazer, op.cit.:09)
Vemos que a temática do transporte está
presente. E, como é próprio da imaginação vitoriana, o transporte nos leva para
a selvageria e num movimento quase que imperceptível colige civilização e
selvageria na mesma cena. A mesma Itália antiga que buscamos no templo de Diana
em Nemi, cheia de bucolismo e beleza, é a que oferece esta forma de alternância
selvagem de poder no exercício do sacerdócio da mesma Diana. O mais forte ou
hábil deve perseverar numa variação quase que darwinista do sacer ocium; selvageria e sacerdócio em
um meio que borra sua distinção. E no entanto, neste mesmo jogo, é quem
sobrevive aquele que exerce sua função e leva adiante as regras de sucessão só
para que venha a ser assassinado logo mais. Caso não morra, morre a tradição
com ele.
5 comentários:
que abuso não citar a leitura da Strathern na bibliografia
Nossa, que abusado mesmo. Vou me sentar no banquinho do castigo.
(que bom que você perguntou a razão de ela não estar citada neste texto pequenininho, que não é acadêmico, que não se submete a qualquer critério editorial e não tem obrigação nenhuma de citar ninguém. que bom que você acha que pela mera junção de palavras "fora de contexto" já implica que só poderia ser um trabalho que parte da reflexão da antropóloga britânica e sua Frazer lecture. que bom que ainda assim, você se sentiu obrigado a escrever em nome dela, que percebeu semelhança, o que é grande parte da discussão que empreeendo e que acaba de ganhar de brinde uma demonstração do seu caráter performativo. que bom que marilyn strathern já conta com os censores de uma ortodoxia que, seguramente, não é a dela. que bom que percebeu que este é somente a primeira parte de vários textos, desigualmente pequenos. continue. e continue anônimo, de preferência, anonimato que, espero, te ajudará a aprender a ver - na e fora da Melanésia.)
Seja bem-vindo e até a volta.
ahahah no dia em que um comentário anônimo for censura as coisas estarão mais feias ainda. mas não chegamos lá. nem estamos na terra da obrigação. tal como no jogo de palavras usadas por ela, strathern, que você a mimetiza (com toda a liberdade que a cópia de algo pode ter para ser chamada como tal, segundo o próprio taussig) e, logo, achei que ela está muito mais aí do que o didi-mocó-huberman.
mas é só uma impressão anônima.
ps. mas isso é só no 1. no 2 e 3 tudo parece estar no lugar, seja ele qual for.
Bem notado. Censura é tecnicamente incorreto. Patrulha. Patrulha é mais o caso. Grato pela correção.
De qualquer forma, seja bem-vindo, seja você quem for. E se não for, dá na mesma. Nunca vou saber.
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